"Todos os fiéis, unidos, tinham tudo em comum; vendiam suas propriedades e seus bens e dividiam o preço entre todos, segundo as necessidades de cada um." Essa descrição das primeiras comunidades cristãs, contida nos Atos dos Apóstolos, revela o conceito de comunismo no sentido mais amplo: um regime social no qual vigoram a propriedade comum de todos os bens e a distribuição eqüitativa da riqueza.
De acordo com a formulação de Karl Marx, o comunismo moderno seria a fase superior da evolução histórica da sociedade, altamente organizada, formada por trabalhadores livres e conscientes que teriam a posse coletiva dos meios de produção. O advento dessa sociedade determinaria o desaparecimento do estado. As nações se aproximariam cada vez mais umas das outras e suas fronteiras desapareceriam. A organização social, fundamentada no modo de produção comunista, garantiria o completo desenvolvimento de cada ser humano e a utilização de todo seu talento e capacidade, com maior proveito para si e para a sociedade. O livre desenvolvimento de cada um levaria ao livre desenvolvimento de todos e assim se tornariam finalmente harmônicas as relações entre o indivíduo e a sociedade.
Comunismo primitivo. Baseado nas pesquisas antropológicas de seu tempo, Marx supôs a existência de uma espécie de comunismo nas sociedades primitivas. A sobrevivência da comunidade dependeria do trabalho coletivo e a inviabilidade técnica de produzir excedente eliminaria a possibilidade de propriedade privada. Por não haver riquezas a apropriar, não existiriam também as relações de dominação e a organização social seria muito simples, com base na família. As relações de produção se dariam a partir da propriedade comum dos meios de produção -- terra, instrumentos de trabalho e habitações. A propriedade privada se limitaria às armas, roupas e utensílios domésticos. O trabalho coletivo seria uma necessidade, na paz e na guerra.
No plano teórico, costuma-se citar como antecedentes filosóficos do comunismo as idéias do filósofo grego Platão, especialmente as expostas em A república. Para ele, a restauração do estado dependia da restauração da harmonia, que a democracia não conseguira implantar, por meio da comunidade de bens. Entretanto, a base do estado ideal de Platão é o trabalho escravo e seu sistema, uma idealização do sistema egípcio de castas.
Socialismo utópico. No Renascimento, período em que ressurgiram as idéias platônicas, Thomas More publicou Utopia, em que se encontram os primeiros elementos do socialismo utópico. Até meados do século XIX sucederam-se os socialistas utópicos e foram tentadas várias experiências românticas de sociedades comunais. Entre os principais utópicos destacam-se Jacob Andreae, Francis Bacon, Robert Owen, Saint-Simon e Charles Fourier. Os partidários das teorias de Owen organizaram núcleos comunistas nos Estados Unidos e Inglaterra.
Comunismo marxista. A filosofia marxista nasceu na Europa na década de 1840, época em que estava consolidado o capitalismo inglês e a industrialização agravara as desigualdades sociais. Para o marxismo, no sistema capitalista impera a ditadura da burguesia, a qual, na etapa do socialismo seria substituída pela ditadura do proletariado. A propriedade social dos meios de produção no socialismo levaria à extinção gradual das classes e à evolução para o comunismo. A filosofia marxista, ou materialismo dialético, aplicada à história constitui o materialismo histórico, segundo o qual a história progride pela luta de classes.
O Manifesto comunista, de 1848, escrito por Marx e Engels, é o primeiro documento do comunismo científico, expressão usada pelos autores para diferenciá-lo do comunismo utópico, afirmando que o socialismo decorre do capitalismo de maneira necessária, historicamente determinada, da mesma forma como o capitalismo sucedeu ao modo de produção feudal.
Fases do comunismo. Na Crítica ao programa de Gotha (1875), Marx afirma que entre o fim da sociedade capitalista e o advento da sociedade comunista transcorreria um longo período de transição, que ele denominou socialismo. Estabelecidas as condições políticas (ditadura do proletariado) e econômicas (socialização dos meios de produção), sobreviveriam ainda na sociedade socialista elementos fundamentais da velha sociedade: relações econômicas, sociais, jurídicas, éticas etc. Permaneceria a oposição entre trabalho intelectual e manual e o grau insuficiente de desenvolvimento das forças produtivas determinaria a distribuição dos bens e serviços segundo a quantidade e qualidade do trabalho de cada um.
