Depois de controlar as crises hemofílicas de Alexei (o garoto na imagem, entre o casal Romanov), Rasputin (à esquerda) ganhou a confiança de Nicolau II e Alexandra
Cabelos desgrenhados, olhar feroz, barba emaranhada, e uma presença que atingia a tudo e a todos. Essas são as características que marcaram uma das figuras mais misteriosas da História: Grigori Yefimovich Novykh, mais conhecido como Rasputin. Em 1905, o monge russo foi apresentado ao czar Nicolau II por Militsa e Anastásia, grã-duquesas de Montenegro. A partir desse encontro, o curandeiro que vivia metido em brigas e algazarras tornou-se o homem mais influente nos últimos do período czarista da Rússia.
Rasputin conseguiu não só conquistar a confiança de Nicolau II como também a de sua esposa, a czarina Alexandra. Isso porque os dois tinham um segredo que ocultavam dos súditos e que era conhecido apenas por poucas pessoas da corte: o filho do casal e herdeiro do trono, o czarevitch Alexei, era hemofílico, uma doença que havia adquirido pelo lado materno, fato pelo qual a czarina se culpava interminavelmente. Toda vez que o garoto caía, em geral durante as brincadeiras normais de qualquer criança, ficava logo com enormes manchas azuladas embaixo da pele branca, o que indicava hemorragias intensas, além da enorme dor que sentia. Na época, essa doença era pouco conhecida pelos médicos da corte, que se sentiam impotentes ao tentar ajudar o menino.
Desde que Rasputin tratou das crises de Alexei pela primeira vez, ele virou uma presença constante no palácio do czar. Porém, Nicolau e Alexandra eram cuidadosos e recebiam o curandeiro de maneira discreta. Eles queriam evitar que o resto da corte fizesse comentários maldosos a respeito das visitas de um benzedor de aparência tão desleixada quanto Rasputin.
PERFORMÁTICO E FANFARRÃO
O desempenho que o monge fazia na frente de Nicolau e Alexandra para cuidar do pequeno czarevitch era invariavelmente o mesmo: ele se jogava de joelhos e rezava algumas preces em uma língua que ninguém entendia. Depois de um tempo, levantava e se aproximava da cama do garoto, fazia o sinal da cruz, e afirmava com uma voz profunda e melodiosa: "está tudo bem, Alexei. Amanhã você estará bom novamente". Em seguida, o garoto era tranqüilizado com a leitura de contos de fadas siberianos e posto para dormir.
A czarina Alexandra Romanov abraçada ao filho (esquerda) confiou ao curandeiro Rasputin (o primeiro da esq. para dir., na foto ao lado) o segredo da hemofilia de Alexei, tratado com frequência no palácio de maneira discreta para evitar comentários maldosos sobre sua descendência
Depois da "consulta", Rasputin dizia aos pais desesperados para que acreditassem no poder de suas orações para que o menino pudesse se recuperar. No dia seguinte, tudo acontecia como o monge previra: Alexei acordava se sentindo bem e recuperado, de uma maneira praticamente incompreensível. Por isso, não é de se espantar que o monge tenha conquistado prestígio e poder sob a tutela do czar e da czarina. O que não se entende até hoje é a discrepância das atitudes de Rasputin. Se por um lado ele posava de homem santo e sábio, por outro era famoso por suas bebedeiras, farras com mulheres, e brigas - atitudes nem um pouco dignas de uma pessoa tão iluminada e poderosa.
Apesar de mulherengo e fanfarrão, Rasputin adquiriu poder e prestígio junto aos czares por sua pose de sábio
Um dos maiores mistérios em relação a Rasputin é a forma como ele conseguiu se destacar na corte de Nicolau em tão pouco tempo. Para muitos historiadores, tudo foi uma questão de ele conseguir por em prática suas habilidades hipnóticas, uma característica que bate bem com as descrições das pessoas que conviveram com ele. Elas relataram o poder que podiam sentir emanando por Rasputim. O homem parecia uma espécie de contradição, pois apresentava características santas e diabólicas ao mesmo tempo.
