Ivan, o Terrível - O primeiro Czar
História do Brasil e do Mundo

Ivan, o Terrível - O primeiro Czar


"Deus nomeou-me czar (...) e sou o pastor da terra ortodoxa e de seu povo (...) que deve me respeitar e me obedecer em tudo. Porque recebi esse poder não do homem, mas de Deus".
Ivan, o Terrível

Em pleno século XVI, no período da Idade Moderna, enquanto a Europa vivia na fase de seu Renascimento Cultural; as Américas eram desbravadas e colonizadas; a África era repartida em colônias entre os europeus; a Ásia se dividia em seus velhos impérios, e a Oceania ainda era desconhecida para o Ocidente; a Rússia, não se constituía em uma nação unificada, mas sim em vários Estados. Estados estes que ainda viviam quase que da mesma forma do sistema feudal do período medievalNo entanto, fora um homem que ficaria lembrado na história por seus atos cruéis e insanos, que seria responsável por unificar parte da Rússia e transformar seu caráter econômico, cultural e social. E este homem fora Ivan IV, conhecido pela alcunha de o Terrível.

Primeiros anos

Ivan nasceu em 25 de agosto de 1530 na cidade de Moscovo (hoje Moscou), capital do Estado da Moscóvia. Este era filho do Grão-duque de Vladimir e Moscou, Vassilli III (1479-1533) e da princesa Yelena Glinskaya (c. 1510/1514-1538). Vassilli III era filho de Ivan III, o Grande (1440-1505). Durante o governo de Ivan III e Vassili III, a Moscóvia tivera sua estrutura política, legislativa, econômica, social, etc., reformulada. O pai e avô de Ivan IV foram considerados bons governantes e gestores.


Grão-duque Vassili III
"Nos primeiros anos do século XVI, durante o reinado do Grão-duque Vassili III, pai de Ivan, o grão-ducado de Moscou vivera um processo de mudança radical: de início, uma comunidade insignificante, um dos muitos principados independentes que compunham a Rússia medieval, Moscou se transformou na área de maior poder político da região. Com isso, o velho atributo da política de separação - comunidades autônomas, cada uma sob o poer de um senhor feudal - começou a agonizar. Em seu lugar iria surgir uma nova política, baseada na unificação cuja autoridade emanava de Moscou". (BUTSON, 1988, p, 7-8).

Ivan III e Vassili III pretendiam tornar Moscóvia um Estado poderoso e influente, de forma que consegui-se no futuro iniciar a unificação da Rússia. Todavia, ambos não conseguiram manter tal ideia com êxito, pois embora territórios foram conquistados e outras cidades se tornaram vassalas de Moscou, com a morte de Vassili III a estrutura política ruiria. Porém, Moscóvia se tornou um dos Estados russos mais prósperos e poderosos, e ao mesmo tempo, a política de Vassili III transformou Moscou, na "capital da Igreja Ortodoxa", pois com a queda de Constantinopla (atual Istambul) em 1453, os Turcos-otomanos passaram a governar a cidade e a região, substituindo o Cristianismo pelo Islamismo. Até então, Constantinopla era a sede da Igreja Ortodoxa naquele tempo. 

"Em 1533, portanto, Vassili deixava como legado a Ivan, seu primogênito, o grande e poderoso Estado de Moscóvia. Mas, como Ivan, nascido em 25 de agosto de 1530, era ainda uma criança, sua mãe Yelena Glinskaya assumiu a regência do ducado. Juntamente com um conselho de boiardos (a Duma) governaria Moscou até que Ivan tivesse idade para assumir o poder". (BUTSON, 1988, p. 9).


Em verde escuro o território da Moscóvia em 1390. Em verde claro as terras conquistadas ou que se tornaram vassalas de Moscou até o ano de 1530. 
Yelena Glinskaya
A nobreza russa chamada de Boiardos, não gostaram de saber que estavam sob o comando de uma mulher que era regente de uma criança de três anos. Embora, Yelena conta-se com a proteção e apoio de sua família, os Glinsky, entre os próprios Glinsky havia aqueles interessados em se valer da condição de parente da regente e do príncipe, para conseguirem alcançar seus próprios interesses e ambições. Um tio de Yelena, chamado Mikhail Glinsky, a quem era querido da regente, acabou ficando com o "nome sujo" devido a fofocas, boatos e intrigas palacianas, que levaram Yelena a considerar seu tio um traidor e ordenar a prisão do mesmo. Assim, Yelena passou cada vez mais a confiar em seu amante, o príncipe Ivan Telepnev-Obolensky, relação essa que não agradava parte dos familiares da grã-duquesa. Entretanto, o maior problema não vinha das intrigas familiares da família materna de Ivan, mas sim das ameaças das outras famílias de boiardos que eram contrárias as políticas empregadas por Vassili III e Ivan III, pois uma das características de seus governos fora tentar retirar a "autoridade feudal" que os boiardos possuíam e concentrá-la apenas nas mãos do soberano de Moscóvia. Logo, os velhos nobres feudais não queriam perder suas autoridades, poderes e regalias.


Gravura russa retratando três boiardos (nobres) com trajes típicos dos séculos XVI-XVII.
"Sem a forte presença de Vassili, os boiardos, que haviam conservado a autonomia em suas próprias terras, começaram a disputar maior influência no poder moscovita, tramando a queda da família Glinsky". (BUTSON, 1988, . 9).

Uma das principais famílias rivais dos Glinsky eram os Chuisky os quais tramaram a queda dos Glinksy e assumiram o governo moscovita de forma provisória. Em 3 de abril de 1538, Yelena faleceu entre os seus 24 ou 28 anos de idade, possivelmente vítima de envenenamento, pois sua morte fora repentina e suspeita. Hoje acredita-se que de fato uma conspiração levou a sua morte, pois em seguida, os Chuisky e os Bielsky se apresentaram para serem tutores e guardiães de Ivan e de seu irmão Yuri, entretanto, as duas famílias e outras famílias da nobreza, disputaram o poder, e depois de algum tempo de anarquia, onde traições, conspirações, assassinatos prevaleceram, os Chuisky assumiram o poder como representantes de Ivan. 