Cumprido o período de transição socialista, seria instaurada a sociedade comunista, com a posse coletiva da totalidade dos meios de produção, desaparecimento definitivo das classes, das diferenças entre a cidade e o campo e entre trabalho intelectual e manual. O estado, instrumento de dominação de uma classe sobre outras, desapareceria e, nas palavras de Marx, o governo dos homens seria substituído pela administração das coisas. Uma vez superada a ordem jurídica burguesa, a sociedade poderia "escrever em suas bandeiras: de cada um segundo sua capacidade, a cada um segundo sua necessidade".
Movimento comunista. O sistema filosófico marxista estabelece uma ligação indissolúvel entre teoria e prática, e Marx e Engels, coerentes com esse princípio, trataram de ligar-se à classe operária. Para isso viajaram a Bruxelas, Paris e Londres, onde entraram em contato com as organizações proletárias e democráticas a fim de convencer seus líderes do papel revolucionário da classe operária. Em 1847 seus partidários fundaram a Liga dos Comunistas, cujo programa, redigido por Marx, levou o título de Manifesto comunista e foi publicado em Londres no ano seguinte. O próprio Marx propôs a dissolução da Liga, cinco anos após sua criação, devido às perseguições da polícia prussiana e ao processo dos comunistas na cidade de Colônia, após o fracasso da revolução de 1848 na Alemanha.
Em 1864, Marx participou da criação da Associação Internacional dos Trabalhadores, que ficou conhecida como I Internacional. Redigiu seus estatutos e procurou orientá-la para o socialismo científico. As adesões se multiplicaram até 1870, quando o anarquista russo Mikhail Bakunin começou a ter grande influência sobre o proletariado, criticando o comunismo por sua "mania de organização e disciplina". A luta entre as duas tendências se agravou com o fracasso da Comuna de Paris, em 1871. Em 1876, decide-se extinguir a I Internacional.
Socialistas de 23 países reunidos em Paris para comemorar o centenário da queda da Bastilha, em 1889, lançaram as bases da II Internacional, cuja fundação se consumou em 1891, em Bruxelas, sob o nome de Internacional Operária, que congregava representantes de várias tendências. No congresso de 1893 decidiu-se expulsar os anarquistas. As divergências internas exacerbaram-se com o fracasso da revolução de 1905 na Rússia, mas, apesar disso, em 1912 a II Internacional contava com 12 milhões de sindicalizados e 7,5 milhões de cooperados. A iminência de uma guerra mundial levou os parlamentares social-democratas alemães, franceses e ingleses a apoiar os governos nacionais, numa posição incompatível com o internacionalismo proletário. A II Internacional foi então abandonada pelos marxistas.
Leninismo. O marxista russo Vladimir Ilitch Ulianov, conhecido pelo pseudônimo de Lenin, publicou em 1902 o livro intitulado Chto dielat? (Que fazer?), no qual expôs suas teses sobre a organização do partido revolucionário. No II Congresso do Partido Social Democrata Russo, realizado em 1903, operou-se a cisão entre bolcheviques, fração majoritária, e mencheviques, fração moderada minoritária do partido. Em outubro de 1917, eclodiu na Rússia a revolução bolchevique, inspirada nas teses leninistas sobre a luta armada pelo poder.
A III Internacional foi fundada em Moscou, em 1919, e em seu II Congresso, realizado no ano seguinte, tomou o nome de Internacional Comunista e estabeleceu programa e direção precisos. Lenin enunciou então as 21 condições de admissão dos partidos à organização. Os que foram aceitos adotaram explicitamente a denominação de partido comunista e assumiram como um de seus principais objetivos a defesa da "pátria do socialismo". O Partido Operário Social-Democrata da Rússia, encabeçado por Lenin, transformou-se no Partido Comunista de Todas as Rússias, nome mudado em 1925 para Partido Comunista da União (ao criar-se a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas) e, finalmente, em 1952, para Partido Comunista da União Soviética (PCUS). Desde a vitória da revolução, em 1917, a história desse partido confundiu-se com a do próprio país.
