Como se pode observar, a história do Cartismo é a das tentativas de impor os "seis pontos" da Carta do Povo a um Parlamento relutante e, em geral, hostil. Nas palavras de George Rudé,
O Cartismo foi, de fato, um movimento popular rico e multifacetado, herdeiro de uma tradição política radical, mas também filho das más colheitas e da pobreza, das habitações precárias, da falta de saúde e do emprego que acompanharam o crescimento de uma nova sociedade industrial.
Nesse sentido, o Cartismo uniu o velho e o novo, pois voltava-se tanto para as realidades do passado como para as do presente em busca de soluções, e suas formas de ação e expressão, com seus líderes e os divergentes elementos sociais que o compunham.
Diferentemente dos artesãos de Paris, no entanto, esse movimento não formulou um programa político a partir de um conjunto de idéias socialistas, mas a partir dos reformadores parlamentares radicais do passado. Os chamados "seis pontos" estavam baseados no que a Comissão da Reforma em Westminster tinha rascunhado 58 anos antes. No entanto, o contexto social em que viviam esses novos operários radicais havia se modificado. Nas palavras do historiador Eric Hobsbawm, o movimento operário que surgiu na primeira metade do século XIX foi uma resposta ao grito dos homens pobres que passaram a viver à margem da nova sociedade burguesa, industrializada e recém-inaugurada a partir da Revolução Industrial. Diante de uma realidade, onde antigos artesãos independentes agora haviam se tornado operários dependentes, esses homens buscavam alternativas para uma vida mais digna.
O movimento cartista foi possível graças a essa organização e não foi um fato isolado, tendo tido precedentes de greves, motins, insurreições e outras manifestações. Na análise de Eduard Palmer Thompson, as reivindicações pela liberdade já faziam parte da cultura dos artesãos e trabalhadores radicais antes mesmo da formação de sua consciência como uma classe trabalhadora. Isso se deve à sua trajetória de luta pela liberdade de imprensa e de divulgação de seus pensamentos e pelas influências que sofreram dos ideais socialista e jacobino, este último inaugurado na Revolução Francesa. Entretanto, apesar de organizado e consciente, o Cartismo foi marcado pela diversidade e pelas contradições: para uns, significou o direito de votar, para outros, o fim dos albergues da Nova Lei dos Pobres, o dia de trabalho de dez horas ou simplesmente um meio de matar a fome. A quantidade de pontos de vistas diferentes pode ser observada dentro do próprio grupo de líderes: radicais como William Lovett, em Londres, e Thomas Attwood, em Birmingham, conservadores como Richard Oastler, socialistas jacobinos com Julian Harney e James Bronterre O´Brien, entre outros.
É preciso ter em mente, no entanto, que o programa democrático radical do Cartismo não foi aceito pelos governantes e, num certo sentido, pode-se dizer que ele foi politicamente derrotado. Mas, apesar disso, os cartistas conseguiram mudanças efetivas como a primeira lei de proteção ao trabalho infantil (1833), a lei de imprensa (1836), a reforma do Código Penal (1837), a regulamentação do trabalho feminino infantil, a lei de supressão dos direitos sobre os cereais, a lei permitindo as associações políticas e a lei a jornada de trabalho de 10 anos.
Dentro desse movimento havia os que desejavam uma volta ao passado, isto é, a sociedade anterior ao desenvolvimento industrial, e os que viam a industrialização como uma realidade sem volta, dentro da qual só poderiam ter seus direitos mantidos a partir da cooperação e associação da classe operária. Nesse sentido, pode-se dizer que o Cartismo foi mais do que o grito de uma sociedade em declínio, foi uma expressão do nascimento de uma nova sociedade. (5.478)
Bibliografia
HOBSBAWM, Eric. A era das revoluções: Europa ? 1789-1848. Maria Tereza Lopes Teixeira e Marcos Penchel (trad.). São Paulo: Paz e Terra, 1977.
HOBSBAWM, Eric. Mundos do trabalho: novos estudos sobre história operária. Waldea Barcellos e Sandra Bedran (trad.). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
MOORE, Barrington Jr. As origens sociais da ditadura e da democracia: senhores e camponeses na construção do mundo moderno. Lisboa: Cosmos, 1975.
RUDÉ, George. A multidão na história: estudos dos movimentos populares na França e na Inglaterra: 1730-1848. Waltensir Dutra (trad.). Rio de Janeiro: Campus, 1991.
THOMPSON, E.P. A formação da classe operária inglesa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
Núcleo de Estudos Contemporâneos - UFF