"Os Chuisky eram responsáveis pela educação e, ironicamente, pela segurança do jovem príncipe e seu irmão, mas na verdade as duas crianças se transformaram em joguetes dessa família de boiardos". (BUTSON, 1988, p. 11).

Anos de cativeiro (1538-1543)

Ivan em algumas memórias que escreveu conta-nos como ele e seu irmão Yuri, foram maltratados pelos Chuisky durante os anos que ficaram sob sua tutela. Ivan, conta que os Chuisky os vestiam com roupas velhas e rasgadas, que as vezes não lhe davam comida, os deixando passar fome; os mantinham preso no Kremlin (cidadela onde ficavam os palácios, igrejas e prédios do governo nas cidades russas), permitindo ir apenas aos jardins ou outro lugar sob autorização dos mesmos. Ele também conta que os membros da família Chuisky o insultavam e zombavam dele. Embora fosse o soberano, era apenas uma criança. Além disso, os Chuisky afastara a família de Ivan dele e de Yuri. Com exceção dos feriados religiosos, os meninos não tinham contato com seus tios,  avós e primos. 

"Quando a ocasião exigia, entretanto, os Chuisky serviam-se de Ivan. Se recebiam a visita de um embaixador estrangeiro vestiam o menino com todas as pompas de um grande príncipe e fingiam homenageá-lo. No cotidiano, porém, Ivan só sofria privações e perdas: quando completou 8 anos de idade, tiraram-lhe a ama e, três anos depois, os Chuisky afastaram dele o boiardo Fyodor Vorotsov, que se tornara seu amigo". (BUTSON, 1988, p. 11).

Entretanto, a pior parte deste período de "cativeiro", surgiu a medida que Ivan se tornava um menino agressivo e genioso, pois uma das formas que ele encontrou para passar pelos zombamentos e infâmias era revidar de forma grosseira, pelo menos verbalmente. Além disso, seus tutores o incentivavam a este temperamento rude e violento, Ivan era forçado a assistir sessões de tortura, prática comum das leis russas, e até mesmo a testemunhar execuções públicas como enforcamentos. O mesmo fora incentivado a caçar, mas não animais selvagens, mas cães e gatos, e até mesmo a jogar alguns dos animais do alto das torres ou muralhas do Kremlin e vê-los espatifar-se no chão. De certa forma, isso fizera brotar um sadismo em sua pessoa, sadismo este que viria à tona vários anos depois. 

No entanto, embora Ivan crescesse nesta vida cativa, humilhante e violenta, uma das formas que ele encontrou para "fugir" disso fora nos livros, nos estudos, e na religião. Ironicamente, embora tenha ficado conhecido por sua violência e barbárie anos depois, Ivan era um homem bem religioso, pelo menos da forma que ele queria que as pessoas o vissem.  

"Ivan era uma criança retraída, séria e estudiosa. Lia avidamente tudo o que lhe caía nas mãos: interessava-se pela história universal e pela grega em particular; estudou a vida dos grandes governantes, como o rei Salomão e Alexandre, o Grande, leu a respeito dos imperadores de Constantinopla, dos sultões turcos, e dos khans da Horda de Ouro dos mongóis, que ainda governavam o sul e o leste da Rússia. Além disso, interessava-se profundamente pela história da religião russa e pela Bíblia, da qual decorou longas passagens". (BUTSON, 1988, p. 11).

No ano de 1543, Ivan com seus 13 anos de idade, indignado com as humilhações e privações impostas pelos Chuisky os quais engordavam suas riquezas enquanto mantinham o povo na miséria e desmantelavam a estrutura administrativa e política que seu pai e avô haviam forjado, decidiu agir. Ivan reuniu os servos mais fiéis a ele, e ordenou que prendessem Andrei Chuisky o patriarca da família, o qual atuava como regente de Moscóvia. Os servos atenderam a ordem de seu pequeno soberano, e aprisionaram Andrei. Ivan ordenou que Andrei fosse jogado no canil e os cães o mataram (os canis costumavam treinar os cães para a caça ou briga, daí sua voracidade). O corpo dilacerado de Andrei fora jogado no campo onde se queimava os corpos dos criminosos que eram executados. Ivan tratara Andrei como um criminoso do mesmo tipo.

Alguns historiadores apontam que talvez tenha sido neste momento que ele recebera a alcunha de Groziny, variação da palavra groza que significa trovão, que traduzido significaria "Tempestuoso", "Temível", mas comumente passou a designar "Terrível". Os Chuisky haviam criado um monstro, e agora o monstro se rebelava contra eles. Ivan, o Terrível nascia. 


"Ninguém pode descrever ou relatar todas as coisas diabólicas que fiz durante minha juventude". 
Ivan, o Terrível

O primeiro Czar

Com a morte de Andrei Chuisky os boiardos ficaram assustados e surpresos com a atitude daquele garoto de 13 anos. Ivan estava decidido em assumir o governo, assim ordenou que sua família que havia sido afastada dele e de seu irmão, fosse reaproximada, baniu ou decretou punições ou execuções a servos que lhe maltrataram. Ordenou o exílio ou afastamento de cargo, de alguns oficiais e boiardos. Ivan organizava oficialmente sua subida ao trono moscovita, e embora ainda fosse menor de idade, isso não era visto como um empecilho para ele. Ivan, passou os dois anos seguintes preparando sua coroação.

Como sendo um grande admirador da cultura grega, romana e bizantina. Ivan tivera a ideia de levar mais adiante uma ideia iniciada por seu pai, o qual pretendera tornar Moscou a nova capital do cristianismo oriental, mas neste caso, Ivan pretendia ir mais longe, ele pretendia tornar Moscou uma "nova Roma", a "Terceira Roma". Em 330, o imperador romano Constantino, o Grande fundara a cidade de Nova Roma, posteriormente a rebatizou de Constantinopla, no entanto, a alcunha de "Segunda Roma" ainda se mantivera. Logo, Ivan queria fazer o mesmo com Moscou, e ao mesmo tempo, tornar a Rússia como uma nação do legado das culturas e dos impérios romanos e bizantinos. Para isso, ele tomou algumas decisões.