Stalinismo. A morte de Lenin, em 1924, abriu o problema sucessório. Assumiu o governo a troika (triunvirato), formada por Lev Kamenev, Grigori Zinoviev e Josef Stalin, este último secretário-geral do partido desde 1922 e em decidida marcha para o poder total. Defensor da teoria do "socialismo em um só país", entrou em choque com a tese da "revolução permanente", de Leon Trotski. Em 1925, Stalin já era o dirigente único da União Soviética e líder supremo do movimento comunista internacional, posições referendadas pela III Internacional e pelo XIV Congresso do Partido Comunista. Em 1928, o primeiro plano qüinqüenal de Stalin pôs fim à nova política econômica (NEP) de Lenin, em vigor desde 1920, que protegia o direito à pequena propriedade. Inicia-se o programa de industrialização rápida e socialização forçada para assegurar a defesa da União Soviética contra a ameaça capitalista.
Stalin soube tirar partido da onda de "patriotismo soviético" para efetivar profundas modificações econômicas no país e desencadear a eliminação em massa de dissidentes. No plano internacional, rompendo o pacto de não-agressão que assinara com a Alemanha hitlerista, participou ativamente da segunda guerra mundial contra o nazi-fascismo. Ao final da guerra, com a intervenção do Exército Vermelho, os soviéticos impuseram governos comunistas na Hungria, Polônia, Romênia, Bulgária e Tchecoslováquia. Na Iugoslávia, Josip Broz Tito, herói da resistência antinazista, instaurou um governo pró-soviético. Todos esses países, mais líderes comunistas da França e Itália, uniram-se à União Soviética para criar, em 1947, o Bureau de Informação Comunista (Cominform), do qual a Iugoslávia foi expulsa no ano seguinte pela posição independente de Tito. Em 1949, os comunistas chineses liderados por Mao Zedong (Mao Tsé-tung) criaram a República Popular da China.
Com a morte de Stalin, em 1953, Nikita Khrutchev assumiu o controle do partido e denunciou os erros do antecessor. Em 1956, o XX Congresso do PCUS adotou a política de coexistência pacífica com os governos ocidentais. Embora abrandado o terror interno, as revoltas anticomunistas na Hungria e Tchecoslováquia foram reprimidas com rigor, o que manifestou as profundas divergências no interior do governo soviético. Em 1964, Khrutchev foi afastado do poder e teve início a direção colegiada do partido, com Leonid Brejnev.
Aprofundaram-se as divergências ideológicas com a China, que passou a acusar o PCUS de abandono da luta revolucionária e adoção de uma política reformista, como concessão à coexistência pacífica. Os governos dos países capitalistas fecharam o cerco contra a expansão comunista, criaram uma frente contra a "exportação" do socialismo e, na América Latina, apoiaram golpes de estado contra governos democráticos na Argentina, Brasil, Uruguai e, mais tarde, no Chile. As tensões se agravaram com o alinhamento de Cuba junto ao bloco comunista depois da revolução cubana de 1959.
Desintegração do comunismo. A invasão do Afeganistão em 1979, última operação intervencionista da União Soviética, provocou um imenso desgaste militar e político que culminou com a retirada, dez anos mais tarde, por força do clamor internacional. Já em 1985, ao assumir o poder, Mikhail Gorbatchev deixara clara sua intenção de mudança: a perestroika (reestruturação administrativa de empresas e órgãos do governo) e a glasnost (transparência das atividades governamentais, baseada na liberdade de informação) foram as duas linhas de força no desmonte da estrutura de poder montada pelo partido, que levara ao surgimento da nomenklatura (classe privilegiada de burocratas), corrupção desmedida e atraso tecnológico. O fim do confronto com o Ocidente e a democratização permitiram a independência dos países que formavam a "cortina de ferro" (expressão criada por Winston Churchill para designar o conjunto de países formado por Tchecoslováquia, Hungria, Polônia e Bulgária), a queda de ditaduras tão corruptas quanto sangrentas, como as da Romênia e Albânia, e a reunificação da Alemanha.
