Assim, em todos os momentos da história humana, a pobreza e a miséria existiriam. A única saída, afirmava Malthus, era educar a sociedade - principalmente os mais pobres - para que as pessoas entendessem a origem de seus males e não culpassem os governantes. A idéia de Malthus não chegava a ser inédita. Esse raciocínio era muito usado, no século XVII, para evitar as revoltas populares que começavam a emergir na Europa e na América. Por exemplo, alguns governos, sob a influência do pensamento Iluminista, adotaram para si a responsabilidade da educação.
Dinheiro vindo da cachaça.
Um dos países que instituíram a educação pública foi Portugal, e isso pouco tempo antes da publicação da obra malthusiana. A iniciativa, porém, não visava propriamente à erudição do povo. Quando o rei Dom José I assumiu o trono de Portugal, por volta de 1752, trouxe o Marquês de Pombal para compor o seu Conselho de Estado.
Pombal, bastante influenciado pelas propostas dos pensadores iluministas e incluído posteriormente no rol dos chamados déspotas esclarecidos - governantes ou assessores de governantes que, apesar de se apresentarem como seguidores do modelo Absolutista, adotavam certas práticas liberais defendidas pelo Iluminismo -, procurou, entre outras coisas, adotar medidas que minimizassem a influência da Igreja Católica nas orientações governamentais portuguesas. Uma dessas ações foi a expulsão da Companhia de Jesus do Brasil, na década de 1750. Os jesuítas, entretanto, eram responsáveis por mais de 80% dos poucos colégios no território brasileiro. Sua expulsão criou um enorme problema para a Metrópole, pois não se sabia quem iria assumir o espaço deixado pela Companhia de Jesus.
A solução foi encontrada nos anos de 1762 e 1763. O governo português ficaria responsável pela educação da população no território ultramarino, por meio da criação de escolas públicas. Se, por um lado, a iniciativa resolvia parte do problema, por outro fazia surgir um imbróglio: para educar, professores deveriam ser contratados, e isso implicaria pagamento de salários. Mas de onde sairia o dinheiro? Nesse período ainda não existia de forma completa a idéia de administração pública ou planejamento administrativo; esses temas foram desenvolvidos nos séculos XIX e XX.
A saída foi a criação de um novo tributo para sustentar essa atividade. Porém, mais uma encrenca tomava vulto: o que poderia ser tributado? Os escravos já eram objeto de tributação; ouro, diamante, açúcar, charque, passagem dos rios também, além de tantos outros que a lembrança pudesse alcançar.
Sugeriu-se, então, tributar um artigo comum em todo o território brasileiro e que, portanto, geraria renda suficiente para pagar o salário dos professores: a aguardente de cana-de-açúcar, conhecida como cachaça. Conforme as leis vindas da Metrópole, para cada tonel de 30 litros de cachaça seriam cobrados mil e quinhentos réis (1$500) a título de "subsídio literário" ..:. nome dado a esse novo tributo - e o dinheiro deveria ser revertido ao pagamento dos professores.
A mesma ordem determinou as matérias a serem lecionadas nos cursos: gramática, retórica, álgebra, geometria e história natural; o salário de cada mestre deveria ser de sessenta e dois mil réis (62$000) e as escolas deveriam estar localizadas nas vilas ou aldeias que concentrassem maior número de habitantes.
Por fim, a cobrança desse tributo ficaria a cargo do "contratador das entradas". Esse profissional era responsável pela cobrança dos tributos referentes a todos os artigos secos e molhados (por exemplo, pólvora e gêneros alimentícios) que entravam numa capitania, sendo o dinheiro arrecadado e posteriormente repassado à Real Fazenda.
Algumas coisas podem ser pensadas a partir daí. A primeira delas foi a opção por esse produto. Ao escolher a cachaça como item a ser tributado, o governo português criou uma situação em que todos ? ou quase todos ? os habitantes do Brasil contribuiriam, de maneira forçada ou não, para a educação pública. Em outras palavras, constituía-se uma situação em que toda a população favorecia a coisa pública, isso porque o vinho era uma artigo muito caro, mesmo para as elites coloniais, e a aguardente tomava seu lugar em larga escala.
A segunda diz respeito aos salários dos professores. Sessenta e dois mil réis era o soldo pago a um alferes da tropa regular, e alferes era um posto similar ao do tenente ? não podemos esquecer o mais famoso alferes da nossa história, Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes. Dessa maneira, se a comparação ainda fosse válida para os dias de hoje, um professor de ensino fundamental estaria ganhando em torno de R$ 2 mil, o que não seria mau negócio.
Por fim, ainda que seja quase uma piada, surge uma curiosidade. Se o salário dos professores era pago por meio da tributação da cachaça, pode-se concluir que, quando maior fosse o consumo desse produto, mais dinheiro existiria para a educação pública. Assim, pergunta-se: será que aumentou o número de bebedores no Brasil colonial por causa da boa educação do povo? Infelizmente, não nos é possível responder.
De qualquer modo, o ?subsídio literário?, assim como todos os outros impostos, foi cobrado no território até 1831, quando teve início a discussão que desaguou no Ato Adicional de 1834 ? grande reforma político-administrativa do Período Regencial. A partir de então, o dinheiro usado na educação passou a sair do orçamento governamental.
Retornando ao tema principal, pode-se perguntar se as matérias que foram escolhidas para as escolas eram ideais; pode-se perguntar também, caso seja possível calcular, sobre o número de alunos que frequentavam essas escolas no período e a população aproximada do Brasil dos setecentos; pode-se, enfim, discutir se a forma encontrada depois foi a ideal. Mas isso...isso...bom, isso já é uma outra história. Fica, portanto, para uma próxima vez.