A avó materna de Ivan havia sido uma princesa bizantina, logo, Ivan possuía ligação com os bizantinos. Ivan passou a adotar como símbolo real, a águia de duas cabeças, um símbolo usado pelos imperadores (basileus) bizantinos. Ele também adotara a coroa Monomak, antiga coroa utilizada pelos governantes russos desde a época de Rurik, considerado fundador de Rus (antigo nome da Rússia). Com tais simbologias, Ivan passava a encarnar o legado romano e bizantino, e ao mesmo tempo se mostrava como soberano legítimo da própria Rússia, devido a associação feita a Rurik. No entanto, ele não parou por aí.


A águia de duas cabeças era um símbolo utilizado por alguns imperadores bizantinos. Ivan, o Terrível adotou o símbolo como brasão de sua Casa, como forma de fazer uma relação com o Império Bizantino, de forma a representar Moscou como o legado dos romanos e bizantinos. O símbolo também fora utilizado posteriormente por outros Estados, líderes e Ordens. 
 Czar Ivan IV, o Terrível
Ivan não pretendia se tornar apenas o Grão-duque de Moscou e de Vladimir, ele pretendia se tornar imperador de todas as Rússias. Para isso, Ivan decidira adotar o título de czar (ou tsar), palavra russa que refere-se a césar. Embora Caio Júlio César (100-44 a.C) nunca tenha sido imperador, seu sobrinho-neto, Otaviano, quando se proclamou imperador de Roma, adotara o nome de César Augusto, em homenagem ao seu tio-avô. Assim, alguns imperadores romanos e bizantinos adotavam o título de césar para se referir ao imperador. No Sacro Império Romano Germânico no que hoje é a Alemanha, alguns imperadores adotaram o título de kaiser, em referência a césar. Ivan enviou uma carta ao Patriarca de Constantinopla, chefe maior da Igreja Católica Ortodoxa, para reconhecer oficialmente o seu reinado e sua soberania como czar da Rússia e dos cristãos, no entanto, o patriarca só iria responder a carta anos depois, porém, Ivan não esperou isso para se coroar. Em 16 de janeiro de 1547, num dia de inverno, Ivan IV era coroado oficialmente czar da Rússia aos 16 anos de idade. Após sua coroação, Ivan IV fizera um discurso, e em meio a este dissera o seguinte:

"Perdi meus pais muito cedo... Os boiardos não se preocuparam comigo, pois queriam ser eles mesmos os governantes. Em meu nome enviaram ofícios e se enriqueceram com injustiças e opressão ao povo (...). Vocês, boiardos, fizeram o que quiseram, tolos rebeldes e injustos juízes vocês foram! O que podem me responder hoje? Que lágrimas vocês derramaram pelos outros, quanto sangue vocês verteram? Não tenho culpa por todo esse sangue. Mas, quanto a vocês, um terrível julgamento dos Céus os aguarda". (BUTSON, 1988, p. 13).


Czarina Anastasia Romanova
Ainda no mesmo ano, ele tratou de organizar seu casamento. Como era de costume entre os boiardos, as filhas dos nobres eram enviadas para a cidade do pretendente para serem avaliadas por médicos e as mulheres da família do noivo, para que os mesmos conferissem se a garota era virgem, se não possuía algum problema de saúde ou deficiência física e mental; as senhoras da corte avaliavam a educação da garota, se a mesma sabia costurar, ler, escrever, se era uma boa mulher, fina e de respeito, se era uma boa cristã, etc. Ivan incumbira sua avó materna, a princesa bizantina Anna Glinskaya para coordenar os assuntos ligados a escolha da noiva, chamado de Smotriny. Várias candidatas se dirigiram ao Kremlin de Moscou, mas finalmente uma agradou o jovem garoto, seu nome era Anastasia Romanova (1530-1560). A bela e educada Anastasia da importante família dos Romanov que nos séculos seguintes se tornariam a Família Real russa, era uma mulher que realmente entendia e confortava o gênio tempestuoso de Ivan. Quando a mesma faleceu, Ivan quase enlouqueceu de desgosto. 

O início do reinado: os anos bons (1546-1560)

Quatro meses após o seu casamento, um terrível incêndio tomou a cidade de Moscou. Pelo fato da maioria das construções serem feitas de madeira, o fogo se espalhou rápido, mas no final fora contido, mas o problema fora que os inimigos do czar semearam a discórdia e desconfiança entre os moscovistas. Os russos naquele tempo eram muito supersticiosos, logo, espalhou-se o boato de que o incêndio havia sido causado por bruxaria, e os responsáveis eram Anna Glinskaya, avó do czar, e Yuri Glinsky, um tio do czar. 

A turba revoltosa fora incentivada a perseguir e atacar os supostos responsáveis pelo incêndio. A multidão derrubou os portões do Kremlin e perseguiram Yuri Glinsky, o qual tentou se refugiar na Catedral de Uspensky, mas fora alcançado pela multidão e executado sobre as escadarias. Então o povo se dirigiu em direção ao palácio na Colina do Pardal, atrás da avó do czar, mas Ivan sabendo da morte do tio, ordenou que a guarda revida-se e ataca-se a população. A multidão fora contida e expulsa, então Ivan ordenou que alguns dos responsáveis pelos ataques, fossem enforcados na Praça Vermelha. Ivan naquele mesmo mês deixou a cidade, partindo em peregrinação para visitar os locais santos da Rússia. Embora tenha ordenado a execução e assistido as execuções, ele pediu que o arcebispo Felipe de Moscou, realiza-se missas pelas almas daqueles que foram executados. 

"Embora muitas execuções e atos perversos tenham ocorrido exatamente na primeira fase de seu mandato, sob muitos aspectos o jovem Ivan não era mais severo que outros governantes de seu tempo: o rei Henrique VIII da Inglaterra, Catarina de Médici, da França, o sultão Suleiman, o Magnífico, do Império Otomano, e o rei Felipe II, da Espanha". (BUTSON, 1988, p. 19). 