Mas, apesar de todas essas observações, é muito difícil até hoje rastrear as origens do monge. Sabese que há um movimento que corre atualmente na Rússia para resgatar a imagem de Rasputin como um homem de conhecimentos místicos importantes. Hoje ele é tido como um tipo puro, um bom selvagem siberiano, místico e supersticioso, que não foi contaminado pelos ideais racionalistas do Ocidente. Um russo ao modo de Dostoievski, que tentou salvar a santa Rússia das desgraças. Contudo, não se sabe se aqueles que aderiram à campanha de salvar a reputação de Rasputin chegaram a algum resultado. A polêmica sobre a participação do monge na queda da monarquia é motivo constante de debate até hoje.
O FIM DOS ROMANOV
A morte de Nicolau II e sua família, em 17 julho de 1918, colocou um ponto final na Casa de Romanov, a última dinastia imperial da Rússia, que governou o país de 1613 a 1917. Na verdade, os autênticos Romanov comandaram a Rússia até 1762. A partir daí, o país foi controlado pela Casa de Oldenburg, descendentes do casamento de uma duquesa Romanov com o duque de Holstein-Gottorp, que mantiveram o apelido Romanov.
No dia da execução, os Romanov estavam na Casa Ipatiev, uma propriedade mercadante da cidade russa de Yekaterinburg. A família foi acordada por oficiais bolcheviques e levada para o porão. Primeiro foi Nicolau, que estava com 50 anos, e o filho Alexei, 13. Em seguida desceram, Alexandra, 46, e as filhas Olga, 22, Tatiana, 21, Maria, 19, e Anastácia, 17. Também estavam presentes o médico da família, o cozinheiro, uma empregada e um criado.
Yakov Yurovsky, o oficial bolchevique que encarregado pela execução, alinhou as 11 pessoas contra a parede, como se fosse tirar um retrato. Então chamou o pelotão de fuzilamento e comunicou que o Comitê Executivo dos Urais havia decidido matá-los. Depois o oficial atirou no ex-czar, que morreu instantaneamente.
Cada membro do pelotão tinha ordem para matar um membro daquele grupo, mas o espaço do porão era muito pequeno e apertado, o que fez com que os oficiais não se posicionassem bem. Para piorar, as balas que foram disparadas contra Alexandra e as demais mulheres ricochetearam por causa das jóias que elas mantinham escondidas nos espartilhos. Em conseqüência disso, elas foram mortas por baionetas e coronhadas.
O enterro das vítimas foi completamente caótico, pois os guardas que acompanhavam os corpos apenas se preocupavam em pegar as jóias das mulheres e pouco se importavam com os cadáveres. Tanto que os corpos foram jogados nos poços de uma mina e permaneceram lá por cerca de 24 horas, até que decidiram levá-los para um local mais discreto. Mas o caminhão que os transportava os mortos atolou na lama, e foi por lá mesmo que os Romanov foram despejados.
No local onde os Romanov foram assassinados, na cidade de Ecaterimburgo, hoje fica a Igreja Ortodoxa Russa do Sangue
Os jornais que relataram a morte dos Romanov não deram muitos detalhes sobre a execução. O jornal Pravda disse apenas a família havia sido "enviada para um local mais seguro". Isso foi o suficiente para surgirem boatos sobre membros que teriam conseguido escapar da execução, por meio da ajuda de um guarda que teria ficado com pena deles. Como os corpos desapareceram, muitas pessoas começaram a se apresentar como um dos filhos Nicolau.
Um desses casos aconteceu na Alemanha, em 1920. Uma mulher chamada Anna Anderson tentou pular no canal Landwehr, em Berlim. Ao ser interrompida por um guarda, ela disse que era a princesa Anastácia, a mais jovem das filhas de Nicolau II, e que tinha conseguido fugir do massacre com a ajuda de um soldado polonês. A mulher disse também que havia viajado da Rússia para a Romênia em uma carroça, e que tentou buscar ajuda de uma tia que vivia na Prússia. Como não conseguiu provar sua identidade, tentou se jogar no rio em Berlim.
Mas as alegações de Anna logo foram rebatidas por parentes dos Romanov. Ela era muito arrogante, inclusive com as pessoas que acreditavam nela, e, para piorar, recusava-se a falar em russo. Não demorou muito para ser classificada como impostora.
Mesmo assim, por muitos anos foi comum na Rússia aparecer pessoas dizendo ser tal filho de Nicolau II. Até que em 1992, os restos mortais da família foram encontrados por arqueólogos russos, e sepultados na catedral de São Pedro e São Paulo, em São Petersburgo. Análises de DNA comprovaram que realmente os cadáveres eram da família imperial.
