Fig. 6: Fivelas de bronze cinzeladas. Primórdios de migração dos povos.
Fonte: KÖHLER, Carl. História do Vestuário. São Paulo: Martins, 2001, 2ª ed.
A túnica* das mulheres era mais longa e não tão ampla quanto à dos homens; apresentava pequenas variações como o decote* baixo da camisa e mangas curtas na peça que se usava sobre ela. Todos os trajes da indumentária feminina tinham o mesmo feitio que os dos homens. Em termos gerais, as roupas femininas eram confeccionadas de forma primitiva.
A parte da frente era unida à de trás (mais estreita na altura do busto) por costuras nos ombros e nos lados. As mangas eram justas e tinham apenas uma costura. O decote* era invariavelmente cortado na parte da frente.
Uma descoberta na igreja de Saint-Denis, perto de Paris, fornece informações mais precisas sobre os trajes femininos. Foram encontrados fragmentos de tecidos da tumba de uma rainha merovíngia, Arnegonde (550-570), que fora enterrada com um chemise de linho fino e uma veste de seda cor de violeta por cima. Sobre a vesta, uma túnica* de seda vermelha, aberta na frente, com mangas compridas e amplas. ?Um cinto largo, cruzado nas costas e preso na frente, mantinha a túnica* no lugar. Preso à túnica* por broches de ouro ricamente trabalhados em esmalte, havia um véu que ia até a cintura?.64 Os sapatos fechados eram de couro preto com tiras suficientemente longas para serem cruzadas nas pernas até a altura da liga.
Graças aos manuscritos com iluminuras, podem-se obter informações consideráveis sobre as roupas das mulheres anglo-saxônicas. A vestimenta principal era a túnica*, usada sobre uma camisola e vestida pela cabeça. A sobretúnica, também vestida pela cabeça, era às vezes puxada sobre o cinto para mostrar a peça de baixo, pois essa possuía bordados junto ao pescoço, na barra e nas mangas. O manto era preso sob o queixo e, às vezes, tinha o comprimento da túnica*, nem os homens nem as mulheres usavam chapéus*; ambos tinham cabelos compridos, sendo que os homens e as meninas os deixavam soltos. As mulheres casadas prendiam os cabelos em uma espécie de chinó*, cobriam-nos por um véu em forma de turbante* ou ?por um véu comprido o suficiente para ser cruzado sobre o peito e cair até os joelhos, cobrindo todo o corpo?.65
Quando os carolíngios sucederam aos merovíngios (752-987), as condições na França e na Europa Ocidental eram bem mais estáveis, e assim o luxo aumentou. Carlos Magno tornou-se o soberano dos francos, controlando, em 771, um território que praticamente correspondia à França e à Alemanha. A conquista normanda, entretanto, foi um caso muito diferente, pois os descendentes dos escandinavos que se estabeleceram na Normandia estavam, nessa época, completamente afrancesados, tendo até abandonado a língua de seus antepassados. ?Os monges, cronistas da época, já reclamavam que os ingleses haviam perdido sua simplicidade costumeira, ao cortarem os cabelos, encurtarem as túnicas* e adotarem costumes franceses?.66
Quando os normandos invadiram a Grã-Bretanha, o vestuário consistia em algumas
túnicas* e um manto largo. A principal inovação da época foram as chausses, calças muito justas nas pernas e quadris; em toda a Antigüidade Clássica essa peça era específica do vestuário bárbaro. Os gibões e as jaquetas medievais, conhecidos pelos nomes de pourpoints*, jupons*, jerkins* e doublets*, se originam todos da túnica*.
Tem-se considerado, há tempo, a influência das Cruzadas nas alterações das roupas na Europa Ocidental. Antes do século XI já houvera contatos com o mundo muçulmano através da Sicília e da Espanha, e os ricos produtos do Oriente alcançaram, assim, o Ocidente, quando da conquista da Sicília em 1060. Na ocasião, os normandos depararam-se com uma civilização bastante superior à sua em termos de conhecimentos e de artesanatos, e que vivia em meio a um luxo desconhecido para época. Muitos artesãos permaneceram sob as ordens de seus novos soberanos e eram rapidamente empregados nos trabalhos de tecelagem e ourivesaria.
Na Espanha, no século XII, a reconquista gradativa das terras ocupadas pelos mouros resultou na coleta de um rico saque: jóias e tecidos finos, muito mais luxuosos do que os produtos da Europa cristã. Em seguida vieram as Cruzadas e a reabertura do comércio com o Oriente Próximo. Ao retornarem à Europa, os cruzados trouxeram não só os tecidos orientais, mas as próprias roupas e a técnica do corte. As mulheres ocidentais adotaram o véu mulçumano, e um pequeno véu cobrindo a parte inferior do rosto. Em contrapartida, começaram a moldar os vestidos ao corpo por meio de abotoamento lateral que deixava a parte superior justa sobre o busto. As mangas tornaram-se muito compridas e amplas no punho como se pode ver na figura abaixo a esquerda, um dos documentos mais valiosos da época, o Hortus deliciarum da abadessa de Landsberg, da Alsácia, feito por volta de 1175.