Entre as propostas que Ivan tinha para o início de seu governo era revitalizar a política, a economia, a gestão e a sociedade russa. Ivan queria se aproximar mais da Europa, de reinos como Inglaterra e França, além disso, ele queria ampliar o comércio e as relações externas, porém um dos problemas para se levar à cabo esta missão era o fato de que a Rússia estava cercada por inimigo ou Estados neutros. Na parte europeia, o Reino da Suécia não queria que os russos acessassem o Mar Báltico, pois a ideia da Suécia era manter o controle exclusivo daquele mar, de forma a cobrar dos russos o acesso a este. O grande Reino da Polônia e Reino da Lituânia também não eram a favor da expansão russa, pois queria que o país se mantivesse atrasado e sujeito aos seus acordos comerciais e políticos. O Mar Negro, rota para para o Mar Mediterrâneo, era cercado pelas forças tártaras do Canato da Criméia, o qual contava com o apoio do Império Otomano. O sul e o leste da Rússia, eram governados pelos pequenos Canatos de Astrakan e Kazan, e o grande Canato da Horda de Ouro. Ambos os territórios foram originados no século XIII, durante as conquistas mongóis de Genghis Khan

Assim, Ivan via um duplo problema. Três Estados europeus queriam bloqueá-lo, e os Canatos tártaros que eram de fé islâmica eram seus inimigos mortais, pois durante o verão e a primavera, os tártaros destes canatos costumavam invadir os Estados russos para saquear, destruir, matar, sequestrar e escravizar. Ivan, iria planejar um ataque para se conquistar Astrakan e Kazan anos depois.

Em 1547 ele enviou embaixadores para a Europa ocidental, a fim de recrutar professores, especialistas, filósofos, pesquisadores, militares, etc., para que se mudassem para Moscou e passassem a lecionar e a trabalharem ali, de forma a modernizar a educação do país e suas técnicas e tecnologias. Ivan estava interessado em conhecer as últimas novidades ligadas ao comércio e as leis comerciais europeias, como também a respeito da política de Estado, engenharia, arquitetura, filosofia, "ciências", assim como fundar fábricas de armas no país, pois ele planejava declarar guerra aos seus inimigos. Ivan pretendia tornar a Rússia uma nação europeia, e não mais asiática. 

Por volta desta época ele criou o Conselho Eleito, uma espécie de conselho real, que contava entre os membros, a czarina Anastasia, Aleksei Adashev que era escrivão, mas futuramente se tornaria general; o arcebispo Makary e o padre Silvester


Ivan III, o Grande
Em 1550 o Conselho Eleito sugeriu o czar convocar uma grande reunião, reunindo os principais boiardos, clérigos e representantes do povo. Tal conselho era chamado de Zemsky Sobor (Assembleia da Nação). O último Zemsky Sobor, havia sido convocado durante o reinado de seu avô, Ivan III. Na época, o grão-duque deliberou acerca de declarar guerra contra Novgorod. No caso de Ivan IV, a proposta era se debater reformas estatais. Uma das que Ivan empregou na época fora a revisão do Sudebnik, um código de leis criado no governo de seu avô, o qual estava desatualizado. Ivan também ordenou que alguns funcionários públicos fossem demitidos por causa de suam incompetência e má gestão; alegando que o atraso da nação se dava pela falta de competência e a corrupção dos seus gestores. Alguns foram presos e executados; elegeu pessoalmente novos juízes e outros cargos; confiscou terras de boiardos que ele ordenou que fossem presos, ordenou a construção de casas, estradas, reformas na economia, nas leis sociais, etc. 

"Durante dois anos, o czar empenhou-se profundamente em melhorar a vida para os russos de nível médio e em estabelecer ordem na economia do Estado. Além disso, a partir de 1551, dedicou atenção especial à reforma da Igreja Ortodoxa, que ficou conhecida como Stoglav, ou Conselho dos Cem Cônegos". (BUTSON, 1988, p. 22-23).

Ivan restringiu o direito da Igreja de adquirir novas terras, isso só poderia ser feito sob a autorização do czar. Limitou a autoridade dos boiardos sobre alguns assuntos estatais; deu maior liberdade para o povo escolher seus representantes tributários e judiciais; escolher a forma de como tributos seriam pagos e os dias das coletas. Reformou o exército russo, até então indisciplinado e mal equipado, criando novos grupos de infantaria, artilharia e engenheiros. O que os boiardos corruptos haviam destruído e desmantelado durante os anos que ele ainda era criança, Ivan tratou de resolver isso em pouco anos, trazendo de volta a ordem e a prosperidade para a Rússia. 

Ainda no ano de 1500 ele sofreu de uma grave doença que o ameaçou de morte, Ivan temendo que fosse seu fim, convocou os boiardos, o clero e povo para que jurassem reconhecer Dimitri, seu filho que havia nascido ainda naquele ano, como seu legítimo herdeiro. Alguns boiardos negaram-se a atender o pedido do enfermo czar, e isso irou ainda mais Ivan, pois ele temia que em caso dele morresse, sua esposa e filho teriam o mesmo destino que ele tivera com o irmão e a mãe. No entanto, Ivan conseguiu se recuperar da enfermidade, e passou a ficar mais cauteloso acerca dos boiardos. 

Em 1552 o Zemsky Sobor antes de ser suspenso (pois a assembleia não era efetiva, mas sim temporária), aprovou a solicitação do czar em se declarar guerra aos tártaros, que causam pânico e destruição em suas terras. Logo, Ivan organizou os preparativos para a conquista de Kazan, pois conquistá-lo significaria por fim as ameaças dos tártaros e retomar o controle do rio Volga, uma das principais rotas fluviais da Rússia. 

O Canato de Kazan em 1500. O Canato existiu de 1483 a 1552.
Ivan designou um exército de 100 mil homens e 150 canhões para conquistar Kazan, a tropa partira no final de 1552, porém, os tártaros da Crimeia sabendo que o czar havia deixado Moscou decidiram atacar a região, mas os mesmos foram detidos na cidade de Tula, onde Ivan tivera que retornar com seu exército para proteger a cidade. Com a derrota dos tártaros da Crimeia, Ivan retornou com o exército a seguir viagem em direção a Kazan, localizado a leste de Moscóvia. 

