O líder popular dos indianos trabalha numa roda de fios de algodão: 'conquistar as paixões mais sutis é a parte mais difícil'
Até agora, minha vida tem sido tão pública que não existe quase nada sobre mim que as pessoas já não saibam. Mas tenho me dedicado a um esforço incessante: descrever a verdade, da forma que a vejo, e da exata maneira pela qual cheguei a ela. Com esse exercício, ganhei uma inefável paz mental. Minha experiência como um todo convenceu-me de que não há outro Deus que não a verdade. Por enquanto, porém, só consegui ver alguns relances dessa verdade, e essas dão apenas uma idéia de seu indescritível brilho, um milhão de vezes mais intenso do que o do sol, que vemos todos os dias com nossos próprios olhos.
Para ver o espírito universal da verdade de perto, uma pessoa deve ser capaz de amar até a mais perversa das criaturas como se fosse ela mesma. E um homem que aspira a isso não pode se ausentar de qualquer setor da vida. É por isso que minha devoção à verdade me levou ao campo da política. Posso dizer, sem qualquer hesitação e com toda a humildade possível, que aqueles que dizem que a religião não tem nada a ver com política não sabem o que a religião significa.
Atração e repulsão - A identificação com qualquer ser vivo é impossível sem a autopurificação. Deus não pode ser percebido por alguém que não é puro de coração. A autopurificação, portanto, deve significar a pureza em todos os aspectos da vida. E como a purificação é altamente contagiosa, quando alguém se purifica, purifica também o que está ao seu redor. O caminho para isso, porém, é duro e íngreme. Para conquistar a pureza perfeita, uma pessoa não pode ter paixão no pensamento, no discurso e nas ações; deve ficar acima das correntes de amor e ódio, atração e repulsão.
Sei que ainda não tenho essa tripla pureza, apesar de lutar de forma constante e incessante nesse sentido. É por isso que todos os elogios do mundo não me comovem; na verdade, eles me provocam. Para mim, conquistar as paixões mais sutis é mais difícil do que a conquista física do mundo pela força das armas. Desde meu retorno à Índia, convivi com as paixões que se escondiam dentro de mim. Ter descoberto essas paixões me fez sentir humilhado, mas não derrotado. As experiências que me trouxeram até aqui me deram grande alegria. Mas sei que ainda tenho um caminho difícil a atravessar. Preciso reduzir-me a zero. Se um homem não se coloca por vontade própria como último entre todas as outras criaturas, não há salvação para ele.
Mohandras Karamchand Gandhi, de 60 anos, é advogado e ativista político. Entre 1893 e 1914, morou na África do Sul, onde participou de campanhas ligadas ao movimento de direitos civis naquele país. Na volta à Índia, tornou-se figura destacada nas manifestações em benefício dos pobres e das mulheres. Trabalha há mais de uma década para reduzir as tensões religiosas e étnicas na Índia e, principalmente, pela independência do território, controlado pela Grã-Bretanha. Gandhi, apelidado de "Mahatma" ("grande alma" em hindu), usa métodos que chamaram a atenção de todo o mundo. Ao invés de estimular o conflito violento com os britânicos, usa como armas a desobediência civil e a resistência pacífica para tentar alcançar seus objetivos.
Revista Veja História