AS ORIGENS DE UM DEVASSO
Pouco se sabe sobre a vida de Rasputin antes de ele começar a fazer parte da corte russa. Estima- se que ele nasceu em 22 de janeiro de 1869, na aldeia de Pokroskoye, em Tolbolks, na Sibéria. O monge era filho de um camponês siberiano, e já em sua terra natal ganhou a alcunha de Rasputin, que em russo significa "devasso". O envolvimento com bebidas, mulheres e brigas ajudou a compor o personagem de curandeiro doido. Além disso, pouco mais se sabe sobre sua vida pregressa, embora corram boatos a respeito de uma viagem ao Oriente Médio, um casamento, e algumas peregrinações. Dizem que ele tinha comportamento rude e era semi-analfabeto.
Ao contrário da sobriedade e discrição da Igreja Ortodoxa Russa, Rasputin era adepto da seita dos "flagelantes". Acreditava que o caminho da redenção espiritual passava pela entrega ao pecado e o arrependimento era o caminho para a iluminação
A maioria dos pesquisadores costuma concordar que Rasputin participou de uma seita chamada Khlysty, que significa "flagelantes". Esse grupo doutrinário foi banido pela Igreja Ortodoxa por pregar que todos os desejos dos homens deveriam ser satisfeitos, e expressava seu fervor religioso por meio da realização de orgias noturnas. Essa era a filosofia de Rasputin: o caminho para a redenção passava pela entrega ao pecado, que era seguida do arrependimento. Foi durante o período em que passou entre os seguidores da seita que ele teria desenvolvido seu dom para magnetizar e impressionar as pessoas.
Além da vida religiosa, dizem que Rasputin casou com uma mulher, com quem teve quatro filhos. Um dos meninos morreu quando ainda era criança. O outro sofria de retardo mental e ficou com a mãe na aldeia siberiana. As duas fi- lhas foram para São Petersburgo com o pai, e lá foram educadas e viveram com Rasputin até ele morrer, embora não se exista nenhum registro do destino delas após a morte do monge.
Rasputin teria visto o "caminho da iluminação" depois de passar alguns meses em um mosteiro siberiano, onde se tornou um starets, termo russo que se refere a líderes espirituais. Ele costumava dizer: "se para a salvação do espírito é necessário o arrependimento, para o arrependimento acontecer é preciso o pecado. Então o espírito que quer ser salvo, deve começar a pecar o quanto antes".
Durante uma de suas peregrinações, Rasputin foi parar em São Petersburgo, capital da Rússia até 1918. Lá, o monge começou a curar as pessoas por meio do mesmo método que depois usou com o filho do czar: se jogava no chão e começava a rezar. Dizem que todos os enfermos saiam das sessões curados. O curandeiro procurou o padre João de Kronstadt, o mais venerado da cidade. Diante do clérigo, Rasputin se apresentou como um pecador arrependido. Sua humildade e habilidade como pregador arrebatado impressionou Kronstadt, a ponto de ele e outros religiosos o considerarem apto a trabalhar junto aos camponeses analfabetos. Foi assim que Rasputin conquistou admiradores em São Petersburgo, e acabou sendo apresentado ao czar Nicolau II. Os tempos de andanças e fome acabaram para o curandeiro.
Rasputin tornou-se o centro das atenções da Rússia pré-revolucionária concentrando tanto ódio como admiração da população. Na imagem, rodeado de admiradores da burguesia russa, em 1914, o conselheiro real é retratado com aspecto de sábio numa atmosfera austera
DE CURANDEIRO A PALPITEIRO OFICIAL
Nicolau e Alexandra sempre lidaram com a doença do filho de maneira discreta, sem chamar a atenção dos súditos. O czar se preocupava com o destino do garoto, pois temia que Alexei jamais conseguisse assumir o trono da Rússia por causa da hemofilia. Afinal, um líder doente não conseguiria participar de batalhas e lutar pelo seu reino, pois não poderia se machucar.
O envolvimento com supostos "milagreiros" não era muito bem visto na Rússia do começo do século passado. Não apenas os curandeiros eram mal-vistos, mas também adivinhos, ilusionistas, hipnotizadores (que parece ser o caso de Rasputin), e charlatões de toda a espécie. O problema maior era que o czar, que estava envolvido até o pescoço com problemas familiares e dava mais atenção às questões pessoais do que às necessidades do Estado, fazia-se de desentendido e não levava em consideração o fato de que seu governo ser odiado por seus súditos. A população russa estava passando por muitas dificuldades e fome, e esperava que o czar solucionasse esses problemas. Mas a família real, alheia a tudo o que envolvia seus súditos, cercava-se cada vez mais de pessoas místicas, que se apresentavam como "ligações entre o mundo material e o sobrenatural".
