História do Brasil e do Mundo
Persépolis de Marjane Satrapi e as Razões da Intolerância Religiosa
Nas férias assisti ao filme francês Persépolis (Persepolis, França, 2007), longa metragem de animação baseado na graphic novel de mesmo nome de Marjane Satrapi. O filme, assim como a HQ, é narrado na primeira pessoa e conta de forma autobiográfica a história da autora, uma iraniana de classe média que presenciou a Revolução Iraniana de 1979 e todos os seus desfechos, especialmente a derrubada do Xá Reza Pahlevi, um ditador apoiado pelo Ocidente, e a fundação da República Islâmica do Irã, que, por sua vez, era anti-Ocidente. Na trama Marjane descreve todos os problemas enfrentados pelos membros de sua família após a tomada de poder pelos fundamentalistas islâmicos, a autora narra especialmente a perseguição que alguns de seus parentes, membros do partido comunista, sofreram, sendo presos, torturados e mortos.
Apesar dos dramas familiares, Marjane, que em 1979 era uma criança, cresce como uma adolescente normal. Pensa em meninos, escuta música (inclusive heavy metal) e sonha com o futuro. Entretanto, o início da Guerra Irã-Iraque obriga seus pais a enviá-la para à Áustria.
Na Europa, Marjane conhece um novo mundo. Experimenta álcool, drogas, sexo e a desilusão. Após um período de descobertas, alegrias e frustrações, a jovem retorna ao Irã. Em sua terra natal não existe mais guerra. Mas o Estado islâmico controla tudo. As mulheres são obrigadas a usar um véu sobre a cabeça e roupas que cobrem o corpo todo, apenas as mãos e o rosto podem ficar descobertos.
Apesar dos homens terem mais liberdade, inclusive para se vestirem, muitas outras coisas são proibidas: bebidas alcóolicas, maquiagem, pornografia, manifestações públicas e a chamada literatura ocidentalizada são consideradas ilegais, quem for pego portando alguma dessas coisas é preso. Não existe liberdade de pensamento. As proibições ocorrem em nome da Religião. Tudo acontece em nome da fé.
Em meio a tudo isso, Marjane não consegue entender que tipo de fé é essa que impede que as pessoas pensem por si mesmas. Afinal, que direitos as autoridades políticas tem para definir o que é bom ou ruim para os indivíduos. Para piorar, a maioria dos membros do governo ou dos órgãos de controle sequer possuem instrução adequada para exercerem suas funções.
Contudo, a intolerância religiosa demonstrada no filme (e na HQ) não se refere apenas à religião ou a fé, mas aos costumes. As autoridades iranianas acreditavam, como talvez ainda acreditem, que é obrigação da religião, e do Estado, estabelecer o que deve ou não ser celebrado, o que deve ou não ser lembrado e assim por diante, independente do que acreditem ou pensem os indivíduos. Para os seguidores dessa forma de pensar a fé não é uma escolha, mas uma imposição.
Curiosamente, mesmo em nossos dias, algumas lideranças religiosas ainda pensam assim. Acreditam serem os donos da verdade e, que por esse motivo, todos devem lhes ouvir e seguir. Se fossem eleitos para governar nosso país iriam impor sua crença e condenar todos os que pensassem diferente deles, igualmente ao caso dos iranianos. Pessoas assim não se preocupam com a liberdade de escolha dos outros, pois não acreditam em livre arbítrio.
Esse é o grande problema de uma fé irracional, ou seja, sem fundamentos, sem raízes. Uma fé que se baseia apenas em interpretações pessoais sobre o que é certo ou errado. Uma fé que não possui profundidade, que não segue a um ou mais livros sagrados, mas é baseado em “revelações” ou em interpretações que um “profeta” fez sobre fragmentos de um livro sagrado – isso quando o tal livro foi consultado, o que nem sempre acontece. É por isso que agem de forma tão mesquinha e autoritária, pois não sabem como lidar com as diferenças e muito menos com as críticas. Assim sendo, a oposição torna-se perigosa, pois pode desmascaram a ignorância dessas autoridades religiosas.
Por tudo isso, Marjane não se enquadrava mais na sociedade iraniana, pois já havia conhecido um mundo onde as fronteiras geográficas e ideológicas já haviam ultrapassado em muito as do Irã.
Ler ou assistir Persépolisé sem dúvida uma fonte indispensável para conhecermos um pouco mais sobre o Irã, uma das nações mais auto isoladasdo mundo, e também para refletirmos sobre nossa forma de ver e entender os outros, principalmente quando pensam diferentes de nós.
Marcos Faber
www.historialivre.com [email protected]
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