Naquela época, o Canato estava bem reduzido, e já não lembrava o que um dia chegara a ser em seu auge no ano de 1500. O exército inimigo contava com cerca de 30 mil homens, inicialmente o czar propôs um acordo de rendição, mas os tártaros negaram, então os generais russos aconselharam cavar-se buracos sob as muralhas, para lá depositar-se barris de pólvora, a fim de se explodir a muralha. O plano deu certo e o ataque fora iniciado, mesmo assim a luta demorou vários dias. Andrei Kurbsky fora um dos generais desta campanha, o qual se destacou na batalha. Depois de dias de terrível luta e derramamento de sangue, os sobreviventes em um ato de desespero incendiaram a cidade, a fim de matar os russos ou levá-los a recuar, mas Ivan ordenou que os insurgentes fossem todos massacrados. Kazan sucumbira a fogo, ferro e pólvora.

Ivan IV aos seus 22 anos retornava triunfante para Moscou tendo derrotado com sucesso os tártaros de Kazan. As celebrações e homenagens seguiram por alguns dias, onde o czar celebrou missas e banquetes, e realizou eufórico discursos que motivavam a população (Ivan era conhecido por ser um bom orador); inaugurou três torres comemorativas, e ordenou a construção de uma nova catedral fora das muralhas do Kremlin. A catedral seria inaugurada em 1560, tornado-se um símbolo de Moscou e da Rússia, a Catedral de São Basílio.

A bela Catedral de São Basílio em Moscou nos dias de hoje. A catedral fora fundada pelo czar Ivan, o Terrível para comemorar sua vitória sobre os tártaros do Canato de Kazan. Tornando-se uma das mais icônicas construções de Moscou e do mundo, por causa de sua arquitetura ímpar. 
"Foi construída em madeira, e ostenta uma série de torres octogonais, oito cúpulas com diferentes desenhos e onze campanários. Seu exuberante colorido externo, que inclui o azul, o dourado, o vermelho, o verde, e o púrpura, contrasta vivamente com o interior sombrio e misterioso de portas baixas, passagens estreitas, tortuosas, e escadas ingrimes. Entre as lendas a respeito de sua origem, inclui-se uma história tão incerta como espantosa: conta-se que, terminada a catedral, o czar ordenou que cegassem o arquiteto para que ele nunca mais pudesse duplicar a obra-prima da Praça Vermelha". (BUTSON, 1988, p. 28).

Todavia, a catedral só iria ser inaugurada ainda em 1560, neste meio tempo muita coisa aconteceu. Porém, antes de prosseguir, falarei um pouco mais acerca da Catedral de São Basílio. Como as obras só se encerraram em 1560, neste tempo, Ivan atacou o Canato de Astrakan como será comentado mais a frente, logo a catedral se tornou um símbolo para se celebrar a vitória do czar sobre os dois canatos, mas também um símbolo religioso comparável a Basílica de São Pedro em Roma e a Basílica de Santa Sófia em Constantinopla, logo, a Catedral de São Basílio, era vista pelos moscovitas como a "terceira grande igreja do mundo". A escolha do nome da catedral se dera por que São Basílio, o Bem-Aventurado (1469-1552) faleceu naquele ano. O mesmo fora canonizado, e durante seu funeral, o czar carregou o caixão do santo junto com outros bispos e padres. Atualmente o santo se encontra sepultado na catedral. 


Iconografia de São Basílio, o Bem-Aventurado na Catedral de São Basílio, Moscou. O santo fora um homem excêntrico: andava nu e carregava correntes presas em volta de seu corpo; atuava como pedinte ou até mesmo chegou a roubar para dar aos pobres. 
Na catedral existem mosaicos e iconografias retratando as campanhas militares de Ivan IV aos canatos de Kazan e Astrakan, como também posteriormente na história foram pintados outras imagens. No entanto, a própria fachada externa já é deslumbrante, pois as torres de cúpulas octogonais vistas de diferentes direções, aparenta a sensação que estamos vendo um prédio diferente, ao olharmos de cada lado. 

Em 1553, fora instalado no Kremlin a primeira tipografia do país, algo que assombrou a população a ponto de alguns pensarem que a imprensa fosse um tipo de bruxaria, pois era muito "surreal" para ser verdade. O primeiro livro impresso na Rússia fora uma hagiografia, A Vida de São BasílioIvan para evitar problemas como o visto em 1547, ordenou o fechamento da tipografia, a qual só voltaria a ser aberta em 1564. A tipografia tinha sido instalada a partir dos acordos que o czar fizera com os ingleses, pois neste ano, o embaixador inglês, Richard Chancellor estava em Moscou. 


No entanto, naquele ano, o filho primogênito do czar veio a falecer. O czareviche Dimitri, com apenas três ano morrera. Isso abalou profundamente o czar, porém para a graça da família, no ano seguinte sua esposa que já estava grávida, deu a luz a um segundo menino, batizado com o nome de Ivan. A atenção de Ivan da morte de Dimitri seria dividida entre o recém-nascido Ivan e os planos para se atacar Astrakan. Em 1556, o príncipe Andrei Kurbsky se dirigiu com seu exército em direção ao Mar Cáspio (embora seja chamado de mar, na realidade consiste num grande lago), onde ficava o território do Canato de Astrakan. Em poucos meses, Kurbsky conquistou a vitória dizimando os tártaros do pequeno Canato. 


 O Canato de Astrakan, 1466-1556. Em destaque a capital Xacitarxan. 
Com a conquista de Kazan e Astrakan, os russos agora tinham acesso ao rio Volga e acesso para o leste, em direção a Sibéria. Como também acesso ao Mar Cáspio e os portos que ali existiam da Horda de Ouro e do Império Otomano. No entanto isso não era bastante. Kurbsky estava bastante confiante com as vitórias e sugeriu o czar em se atacar o Canato da Crimeia  porém, o canato era poderoso e aliado dos otomanos. Mesmo assim, Ivan dera um voto de confiança ao príncipe o qual atravessou as estepes frias do que hoje é a Ucrânia para fazer guerras contra os tártaros da Crimeia  porém, como era esperado, os otomanos foram ajudar seus aliados, isso levou a derrota dos russos, e a fuga dos mesmos. 