Com medo de que Alexei morresse, os czares colocaram o Império nas mãos do monge Rasputin
Na imagem, o curandeiro aparece entre dois oficiais do exército. Sentando, ao centro, sua influência atingiu todas as esferas do Império que se deteriorava lentamente; enquanto isso, o monge desfrutava de conforto e prestígio
A czarina foi uma das defensoras mais ferrenhas de Rasputin. Como ele era o único que conseguia fazer com que o pequeno Alexei superasse as crises que o atormentavam, Alexandra logo alçou o monge a uma categoria de conselheiro, o que irritou os demais membros da corte. Alexandra passou a idolatrá-lo de tal maneira que nada do que o curandeiro fazia nem nenhuma acusação que ouvia sobre seu "amigo" , como ela o definia, era errada. De fato, segundo relatos da época, a czarina nem mesmo queria ouvir falar das bebedeiras ou brigas nas quais ele poderia estar envolvido. Para a czarina, tudo eram detalhes que ela não fazia questão de saber.
Já o czar demorou um pouco mais para acreditar em Rasputin. Mas, depois de ver a saúde do filho melhorar, Nicolau passou a considerar o monge um enviado de Deus, que poderia ajudar a perpetuar a família no poder da Rússia (mal ele sabia o que aconteceria no seu país alguns anos mais tarde). Tanto Nicolau quanto Alexandra confiavam cegamente no monge. Principalmente a czarina, segundo informações divulgadas no livro Rasputin: A Última Palavra, do escritor russo Edvard Radzinsky. O autor sugere em sua obra que Alexandra e Rasputin teriam sido protagonistas de um tórrido romance, bem sob as barbas do czar.
Boatos à parte, o fato é que a ascensão do curandeiro foi rápida dentro da corte. Para se ter uma idéia, o monge que começou como benzedor e conselheiro espiritual, logo passou à condição de detentor de poder sobre o governo russo, com autoridade suficiente para nomear cargos do primeiro escalão do governo. O problema é que quase sempre indicava candidatos inaptos, que não exerciam de maneira correta suas funções. Mas o que Rasputin determinava, o czar e a czarina davam suas bênçãos. Enquanto isso, a fama das devassidões diárias do curandeiro continuava a crescer. E seus protetores continuavam a fazer vista grossa para os rumores.
Como conselheiro de Estado, o monge mandava e desmandava a seu bel-prazer. A corte não entendia o que havia levado o casal real a confiar tanto assim em uma pessoa de fama duvidosa. O domínio do starets sobre Nicolau e Alexandra era tão escancarado que os parentes mais próximos do czar fizeram com que ele banisse Rasputin da capital. O monge aceitou a restrição, talvez já ciente de que seria temporário. E de fato foi, pois mais uma vez ele confirmaria o seu poder curativo, só que desta vez à distância. Quando Alexei teve uma nova crise, bastou apenas um telegrama de Rasputin, assegurando que o czarevitch estaria bem no dia seguinte, que o menino acordou se sentido curado. Depois de provar que ele realmente era capaz de curar o herdeiro do trono russo, Rasputin recebeu autorização para voltar a São Petersburgo.
GUERRA E PODER Enquanto a crise mundial se agravava pela morte de Francisco Ferdinando, arquiduque da Áustria- Hungria (em primeiro plano), a família Romanov (ao fundo) passeava ostentando suas riquezas ao povo, como mostra a imagem de 1916
Em pouco tempo, a cidade inteira só falava dos milagres do "profeta" dos czares. Ministros, generais, aventureiros, bajuladores, e oportunistas de todos os tipos o seguiam com intenção de obter algum favor do casal real. Mas nem por isso os investigadores ligados ao czar deixaram de enviar relatórios com relatos de intermináveis aventuras amorosas e bebedeiras protagonizadas por Rasputin. Porém, nenhuma intriga era forte o suficiente para abalar a confiança cega de Alexandra e Nicolau.