As repúblicas que constituíam a União Soviética se separaram e fundaram a Comunidade de Estados Independentes (CEI), preservando sua autonomia. A secessão mergulhou a Iugoslávia numa luta sangrenta entre nacionalidades. O Iêmen do Sul e o do Norte se reunificaram. Em Angola, Moçambique e Etiópia, os governos socialistas foram substituídos ou mudaram de orientação. Em todo o Ocidente, ocorreu uma radical transformação dos partidos comunistas, principalmente os de maior representatividade, como o italiano, o francês e o espanhol. Ao iniciar-se a última década do século XX, apenas a China, o Vietnam e Cuba mantinham governos declaradamente comunistas. A ideologia marxista, em todo o mundo, sofreu uma queda drástica de popularidade.
Comunismo no Brasil. Até a fundação do Partido Comunista do Brasil (PCB), em 1922, a ideologia predominante no movimento operário brasileiro era o anarco-sindicalismo. O Manifesto comunista somente apareceu em livro no Brasil em 1924, ou seja, 76 anos após sua primeira edição na Europa. Três meses depois de sua fundação, o partido foi posto na ilegalidade e assim permaneceu até 1985, com breves períodos em que pôde atuar livremente. Em 1930, Luís Carlos Prestes, que se notabilizara por liderar a oposição ao governo Artur Bernardes, na famosa Coluna Prestes, aderiu ao comunismo. A Aliança Nacional Libertadora, criada pelo PCB no início de 1935, procurava pôr em prática nas condições brasileiras a tática das frentes únicas e frentes populares, preconizadas então pelo comunismo internacional. A ela aderiram tenentistas, militares e civis.
Como resultado da combinação do tenentismo com o comunismo, eclodiu em 1935 um fracassado levante militar, a chamada intentona comunista, no Rio Grande do Norte, Recife e, posteriormente, no Rio de Janeiro. Com a redemocratização do país, em 1945, o PCB viveu seu maior período de legalidade, sob a liderança de Prestes, que celebrou uma aliança com Getúlio Vargas. Defendiam então os ideólogos do partido a tese da "burguesia progressista", de caráter nacionalista. O PCB conseguiu eleger um senador e 22 deputados para a Constituinte de 1946 e passou a editar um jornal, a Tribuna Popular. Mas já no ano seguinte, o Tribunal Superior Eleitoral anulou o registro do partido e o Congresso cassou os mandatos de seus deputados. Dessa época até 1960, os comunistas brasileiros viveram na ilegalidade e fiéis à linha ditada por Moscou.
Em 1957, insatisfeito com a obediência cega à orientação soviética, um grupo liderado por Agildo Barata deixou o partido. Em 1962, já com o nome de Partido Comunista Brasileiro, sofreu uma cisão liderada por João Amazonas e Maurício Grabois, que fundaram o Partido Comunista do Brasil (PC do B). Em 1967, durante o regime militar, alguns integrantes foram expulsos por defender a luta armada contra a ditadura. Carlos Marighela fundou então a Aliança Libertadora Nacional (ALN) e Apolônio de Carvalho e Jacob Gorender, o Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR), que se empenharam na organização de guerrilhas urbanas e rurais, logo desbaratadas pela repressão.
Em 1980 Prestes deixou o partido, juntamente com Gregório Bezerra. Em 1985, com a redemocratização do país, todos os partidos voltaram à legalidade, mas a derrocada do comunismo na União Soviética e na Europa oriental, a par do crescimento do Partido dos Trabalhadores (PT) -- de ideário esquerdista e bases sindicais não comprometidas diretamente com as antigas lideranças comunistas -- acarretaram um crescente desprestígio para a ideologia marxista. O PCB transformou-se, em 1992, no Partido Popular Socialista, liderado por Roberto Freire. As demais legendas perderam-se num amontoado de siglas sem representatividade, que viviam na periferia dos grandes partidos de centro-esquerda, como o PT e o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB).
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