Em verde a localização do Canato da Crimeia  Hoje a região pertence a Ucrânia. Conquistar a Crimeia era um importante ponto estratégico para se ter acesso ao Mar Negro. 
Mesmo com a derrota na Crimeia, Ivan IV não havia decidido parar as conquistas. Enquanto a exploração da Sibéria ainda caminhava lentamente, e o Estado estava em paz e organizado, Ivan, confiante com as vitórias sobre Kazan e Astrakan decidiu mudar sua atenção para o oeste em direção a Europa. Sua ideia era aproximar cada vez mais a Rússia da Inglaterra, para isso ele precisaria ter acesso ao oeste da Europa. Por via terrestre, os poloneses e lituanos se mostravam com empecilhos para suas metas, a solução encontrada pelo czar era se conquistar uma pequena região nas marge do Mar Báltico, para se ter acesso a uma rota marítima, tal região era o Ducado da Livônia


Antigo Ducado da Livônia. Hoje grande parte de suas terras compreendem a atual Estônia e parte da Letônia. 
A Livônia era um Estado governado pela Ordem Livoniana, uma ordem militar de origem germânica que passou a governar a região ainda na Idade Média. Embora estivesse associada ao Sacro Império Romano Germânico, a Livônia era um Estado pequeno e fraco, e Ivan pretendia conquistá-la, pois essa seria sua porta de entrada para o Mar Báltico. 


"Ivan sabia que a Livônia era um Estado fraco, e embora seus conselheiros mais próximos, o padre Silvester e Adashev, tenham se manifestado contra aquela campanha, o czar a levou-a em frente o mais rápido possível". (BUTSON, 1988, p. 34).

A conquista da Livônia se mostraria uma ideia traiçoeira. A guerra contra a Livônia iniciou-se em 1558, contando com grande êxito russo, o qual ocupara as principais cidades do país e expulsara a Ordem Livoniana da região. Porém, os livonianos foram recorrer a ajuda dos suecos e dos poloneses, logo, Gotthard Kettler, líder da Ordem Livoniana firmou um acordo com o rei da Polônia e Lituânia, Sigismundo Augusto, onde em troca da ajuda do rei, o duque Kettler oferecia se tornaria vassalo da Polônia. O rei aceitou a proposta e passou a ajudar os livonianos. A guerra que parecia acabar rápido, iria se prolongar por quase vinte anos, pois em 1560, um acontecimento trágico levaria o czar deixar de lado a atenção no conflito, e entrar em profunda depressão, e depois ressurgiria com uma frenética paranoia.

A morte da czarina Anastasia: O início da paranoia (1560-1564) 

Já se dissera que quando se perde um grande e verdadeiro amor, parte de sua vida morre com ele. Isso de certa forma aconteceu com Ivan IV no ano de 1560. No ano anterior uma viagem de visita as igrejas do país, a czarina Anastasia a qual havia dado a luz ao terceiro filho, Fyodor (Fyodor fora o último filho do casal, pois Anastasia e Ivan também tiveram três filhas: Anna, Maria e Evodokia, mas as mesmas morreram prematuramente), o qual nascera com uma deficiência mental, depois de uma difícil gestação em 1558, estava um tanto abalada pelo filho que nascera com problemas de saúde (a deficiência mental só seria descoberta anos depois). No ano de 1559, a Anastasia adoecera, ficou alguns dias muito mal; tendo recuperado-se um pouco da enfermidade, Ivan decidiu retornar para Moscou, a fim de tratar melhor da esposa, porém um novo incêndio atingira a cidade, assim o czar se dirigiu para a cidade vizinha de Kolomenskoye. Lá a czarina Anastasia voltou a ser tratada, porém como os médicos não sabiam ao certo qual era a sua doença, não sabiam o que fazer para tratá-la. Em 7 de agosto ela veio a falecer. O czar em desespero quase chegou a surtar naquele momento. Ele alegara que sua esposa havia sido envenenada, e começou a acusar para todos os lados os possíveis culpados, os quais muitos eram boiardos e o que incluiu seu amigo e conselheiro Adashev. 

Os relatos contam que no funeral da czarina, Ivan estava quase caído no chão, em profundo lamento e pranto; alguns viajantes que estavam na ocasião, disseram que nunca haviam visto um homem chorar daquela maneira. O czar entrara no primeiro momento em uma profunda depressão: não se alimentava direito, vivia chorando, afastou os filhos e filhas, os enviando para outro palácio; mandou dar os pertences da esposa, pois isso aumentava o ressentimento pela sua morte. O czar também passou a querer ficar mais tempo sozinho, isolado. 


Maria Temryukovna
Passado estre primeiro momento, ele começou a perseguir os supostos assassinos de sua esposa, ordenando que alguns boiardos que ele considerava terem sido os responsáveis, fossem presos, torturados e executados. Ivan estava sedento por justiça, embora, estivesse sendo guiado pela ira, pela vingança. Após a morte da mulher, Ivan em alguns aspectos mudou radicalmente seu temperamento, nem fizera um ano de viúvo, e ele se casou com uma tártara chamada Kucernej (c.1544-1569), a qual era muçulmana, mas converteu-se ao cristianismo para poder casar, passando a adotar o nome de Maria Temryukovna. A proposta do casamento era mais por interesse político, pois depois da morte de Anastasia, Ivan se casaria mais sete vezes. Alguns acreditaram que após o novo casamento, o czar começaria a melhorar seu humor e deixar a depressão causada pela perda de Anastasia, mas a paranoia só iria aumentar. 

