Reconstrução transformou Hiroshima em 'cidade da paz'
Explosão de bomba nuclear pôs fim a décadas de tradição militar de cidade japonesa
Luísa Pécora, iGA bomba atômica lançada pelos EUA em Hiroshima durante a 2.ª Guerra Mundial provocou uma verdadeira mudança de identidade na cidade japonesa. Com tradição militar desde a era Meiji (1868-1912), Hiroshima adotou o conceito de cidade da paz como base para seu processo de reconstrução.
Até 1945, Hiroshima era sede de importantes instalações das Forças Armadas japonesas e de fábricas que produziam materiais utilizados pelo Exército. A explosão da bomba atômica, em 6 de agosto, destruiu 40% da cidade e matou 140 mil pessoas. Nos anos seguintes, doenças relacionadas à radiação elevaram o número de mortos para 253 mil, segundo o governo japonês.
O mesmo efeito devastador de longo prazo ocorreu em Nagasaki, atingida por outra bomba nuclear três dias depois. Apenas em 1945, 70 mil pessoas morreram, número que passou para 143 mil nos anos seguintes. A tragédia que atingiu as duas cidades levou o Japão a se render em 15 de agosto.
Segundo Hidaki Shinoda, professor da Universidade de Hiroshima, a bomba atômica destruiu completamente o propósito da antiga cidade militar. "Hiroshima perdeu tudo, inclusive sua identidade", afirmou em entrevista ao iG.
Autor do estudo "Post-War Reconstruction of Hiroshima as a Case of Peacebuilding" (A Reconstrução de Hiroshima no Pós-Guerra como Caso de Construção da Paz, em tradução livre), Shinoda argumenta que a mudança de identidade foi uma "necessidade", já que a própria participação do Japão no conflito terminou seis dias depois do bombardeio. Não era possível restaurar uma cidade militar no Japão pós-guerra, por isso uma nova base era necessária, escreve.
Em novembro de 1945, o governo japonês iniciou um plano de reconstrução que incluiu 119 cidades destruídas durante a guerra. Em Hiroshima, foram construídas casas temporárias próximas a estradas, e revitalizadas ruas, parques e escolas, em um processo que empregou cerca de 100 mil pessoas.
Um passo fundamental foi dado em 1949, com a promulgação do ato de construção do Parque Memorial da Paz. Projetada pelo arquiteto japonês Kenzo Tange e inaugurada em 1954, a área está localizada no antigo distrito de Nakajima. A bomba destruiu o local, até então um dos principais centros comerciais de Hiroshima, onde viviam 6.500 pessoas. As construções que ficaram em pé, ainda que parcialmente, foram preservadas no projeto do parque, que tem cerca de 122.100 metros quadrados e abriga um museu sobre a tragédia.
Para o professor Shinoda, era preciso dar à população um lugar onde obter informações e refletir sobre o acontecimento. Se a bomba atômica fosse esquecida ou lembrada apenas com ódio e sofrimento, a nova cidade da paz não conseguiria avançar em sua reconstrução, afirmou. O mais difícil é reconstruir a mente de pessoas que estão tomadas pela raiva e pela perda.
Shinoda relembra que, quando o parque foi inaugurado, a direita japonesa criticou o governo por gravar em um dos monumentos a frase "nunca repita esse erro", sem especificar qual país lançou a bomba. "A intenção oficial era fazer do ataque a Hiroshima um chamado mundial ao pacifismo, para que a população não sentisse raiva dos Estados Unidos quando lembrasse do que aconteceu", explicou.
Com Reuters
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