O ELO PERDIDO?
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O ELO PERDIDO?



A história da evolução humana acaba de ganhar mais um personagem, com pinta de protagonista. Pesquisadores na África do Sul anunciaram a descoberta de uma nova espécie de hominídeo, chamado Australopithecus sediba, que viveu há quase 2 milhões de anos e pode ser a linhagem da qual se originaram os seres humanos modernos.


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Dentre todos os tipos de australopitecinos conhecidos (agora são cinco), este é o que mais se assemelha aos primeiros representantes do gênero Homo, como o Homo habilis e o Homo erectus, que deram origem, em última instância, ao Homo sapiens.

Vários ossos e fragmentos de ossos de A. sediba, incluindo um crânio em ótimo estado de preservação, foram desenterrados de uma região cavernosa próxima a Johanesburgo. Eles pertenciam a dois indivíduos pré-históricos: um jovem, com 10 a 13 anos de idade, e uma mulher, com cerca de 30.

A datação dos sedimentos nos quais os fósseis foram encontrados indica que eles morreram cerca de 1,9 milhão de anos atrás, posicionando a espécie num período crucial da evolução humana, em que versões mais modernas de Australopithecus estavam dando lugar a versões mais primitivas de Homo.

O Australopithecus sediba desponta nesse cenário como uma espécie transitória, portando características de ambos os gêneros. Sua morfologia geral é típica dos australopitecinos, com cérebro pequeno, baixa estatura, braços longos e pernas curtas. Mas há peculiaridades no formato do crânio e da pélvis que o colocam mais próximo do gênero Homo do que os outros.

"Se fosse só pela pélvis, eu diria que é um Homo erectus", diz o pesquisador Lee Berger, do Instituto de Evolução Humana da Universidade de Witwatersrand, na África do Sul, principal responsável pela descoberta e pela descrição dos fósseis, publicada na revista Science. "Sabemos agora que é preciso muito mais partes (de um esqueleto) para definir uma espécie ou até um gênero", completou ele, referindo-se à controvérsia que envolve a classificação dos fósseis mais primitivos de Homo. Muitos pesquisadores acham que H. habilis e H. rudolfensis, por exemplo, deveriam ser reclassificados como Australopithecus.

Em entrevista coletiva por telefone, Berger contou que sua primeira inclinação foi mesmo classificar o A. sediba no gênero Homo. No fim das contas, porém, várias características mais primitivas - principalmente os braços longos e a cabeça pequena - acabaram por segurar o fóssil entre os australopitecinos. A capacidade endocraniana do A. sediba (espaço disponível para o cérebro) era de 420 cm³, pouco maior que a de um chimpanzé moderno (350 cm³), porém menos da metade da de um Homo erectus (900 cm³) e apenas um terço da de um Homo sapiens (1.300 cm³).


O que não diminui a importância da descoberta. De fato, esse mosaico de características coloca o A. sediba como um forte candidato a ancestral direto dos seres humanos modernos. Trata-se de uma história complicada, que pode ser contada de diferentes formas, dependendo do narrador. Assim como há várias espécies descritas de Australopithecus, há várias espécies de Homo, e não há consenso entre os cientistas sobre como cada uma delas se relaciona no emaranhado de galhos e raízes da árvore evolutiva que deu fruto ao Homo sapiens. As únicas "certezas", aparentemente, são que os Australopithecus deram origem ao Homo, cerca de 2 milhões de anos atrás, e que o Homo erectus deu origem ao Homo sapiens, cerca de 200 mil anos atrás.

Cabe aos paleoantropólogos, agora, encaixar o A. sediba nesse quebra-cabeça. Os autores do trabalho na Science levantam três possibilidades: 1) ele pode ser a espécie da qual se originou todo o gênero Homo (especialmente o H. erectus); 2) ele pode ter dado origem a alguns gêneros de Homo, mas não ao H. erectus (nesse caso, não seria um ancestral direto do ser humano moderno); ou 3) ele pode ser, simplesmente, uma linhagem de Australopithecus que acabou extinta sem deixar descendentes - um experimento evolutivo que não foi adiante, por assim dizer.

"Cada novo fóssil complica mais as coisas", impressiona-se o pesquisador Sandro Bonatto, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, que estuda evolução. "O fato de uma espécie ter características humanas não significa que seja um ancestral direto nosso."

"É tudo um grande mosaico", explica o pesquisador Walter Neves, diretor do Laboratório de Estudos Evolutivos Humanos da Universidade de São Paulo, especialista em evolução humana. "O problema não é falta de fósseis", garante ele. "Temos até um excesso de possibilidades. A grande pergunta é: De qual linhagem de Australopithecus surgiu o homem?"

Do ponto de vista morfológico, diz Neves, o A. sediba é um bom candidato. Do ponto de vista temporal, porém, ele só poderá ser considerado um ancestral humano se fósseis mais antigos da espécie forem encontrados, já que o gênero Homo surgiu há mais de 2 milhões de anos, e os dois esqueletos de A. sediba encontrados até agora foram datados entre 1,78 e 1,95 milhão de anos.

Como esses são os primeiros fósseis descobertos, ainda não há como saber a extensão temporal ou geográfica que o A. sediba ocupou. "É provável que estes não tenham sido os primeiros nem os últimos da espécie", aposta Berger.


Ceticismo

"São necessárias mais escavações para encontrar mais espécies e esqueletos mais completos de forma a complementar estas análises, cujas conclusões são ainda controversas sobre a relação de ancestralidade entre o gênero Homo e o Australopithecus", avalia, mais cético, o geneticista Fabrício Santos, da Universidade Federal de Minas Gerais. Sua primeira impressão é que o A. sediba é "apenas mais um Australopithecus", sem relação direta com o homem moderno.

Berger já adiantou que há mais fósseis de A. sediba sendo escavados do mesmo local - de pelo menos dois outros esqueletos -, mas preferiu não dar detalhes.

Da maneira como está, por volta de 2 milhões de anos atrás havia seis espécies de hominídeos caminhando pela África (talvez mais, talvez menos, dependendo da classificação de alguns fósseis mais fragmentados): Homo habilis, Homo erectus, Homo rudolfensis, Paranthropus robustus, Paranthropus boisei e, agora, Australopithecus sediba.

"Claramente um é diferente do outro. Agora, se são espécies diferentes ou variações geográficas de uma mesma espécie é algo que se discute", avalia Bonatto. "Se com bichos atuais já é difícil às vezes distinguir o que é espécie e o que é subespécie, imagine então com fósseis."



Herton Escobar, de O Estado de S. Paulo
Disponível em http://www.estadao.com.br







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