UM BRUXO NA PRIMEIRA GUERRA
Até a Primeira Guerra Mundial, por pior que fosse a fama do czar e de seu regime, a situação da Rússia ainda estava sob controle. Em 1914, ano em que o conflito mundial começou, Alexei estava com nove anos e parecia gozar de boa saúde. Em compensação, o Império Russo, que fora negligenciado por Nicolau, estava à beira de um colapso. Quando Francisco Ferdinando, arqueduque da Áustria-Hungria, foi assassinato (fato que desencadeou o início da Primeira Guerra), Rasputin continuava a levar sua vida parasita na Rússia. Ele escapou por um triz de ser morto por uma mulher enlouquecida, que o atacou com uma faca no estômago. Ela gritava a plenos pulmões que havia matado o anticristo, o que dá uma idéia da fama do monge junto ao povo russo.
A população da Rússia estava cada vez mais indignada com crescente e escancarada influência que o monge exercia sobre os governantes. A própria nobreza russa estava em uma situação em que era obrigada a se declarar contra as intervenções de Rasputin, que continuava a se fazer de o todopoderoso do Império. Ninguém tolerava os poderes concedidos àquele homem. Ao mesmo tempo, todos entendiam perfeitamente que, por trás do casal real, era ele quem mandava e desmandava. E todos sabiam que algo precisaria ser feito em breve para remediar essa situação.
Visto como anti-Cristo, a influência do monge sobre o Império Russo causou indignação na população
Enquanto se recuperava dos ferimentos causados pelas facadas dadas pela mulher ensandecida, o monge escreveu a Nicolau uma carta, dizendo que a guerra deveria se evitada a qualquer custo. Rasputin afirmou que o conflito só traria para a Rússia "tragédia, dor... um mar de lágrimas e sangue".
Quando a guerra já parecia um beco sem saída para a Rússia, um novo boato começou a ganhar força entre o povo. Dessa vez, a população e a corte disse que o "homem de Deus", como era apelidado o monge, teria convencido Alexandra (e, por meio dela, o czar) a fazer as pazes com as potências centrais (a coligação do Império Austro-húngaro com o Império Alemão). Algo precisava ser feito e de maneira urgente.
Depois que a guerra estourou e Nicolau foi para a na frente de combate, Rasputin se tornou uma espécie de primeiro-ministro, que dava ordens sem parar. Todas as decisões passavam por seu crivo místico. Tal situação se tornou insustentável. Foi então que um grupo de aristocratas resolveu tomar decisões para organizar um complô que libertaria a Rússia de uma vez por todas do monge diabólico.
Com as derrotas sucessivas da Rússia, as más predições que Rasputin havia feito sobre a guerra foram insistentemente lembradas pelo monge, o que irritou ainda mais os outros homens próximos ao czar. Com as intervenções do curandeiro, a seriedade da monarquia foi abalada de maneira irrecuperável. Todos comentavam que o governo estava sendo mantido nas mãos de um bruxo que agia escondido, nos bastidores do governo, e que conduzia o país para uma guerra devastadora.
A HISTÓRIA SE REPETE NA HOLANDA
A situação absurda que Rasputin viveu na corte de Nicolau II não foi a única da História. Existiram outros curandeiros que também conquistaram prestígio junto à realeza. Um dos casos mais famosos aconteceu na Holanda e é muito semelhante ao que ocorreu na Rússia.
Tudo começou em 1947, quando a princesa herdeira da Holanda, Juliana, e seu marido, o príncipe alemão Bernhard de Lippe-Biesterfeld, tiveram uma filha. A criança, que recebeu o nome de Maria Christina (mais conhecida pelo seu apelido Marijke, ou Mariazinha), nasceu com catarata nos dois olhos, provavelmente em decorrência da rubéola que a mãe contraiu durante a gravidez. Os médicos fizeram de tudo para a menina não ficar cega e, embora tivessem garantido o funcionamento de um dos olhos, a ameaça de cegueira total ainda não havia sido descartada. Desesperada, Juliana foi visitar uma curandeira.
Em 1948, quando Juliana tornouse rainha dos Países Baixos, seu marido levou para o palácio real uma operária de 53 anos chamada Greet Hofmans, que era conhecida por praticar curas milagrosas. Porém, ao contrário do que aconteceu com o czarevitch na Rússia, a menina Marijke não apresentou nenhuma melhora, e Bernhard acabou expulsando a mulher do palácio. Isso foi o suficiente para que as línguas afiadas da corte começassem a comentar que Bernhard estava cuidando da casa, enquanto a esposa cuidava do Estado.