Ivan segurando o cetro real e o orbis real
Ivan além de ter ordenado a execução dos supostos assassinos de sua esposa, passou a se desentender com seus Conselho Eleito e os demais nobres, pois o czar pretendia prosseguir com a guerra na Livônia a qual começara se frustrar após o apoio polonês dado aos livonianos. Muitos boiardos eram contrários a continuação da guerra, mas Ivan passou a não lhes dar ouvidos, e ordenou a continuação da guerra. O arcebispo Silvester um de seus principais conselheiros e opositor a guerra livoniana, fora enviado para exílio, onde passou o resto da vida. Adashev o segundo conselheiro a quem Ivan dera mais ouvido, fora preso sob ordens do czar, e depois executado na prisão. Ivan acreditava que Adashev era o verdadeiro culpado pela morte de sua esposa (não existem provas que confirmem isso, mas sabe-se que de fato Anastasia fora envenenada, como atestara exames feitos no século XX). 

"Não havia mais governo do Conselho Eleito. Em tudo e em todos os que o rodeavam, Ivan via deslealdade e ameaças. Temia que os boiardos estivessem tramando contra ele e apoiando algum pretenso sucessor. Voltou-se contra os membros do conselho assim como se voltara contra os próprios amigos e parentes, mandando executar todo aquele que o criticava". (BUTSEN, 1988, p. 38).

Uma das pessoas que se afastara do czar fora seu antigo conselheiro e general Andrei Kurbsky o qual fugiu e se exilou na Livônia. Kurbsky chegou a tramar um golpe de Estado para depor o czar, mas vendo que não daria certo preferiu o exílio. Ivan quando soube da sua fuga, o amaldiçoou e condenou com traidor, dizendo que se volta-se a Moscou seria morto. Kurbsky nos anos seguintes passaria a se corresponder com Ivan, tentando fazê-lo mudar de opinião e voltar a ser o bom homem que era antes. Embora o czar respondesse as cartas, negou-se a acreditar nas palavras daquele traidor, como ele passara ver o príncipe Andrei Kurbsky. 

Em 1562, Yuri o irmão do czar falecera. No ano seguinte fora a vez do arcebispo Makary, um dos poucos homens ainda que o czar confiava. Com a morte de ambos, a paranoia de Ivan voltou a crescer e ele começou cada vez mais a ficar descrente do restante da corte, discutindo e tendo acessos de fúria com mais frequência. Em dezembro de 1564, ele ordenou que alguns trenós fossem trazidos para a entrada do palácio, pediu que tesouros, roupas, livros e outros pertences fossem colocados nos trenós, então em companhia de seus dois filhos e de sua esposa, ele partiu em companhia de alguns servos, na calada da noite.

No dia seguinte, a corte perguntando acerca de onde estava o czar e a família real, fora informada que os mesmos haviam deixado o Kremlin. Isso tomou todos de medo, o czar havia sumido. Logo, a notícia se espalhou pela cidade e as pessoas começaram a ficar apreensivas, pois embora Ivan estivesse paranoico, ele havia sido um bom governante, havia gente que gostava dele, e além do mais, o imperador tendo sumido assim, era visto como um mau presságio, seria um golpe de Estado?

Posteriormente o czar enviou duas cartas para Moscou, endereçadas ao arcebispo Afanásio, sucessor de Makary. Na primeira carta, Ivan criticava a falta de apoio e de lealdade dos boiardos e do clero, os acusando de conspirações, de falsidade e comungarem para derrubá-lo do poder. Na segunda carta, ele dizia que iria abdicar, pois não confiava em seus súditos. A carta do czar fora lida em publicamente na Praça Vermelha a pedido do próprio, pois o mesmo dissera que não tinha nada a esconder de seu povo. 

"O povo, assustado com a decisão do czar, procurou os principais representantes do clero para que tentassem dissuadi-lo de seus propósitos. E queriam também que seus intermediários lhe assegurassem que todos estavam dispostos a se levantar contra seus inimigos e destruí-los. Pediram ainda aos bispos para que implorassem pela volta do czar, e lhe garantissem que poderia governar como achasse melhor: Munido de tais argumentos, o arcebispo Afanásio parti para Alexandrova Sloboda à frente de um cortejo solene: monges e padres carregando velas acesas, cruzes e imagens; depois vinham os boiardos com sues chapéus altos e metidos em suntuosos caftans, os longos e pesados robes usados pela nobreza; finalmente centenas de cidadãos comuns o seguiam". (BUTSON, 1988, p. 43). 

A multidão reuniu-se com o czar e clamou por sua volta. Dias depois ele deu sua condição para não abdicar do governo. Exigia que passa-se a ter poder total sobre o Estado, e que teria liberdade de agir assim como determina-se melhor, sem ser questionado ou criticado por suas ações. Para completar cobrou que a despesa que ele tivera em Alexandrova Sloboda, fosse paga pelos boiardos. A contra gosto dos boiardos e do clero, todos concordaram com os pedidos do czar. Ivan havia sido neste caso sagaz, ele sabia que possuía certo prestígio por parte do povo, e sabia que o governo russo estava razoavelmente equilibrado, sua abdicação fora um blefe bem dado, para conseguir o que ele queria: a autoridade absoluta. Ivan IV passaria a ser um soberano absoluto, assim como Luís XIV viria a ser na França e outros monarcas também nas décadas seguintes. Porém, o retorno do czar traria um preço amargo para o povo, o período de terror estava por começar.

A Opritchnina: o Estado de terror (1565-1572)

O retorno do czar ao poder fora violento e funesto. Imediatamente ele ordenou que alguns boiardos que ele suspeitava serem contra sua política fossem presos, torturados e executados. Os condenados eram enforcados, decapitados, espancados até a morte, empalados, afogados e queimados. Ivan IV expediu um decreto que criava um "Estado dentro do Estado" a Opritchnina (palavra derivada de opritch que significa "à parte de"), uma divisão especial do Estado russo que possuía seus próprios funcionários, os opritchniks, os quais atuavam como policiais, soldados, confiscadores, funcionários públicos, espiões, assassinos e torturadores. Os opritchniks chamados por alguns como "polícia especial" ou "polícia secreta", executavam as loucuras e paranoias decretadas pelo czar. Eles impunham uma forte censura e perseguição a todos que o czar declarasse ser seu inimigo e inimigo da Coroa. 

