Domingo (05 de junho) eu e Fernanda, minha esposa, fomos assistir à peça Tartufo, de Molière (1622-1673), encenado pelo Grupo Farsa de Porto Alegre. Pela primeira vez fomos ao Teatro de Câmara (Túlio Piva). A peça, uma excelente adaptação atualizada aos nossos dias, é a segunda parte da trilogia “As Três Batidas de Molière” das quais O Avarento, também excelente, foi a primeira.
Tartufo nos conta a história de Orgon, um abastado aristocrata francês e sua família, que têm a união ameaçada pela interferência do personagem título. Este último, um falso líder religioso, faz uso da fé de Orgon em seu benefício, lhe tirando tudo o que consegue alegando ajudar aos necessitados. As maquinações de Tartufo cegam seu benfeitor ao ponto de Orgon lhe destinar todos os bens que possui. A família do aristocrata, desesperada com a devoção do patriarca pelo falsário, tenta de todas as formas revelar a verdadeira face do enganador. Mas Tartufo sempre consegue reverter as situações em benefício próprio, ganhando cada vez mais a simpatia de Orgon. O patife somente é desmascarado quando Elmira, esposa do beato, seduz o farsante. Ao cair na armadilha, a verdadeira face de Tartufo é revelada. E Orgon, desiludido, expulsa Tartufo de sua casa. É a redenção da família com Orgon.
Quando estreou em Paris em 1664, Tartufo era uma severa crítica ao poder que a Igreja Católica tinha sobre a sociedade francesa do século XVII. Por esse motivo, a peça chegou a ser censurada por um breve tempo. Mas, a crítica presente em Tartufo, ainda é válida hoje, sobreviveu aos tempos, chegando vívida aos nossos dias. Pois, muitos ainda vivem de explorar a fé alheia, não somente por meio de seitas sem escrúpulos, mas por todo tipo de “profetas” e “gurus” da autoajuda e, também, por aqueles que prometem soluções mágicas, seja pelo emagrecimento acelerado ou por um rejuvenescimento por meio cirúrgico.
Enquanto saía do teatro, lembrei-me da música “Superman” da banda de hard rock Fruto Sagrado. “Tenho visto tanta coisa errada nesta estrada / Muito falso herói se achando o tal / Iludido com aplausos, elogios... com o pedestal / Até eu já vacilei, dei bobeira, viajei / Esqueci que levo tombo como qualquer um / Esqueci que levo tombo, esqueci que sou normal / Alguém aqui é normal?”. E, no refrão, prossegue “Eu sou diferente, igual a todo mundo / Sem Você eu não sou ninguém / Eu sou igual a todo mundo / Não existe superman”. Não somos autosuficientes e muito menos devemos seguir somente a homens.
E o grande mérito de Tartufo está exatamente aí, pois Molière, e o grupo Farsa, nos lembram de que não podemos depositar nossa fé devocional em homens. Afinal, homens falham, são gananciosos e corrompem-se. Por isso, precisamos entender a diferença entre fé e religião. Religião é uma construção humana, é feita por seres humanos. Vem do latim “religio” e quer dizer religar-se. Portanto, religião é uma busca.
Já a fé vai além. Fé é o caminho que nos conduz àquilo que nossos olhos não podem ver. A fé é muito mais do que religião, desde que, claro, seja depositada em Deus. “Agora eu tô sabendo / Que o sofrimento é um megafone / É Deus pra mim gritando que eu não sou super-homem / Que eu sou de carne e osso que eu vou passar sufoco / Agora eu não esquento não vou esconder meu choro / Afinal eu sou um cara comum / Que também leva tombo como qualquer um / Que tropeça, levanta mas não sai da dança / Tropeça, levanta e não sai da dança”. Uma pessoa de fé é insistente, não desiste e sabe que é falha. Afinal, não existem supermans.
Assim, se a religião é uma busca, a fé é uma certeza.
Em dias escuros como os nossos, em que seguimos – via twitter, facebook, orkut e outros – comediantes, pornostars, jogadores de futebol, músicos e uma série de celebridades que não nos acrescentam nada, não seria o monento de abandonarmos todos esses tartufos para seguirmos alguém que valha a pena?
Fica a dica, vá ao teatro, e, principalmente, não perca a fé.
Marcos Faber
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