Mas expulsar Greet Hofmans do palácio não adiantou muito. Juliana já havia se tornado dependente da curandeira, a ponto de aceitar dela conselhos de Estado. Essa situação foi mantida em segredo até 1956, quando uma revista alemã revelou a história. Somente depois desse escândalo que a rainha resolveu aceitar os conselhos de uma comissão de estadistas mais experientes, se livrou da curandeira palpiteira, e fez as pazes com o marido. Juliana reinou por 31 anos e só deixou o trono quando abdicou em favor da filha mais velha, Beatriz. E nunca mais ninguém ouviu falar da velha Hofmans.
UMA ARMADILHA PARA O MONGE
O complô contra Rasputin foi organizado pelo príncipe russo Felix Yussupov, herdeiro da maior fortuna do país e marido da bela Irina Alexandrovna, sobrinha do czar. Felix havia assistido na Duma, o parlamento russo, a um discurso impressionante feito por Vladimir Purishkevitch, um deputado de extrema direita. Vladimir falou sobre as "forças ocultas que dominavam a monarquia", uma alusão clara a Rasputin.
CIÚME E CASTIGO
Motivado pelo ciúme, Felix Yussupov (na foto com sua esposa Irina) criou uma armadilha para envenenar, espancar e atirar diversas vezes em Rasputin, que morreu afogado, somente, após ser lançado no rio Neva
Não demorou muito para que Felix e Vladimir se aproximassem. Eles criaram um grupo ao qual se juntaram um oficial chamado Sukhotin, um médico conhecido por doutor Lazovert, e o grãoduque Dmitri, que fazia parte da família real. O ardil que esses homens planejaram era, aparentemente, à prova de falhas.
Certa vez, Rasputin viu Irina, a mulher de Felix, em uma ópera e ficou encantado com ela. O príncipe não esqueceu do fato e convidou o monge para um ceia no palácio. O curandeiro foi com a esperança de ficar mais próximo da princesa. Afinal, ele estava acostumado com homens poderosos que lhe ofereciam as esposas em troca de cargos e benefícios na corte.
Assim, no dia 28 dezembro de 1916, Rasputin foi visitar Felix. O monge, que sempre se apresentava com o aspecto selvagem e desgrenhado, resolveu se produzir para a ocasião. Ele vestiu uma blusa de seda bordada e calça de veludo. Mas, ao chegar ao palácio, Rasputin foi levado para o porão. De lá, era possível escutar um fonógrafo - uma tática de Felix e seus comparsas para que o monge pensasse que realmente estava acontecendo uma festa na parte social da casa. O monge resolveu esperar pelo fim da comemoração para poder se encontrar com Irina. Felix fez companhia a ele, e o encheu de vinho e bolos envenenados com cianureto. Dizem que a quantidade de veneno era tão grande que poderia derrubar um cavalo.
Os detalhes sobre o que foi servido a Rasputin variam de relato para relato. Um deles afirma que, além dos bolos, foi também servido um drinque de chocolate com veneno. Daí que vem o nome de um drinque muito comum na Rússia, o "vingança de Rasputin", feito com vodca e creme de cacau.
Apesar do plano maquiavélico de Felix, as coisas pareciam estar a favor do homem predileto do czar. Rasputin não parecia ser afetado pela enorme quantidade de veneno que ingeriu. Alguns historiadores acreditam que a quantidade de álcool que o monge ingeria diariamente o deixara, de certa maneira, imune ao veneno. Depois de beber muito vinho, Rasputin capotou sobre um sofá. Felix pensou que ele finalmente tinha morrido e foi até a sala comunicar o fato aos comparsas. Quando voltou ao porão, assustou-se ao ver que a vítima estava viva. Felix disse a Rasputin que ia verificar o andamento da festa no andar de cima.
O príncipe se reuniu com os demais conspiradores, e resolveram adotar outra estratégia. Felix voltou para o quarto onde o monge estava, mas desta vez carregava consigo uma pistola. Ele atraiu a atenção de Rasputin para um crucifixo que estava pendurado na parede e, apontando a arma, disse para que o starets fizesse uma prece. Disparou à queima-roupa e o atingiu pelas costas. O monge caiu sobre um tapete de pele de urso branco no exato momento em que os demais conspiradores entraram no recinto. O doutor Lazovert o examinou e declarou que a vítima estava morta.
