A Comuna de Paris (1871) - ALGUMAS CARACTERIZAÇÕES DA COMUNA
História do Brasil e do Mundo

A Comuna de Paris (1871) - ALGUMAS CARACTERIZAÇÕES DA COMUNA


Robert Ponge
ALGUMAS CARACTERIZAÇÕES DA COMUNA

Qual foi o significado da Comuna? A indagação coloca-se a todos os historiadores na conclusão de seus livros e continua sendo tão debatida quanto aquela que se questiona se a Revolução Francesa derrapou a partir de outubro de 1789 e de derrapagem em derrapagem acabou guilhotinando a cabeça do coitado do Luís XVI que não pretendia fazer mal a ninguém, mesmo se, mal aconselhado, conspirava intensamente com os monarcas em guerra contra a França. Vejamos como alguns historiadores responderam à questão.

No decorrer de seu livro, de 1953, no qual sintetiza os estudos que vem desenvolvendo desde o início do século sobre a Comuna, Georges Bourgin define esta como "uma tentativa de Governo do povo pelo povo", como "algo novo na história da morfologia governamental" (destacando a supressão das forças armadas permanentes, "um dos símbolos [sic] mais típicos" do Estado tradicional); salienta ainda, entre outros aspectos, a adoção de "uma política social ... apenas esboçada mas que ... representava um passo coletivo na direção de um ideal". Em suma, Bourgin parece ir no sentido das análises de Marx, adotando inclusive algumas de suas formulações. No entanto, em sua conclusão, deixa claro o limite que atribui a estas colocações. Por um lado, qualifica de "mito" a tese segundo a qual a Comuna teria sido um "governo proletário, exemplo e esboço daqueles que a classe operária quer criar e criará". Por outro lado, reduz a Comuna apenas à expressão "da vontade do povo de Paris ... que desejava firmemente: a República, a guerra até o final contra os alemães, a autonomia municipal", reivindicações que estavam "mais ou menos envoltas em uma ideologia socialista e em um anti-burguesismo mais ou menos nítido".16

No final de seu Les communards, Winock e Azéma reconhecem no militante da Paris de março-maio de 1871 o "primeiro revolucionário da era industrial", o qual, animado por certo "socialismo" e alguma "consciência de classe", coloca "em questão a prepotência capitalista e nutre a esperança de um mundo radicalmente novo". Objetam porém que se tenha tratado de um "governo operário", restringindo sua novidade à "democracia" que garantiu ("cada um detém o direito de palavra, o direito de controle e o direito de crítica!") e ao internacionalismo que efetivou ("o homem da Comuna foi cidadão da República Universal").17

No mesmo ano, 1964, na conclusão de seu Procès des communards, Jacques Rougerie, dedicado historiador da Comuna, define esta da seguinte maneira: "Crepúsculo, e não aurora". Crepúsculo porque

o homem da Comuna pertence quase totalmente à pré-história do movimento operário, do socialismo. A Comuna é apenas a última revolução do século XIX, o ponto último, e final, da gesta revolucionária francesa do século XIX.18

Em outras palavras, Rougerie nega qualquer possibilidade de que a Comuna possa ter sido a "aurora da revolução social" (Marx),19 o "presságio de uma revolução proletária mundial" (Trotsky),20 limitando-se a ver no levante parisiense a última expressão do ciclo das revoluções burguesas ? ciclo iniciado, na França, pela Revolução de 1789 e que inclui as Revoluções de 1830 e 1848.

Porém, em seu Paris livre, 1871, publicado no primeiro semestre de 1971, Rougerie flexibiliza sua posição: "Crepúsculo sobretudo! Aurora, talvez!".21 Pouco depois, em maio do mesmo ano, durante um seminário comemorativo ao centenário do levante parisiense, ele caracteriza a Comuna como "um governo operário" e uma "revolução social, socialista", embora sublinhe ? "de maneira talvez excessiva", reconhece ele ? as "semelhanças" que encontra entre o movimento de 1871 e as Revoluções de 1793, 1830 e 1848.22 Tratar-se-ia de uma evolução?

Se evolução houve, foi passageira. A reimpressão, em 1978, de seu Procès des communards reproduz, tal qual, a análise de 1964: "Crepúsculo, e não aurora".

Em 1988, no livro em que sintetiza seus trabalhos anteriores, Rougerie parece inovar ao apresentar a Comuna como "o modelo de uma República por vir",

[a] República democrática e social: aquela que imaginam, esperam e constróem os Republicanos desde 1830 ou 1840. [uma República que] transcende todas as classes e todos os grupos, que reconcilia o povo consigo mesmo, inclusive os ricos burgueses e os miseráveis.23

Na verdade, a formulação confirma que Rougerie não enxerga a Comuna como uma aurora das revoluções proletárias. Posição que seu último livro, Paris insurgé: la Commune de 1871 (1955), não coloca em questão. Pelo contrário.

Às posições de Rougerie, Charles Rihs respondera em 1973 (na reedição de seu livro de 1955):

A Comuna é um "crepúsculo" enquanto fato revolucionário, sem dúvida nenhuma, mas no espírito de seus combatentes, era uma "aurora".24

O que pensar de tudo isto? Procuremos entender a Comuna.

Revista O Olho da História




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