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A política da preguiça
Em seminário, Adauto Novaes debate a falta de tempo livre para o pensamento
Luiz Zanin Oricchio
Se o nosso Macunaíma murmurou "ai, que preguiça..." ao nascer, o filósofo Albert Camus comentou que "são os ociosos que transformam o mundo, porque os outros não têm tempo". Outras milhares de citações seriam possíveis porque a indolência frequentou a imaginação humana desde tempos imemoriais - e nem sempre com a conotação negativa que hoje a acompanha.

Em torno desse tema, o filósofo Adauto Novaes organiza mais um dos seus famosos seminários, que atraem público grande nas cidades por onde passam e depois se transformam em livros de referência sobre o assunto. O ciclo de conferências Elogio à Preguiça será apresentado no Rio, Belo Horizonte, São Paulo e Brasília, de 11 de agosto a 6 de outubro. As inscrições podem ser feitas no portal www.sescsp.org.br ou nas unidades do Sesc.

O time de palestrantes reúne nomes que já participaram de seminários anteriores, como Marilena Chauí, José Miguel Wisnik, Maria Rita Kehl e Jorge Coli; traz também "estreantes", como os ensaístas Francisco Bosco e Guilherme Wisnik. "A gente mantém o núcleo inicial dos seminários, mas também trazemos os talentos mais jovens", disse Novaes em conversa com o Estado.

A ideia deste seminário obedece a um pressuposto presente nos anteriores: "Não devemos falar em crise da contemporaneidade, mas em mutação", diz Novaes. O que não significa que os desafios sejam menos graves. Pelo contrário. Um dos grandes impasses contemporâneos, na era da técnica, se dá na questão do uso do tempo, daí o tema da preguiça, do ócio criativo, da pausa para pensar e refletir. "Não podemos esquecer Heidegger, que já via uma cisão entre a ciência/tecnologia e o pensamento."

Quer dizer, a técnica é uma criação humana que, por paradoxo, volta-se contra o seu criador. "Havia a crença de que com as novas tecnologias, teríamos mais tempo livre para nos dedicarmos ao nosso aprimoramento não só como profissionais, mas como seres humanos; deu-se o contrário: nunca se trabalhou tanto como hoje", diz.

O trabalho na era da informática tende a ser full time, sem interrupções, nem sequer nos fins de semana. "As corporações dão aos seus executivos celulares, iPhones ou laptops, verdadeiros presentes de grego, pois essa parafernália permite que os funcionários sejam contatados a qualquer hora do dia, inclusive nos momentos de lazer", diz. "O que houve foi uma apropriação brutal do tempo dos indivíduos pelo capitalismo contemporâneo", continua Novaes. Fato com muitas consequências, como o sentimento de urgência permanente, o estresse, a desconstrução de si. Mais grave ainda: esse novo ethos capitalista se opõe frontalmente às experiências do pensamento e da reflexão.

Daí que a preguiça, entendida como reapropriação desse tempo individual, socialmente sequestrado, tornar-se tema político. "Poderíamos até fundar uma Internacional da Preguiça", brinca Novaes, lembrando que as estratégias para administração do tempo alheio são uma forma de dominação. "Em um texto inédito, Foucault estuda como o tempo é disciplinado pela Igreja, pelo capitalismo e presídios", diz. Trata-se de não deixar qualquer tempo vago aos indivíduos, pois seria por ele que as tentações, desordens e queda de produtividade poderiam vir a perturbar o bom andamento das coisas.

Por outro lado, uma das formas eficazes de controle seria estigmatizar a palavra. O preguiçoso torna-se um pária. Mas, lembra Novaes, essa noção é historicamente construída. "Na Grécia e Roma antigas, o ócio era nobre e o trabalho, vil." Transformar a ociosidade em pecado, ou estigma social, é uma forma de culpar os que ousam dispor do seu tempo livre. Não passa de uma estratégia de dominação.

Essa desapropriação do tempo individual pode ter se exacerbado neste estágio do capitalismo, mas é algo que já preocupava pensadores do passado. Paul Lafargue, genro de Marx, escreveu um panfleto famoso, O Direito à Preguiça, no século 19. Mais recentemente, Paul Valéry, no prefácio às Cartas Persas, de Montesquieu, lembrava que nenhuma civilização podia se organizar sem atenção "às coisas vagas". Ou seja, ao pensamento reflexivo, crítico, à produção de obras de arte e inteligência, que dependem do tempo livre e da falta de um objetivo concreto ou prazo a cumprir.

Ao bolar o seminário, Adauto reuniu os conferencistas durante cinco dias em Tiradentes, Minas, para discutir a programação. "Foi muito duro, e todos se queixaram da amplitude da tarefa", diz. Falar da preguiça dá um trabalho danado.

Folha de São Paulo




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