Valiosas fontes de informações são as esculturas das catedrais que começaram a ser construídas na França e na Alemanha no século XII. (fig. 7)
Fig. 7: Rei e rainha santificados da catedral de Chartres, c. 1150. Senhora Uta, uma das fundadoras, na catedral de Naumburg, c. 1243. Fonte: LAVER, James. A Roupa e a Moda: uma história concisa. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
Em meados do século XII, as roupas passaram a ser mais justas. Pouco antes do final do século XIV, as barras recortadas tomaram uma forma exagerada, mantendo-se assim por mais de meio século. Os grandes chapéus* brancos, como os das freiras atuais, começaram a desaparecer, dando lugar, em fins do século XIV, aos chapéus corníferos*, à mitra*, ao turbante*, culminando no característico hennin*, chapéu* alto, em forma de cone, de cujo vértice pendia um véu, originário da França do século XV(fig.8).
Fig. 8: A sala e o quarto. Ilustração do romance Renaud de Montauban, século XV.
Paris, Biblioteca do Arsenal.
Fonte: DUBY, Georges. ÁRIES, Philippe. História da vida privada. Vol. 2: da Europa feudal à Renascença. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
Do vestuário feminino surgiu um novo modelo por volta de 1130, sendo o corpete do vestido, pelo menos para as classes altas, moldado bem justo até os quadris e a saia ampla, caindo em pregas até os pés. Era, às vezes, suficientemente longa para formar uma cauda. A sobretúnica também era mais ajustada e tinha mangas mais amplas.
O véu costumava ser preso por um semicírculo ou um círculo completo de ouro usado em volta da testa. Além disso, do final do século XII ao início do século XIV usava-se a barbette*. Era uma faixa de linho passada sob o queixo e puxada sobre as têmporas. Na mesma época usava-se também o gorjal*; ?era feito de linho fino branco ou seda, cobria o pescoço e a parte do colo, sendo às vezes enfiado dentro do vestido; as pontas eram então puxadas para cima e presas no alto da cabeça sob o véu, para emoldurar o rosto?67 (fig. 9).
Fig. 9: Sir Geoffrey Luttel com sua esposa e nora, do livro de salmos Luttrel.
Inglaterra, c. 1335-40.Londres, British Museum.
Fonte: LAVER, James. A Roupa e a Moda: uma história concisa.
São Paulo: Companhia das Letras,1993.
Consideravam-se, em épocas anteriores, imorais os cabelos femininos à mostra. Por essa razão, imagina-se que tenham surgido tantas inovações para adornar os cabelos com a desculpa de ocultá-los. O fillet*, adorno surgido no século XIII, adquiriu nova forma, caindo sobre a cabeça duas tiras ocas trabalhadas, onde eram colocados os cabelos. Conforme a figura acima, pode-se observar que a dama usa o fillet*: adorno quadrado deixando o rosto fechado numa moldura, contrastando com o adorno nébula* arredondado (fig. 10).
Fig. 10: HARPISTE. Boccace. Des claires et nobles femmes. Collection Spencer.
France, vers 1470. New York. Public Library.
Fonte: Carnet d?Adresses des Dames du Temps Jadis, Éditions Solar: Paris, 1988.
Pode-se notar, na imagem mostrada acima, o decote* pronunciado evidenciando o colo e o busto, e a aplicação de uma fina camada de tecido translúcido sobre o colo. A veste possui o corpo acinturado e a saia vai se alargando do quadril aos pés, caindo em grande volume de tecido. As mangas são muito justas e não se percebe enfeites, nem debruns*. Os cabelos estão soltos e são arrematados no alto da cabeça por um adorno circular estruturado para cima; adorno ?turbante*?, feito de um semicírculo de linho evidenciando o rosto.
61 LAVER, James, op. cit., p. 51.
62 ibid, op. cit., p. 51.
63 KÖHLER, Carl, op. cit., p. 165.
64 LAVER, James, op. cit., p. 51.
65 LAVER, James, op. cit., p. 54.
66 DUBY, Georges; PERROT, Michelle, op. cit., p. 189.
67 LAVER, James, op. cit., p. 62.
Este artigo é parte integrante
A Roupa, a Moda e a Mulher na Europa Ocidental
Medieval
Reflexo da opressão sofrida pela mulher na Idade Média (século: XI-XV)
Orientadora: Prof.ª Drª Maria Eurydice Barros Ribeiro
Aluna: Georgia M. de Castro Santos
Dissertação para obtenção do grau de mestre em
Arte Contemporânea, Área de concentração:
Teoria e História da Arte.