DURO NA QUEDA
Mas o médico estava enganado: ainda não era o fim do curandeiro. Enquanto os assassinos se cumprimentavam pela morte do monge louco, a vítima abriu os olhos, colocou-se de pé e, com um salto, saiu correndo em direção ao pátio, em uma cena digna de filmes de horror, quando o vilão não morre de jeito nenhum. Antes que o "duro de matar" chegasse ao portão do pátio Purishkevitch, Felix sacou a arma e disparou novamente, atingindo Rasputin na cabeça e nas costas. Os outros homens completaram o ataque com o uso de punhais. Mesmo assim, o monge ainda tentou esganar Felix com as mãos.
Quando Rasputin caiu no chão novamente, Felix chegou a bater nele com um pedaço de pau até ter certeza de que não havia mais nenhuma possibilidade de sobreviver. Então, em um ato de desespero, o grupo pegou uma lona e várias cordas para embrulharem o corpo, e o carregaram até o rio Neva, que estava congelado. Eles abriram um buraco na superfície e jogaram Rasputin lá dentro. Mas, na pressa de se livrar da vítima, os conspiradores não amarraram pesos no corpo, para que ele afundasse. Três dias depois do crime, o cadáver foi encontrado pelos policiais russos. Um detalhe chocante é que os peritos notaram que havia água nos pulmões de Rasputin, o que significava que o monge ainda estava vivo quando foi jogado no rio. A morte foi declarada como acidental, embora todos soubessem que havia sido trabalho de uma conspiração. A czarina Alexandra logo tratou de prestar homenagens fúnebres ao amigo, ato que foi realizado em total segredo.
O desfecho da história de cumplicidade e segredo entre os Romanov e Rasputin (ao lado) foi trágico e triste. O monge advertiu Alexandra (sentada na foto à esq.) que sua morte traria o fim ao império e, sua predição foi cumprida com a ordem de execução de toda a família pelos bolcheviques
O assassinato de Rasputin foi o prenúncio do fim da monarquia russa pela revolução bolchevique
Apesar da reação da czarina, que logo ficou conhecida por todo Império, houve celebração nas ruas de São Petersburgo quando a notícia da morte de Rasputin se espalhou. Como todos os envolvidos na conspiração eram ligados a altas linhagens, o czar os puniu com castigos relativamente leves. Uns foram banidos, outros enviados para o serviço militar, enquanto alguns foram simplesmente absolvidos. Porém, o estrago à imagem da monarquia já estava feito e os súditos nunca mais voltaram a confiar na família real.
No último mês de vida, Rasputin escreveu uma carta para Alexandra dizendo que ninguém da família dela viveria mais de dois anos após a morte do monge. Dito e feito: no Natal do ano seguinte, em 1917, Nicolau e toda sua família foram presos, enquanto a I Guerra Mundial caminhava para seu fim. Apenas 15 meses depois que o corpo do curandeiro foi retirado do rio Neva, os czares e seus filhos foram assassinados por um comando de execução bolchevique, no dia 17 de julho de 1918, na cidade de Ekaterinburg.
Se a morte de Nicolau, Alexandra e seus filhos foi uma espécie de maldição que o monge jogou sobre eles, nunca ninguém saberá. Afinal, o curandeiro já havia demonstrado seus feitiços de diversas maneiras. Hoje, 92 anos após sua morte, Rasputin é lembrado mundialmente como um símbolo do poder sobrenatural.
REFERÊNCIAS:
Os Grandes Mistérios do Passado. Reader´s Digest Livros, 1996 ARON, Paul. Mistérios da História. Editora Manole, 2000 RADZINSLI, Edward. The Rasputin File. Anchor Books, 2001 Moynahan, Brian. Rasputin. Da Capo Press, 1999 DE JONGE, Alex. The Life and Times of Grigorii Rasputin. Perseus Books, 1989
SÉRGIO PEREIRA COUTO é jornalista formado com passagem por revistas como Discovery Magazine e Ciência Criminal. É autor de mais de vinte títulos, todos enfocando aspectos curiosos da história universal, entre eles os romances Sociedades Secretas, Investigação Criminal, Renascimento e os livros de pesquisa A Extraordinária História da China e Segredos e Lendas do Rock.
Revista Leituras da História