O restante do Estado passou a ser chamado de Zemchtchina (palavra derivada de zemch, que significa terra). Em termos mais simples, o czar era o soberano de tudo e todos, porém ele passou a dar maior atenção neste período as questões ligadas a Opritchnina, relegando os boiardos a administração das outras questões políticas e públicas ligadas a Zemchtchina. De fato, nestes anos de opressão, a maior preocupação do czar fora caçar seus inimigos e traidores da Coroa. 

"Com a criação da opritchnina, Ivan deu início a uma ampla reorganização da sociedade russa movida sobretudo pelo rancor. O peso de sua mão se abateu logo de início sobre os amigos e associados do príncipe Kurbsky; depois Ivan começou a executar impiedosamente todos aqueles que se opusessem à sua vontade". (BUTSON, 1988, p. 45).

Ivan ordenou que os boiardos que ele considerava serem traidores fossem capturados, torturados e executados, no entanto, sua fúria não caiu apenas sobre este homens, ele também ordenou que toda a família deste paga-se o preço. Mulheres, crianças e idosos foram massacrados, até mesmo os servos destas famílias foram também mortos. As propriedades foram saqueadas pelos  opritchniks, e as terras foram confiscadas pela Coroa, e dada a membros leais ao czar. Em outros casos, Ivan não fora tão terrível assim, e ao invés de ordenar a morte de alguns boiardos, suas famílias e servos, ele confiscou suas terras e os baniu para áreas remotas do país, a fim de povoá-las. Pois a Sibéria ainda estava sendo explorada nesta época e o norte da Rússia era pouco povoado. 

Os opritchniks em muitos casos seguiam cegamente as ordens do czar e outros cometiam verdadeiras barbaridades, algo que o czar não chegava a criticar, desde que o trabalho fosse completo. Sabe-se que alguns dos optrchniks foram convocados entre os militares, cidadãos comuns e até mesmo entre criminosos, os quais se passassem a obedecerem as ordens do czar seriam perdoados de seus crimes. Os optrichniks vestiam-se de preto ou usavam capas pretas, e tinham como símbolo uma vassoura e um cachorro, pois isso simbolizava que eles tinham o dever de "farejar e varrer a corrupção". De fato, quando os optrichniks seguiam para suas missões, havia uma vassoura amarrada na sela de seu cavalo e a cabeça de um cachorro pendurada. 


A vassoura e o cachorro eram os símbolos dos optrichniks, os agentes especiais do czar para executar suas ordens durante o Estado de terror da Opritchnina (1565-1572).
Nem todos os optrichniks eram violentos, alguns trabalhavam no Kremlin cuidando de questões políticas e de administração, mas aqueles que iam executar as prisões, confiscos e assassinatos, agiam com grande selvageria. Os optrichniks, carregavam chicotes consigo; podiam queimar casas e lojas, roubar, torturar e até mesmo cometiam estupros. Relatos apontam que as mulheres eram divididas entre o grupo para serem violentadas. E as execuções eram terríveis e a sangue frio. A paranoia do czar criou um grupo leal de servos. 

"Juro ser leal ao czar e ao seu império, ao jovem czaréviche e à czarina e revelar tudo o que souber ou que vier a saber sobre qualquer empreendimento dirigido contra eles por qualquer pessoa ou grupo. Juro negar minha família e esquecer meu pai e minha mãe". (Juramento dos optrichniks). (BUTSON, 1988, p. 45). 


 Optrichniks. Pintado por Nikolai Nevrev, c. 1870.
Ivan se mudou para a cidade de Alexandrova Sloboda onde viveria até 1575. A cidade se tornou sede de seu governo e da Opritchnina. Além disso, ele se afastou cada vez mais da família, o que incluía os dois filhos e a esposa. Vivia cercado pelos optrchniks, tramando as próprias ações. De fato, alguns destes agiam como guardas-costas do czar e até mesmo seus conselheiros. 

O comportamento do czar mudou radicalmente como atesta os relatos da época e posteriormente de seus biógrafos. Enquanto casado com Anastasia, Ivan era um bom marido, pai, governante e um homem devoto. Porém, durante a Optrichnina, isso mudou consideravelmente. Os relatos de membros da corte e de viajantes da época, contam que o czar passara a ter um olhar sombrio e frio, se vestia como um monge, usando vestes negras; ainda pregava discursos religiosos, mas passou a assistir orgias e até mesmo a participar de algumas destas; a se entregar a bebedeira, a assistir sessões de tortura e até mesmo a torturar os prisioneiros.

"Houve um tempo que Ivan participava pessoalmente, ao lado de sua polícia sádica, da tortura de prisioneiros, para em seguida correr ao convento mais próximo, onde batia a cabeça no chão, implorando o perdão divino". (BUTSON, 1988, p. 46). 

Em 1566, o Afanásio adoeceu e se retirou para um mosteiro. Felipe fora eleito como novo Arcebispo de Moscou, mas o mesmo se mostrava contra as ações terríveis do czar, chegando a interceder para salvar prisioneiros e implorava o czar que deixa-se de cometer aquelas atrocidades. Em 1568, Ivan se desentendeu com o arcebispo, quando este em visita a Catedral de Uspnsky, o arcebispo não o abençoou como de costume, tendo respondido: "Não reconheço o czar ortodoxo nessas vestimentas estranhas, assim como não o reconheço nas ações de seu governo. (...) Tema o julgamento de Deus, ó czar!". (BUTSON, 1988, p. 47).

Alguns meses depois, Felipe fora deposto de seu cargo e enviado para uma prisão onde fora cruelmente torturado até ser executado no ano seguinte. O período de terror avançava cada vez mais de forma sangrenta e o ano de 1570 seria o ápice de toda essa crueldade e violência. Naquele ano, boatos chegaram ao czar dizendo que a população da cidade de Novgorod, localizada a cerca de 480 quilômetros a norte de Moscou, estava planejando sabotar a guerra na Livônia, e os mesmos estavam de complô com os poloneses, tramando um possível golpe de Estado. Ivan não perdeu tempo para reagir. Ordenou que o exército fosse reunido e partiu em marcha para Novgorod, punir os traidores. 


O hábito preto de Ivan 
A cidade não fora atacada como de costume, mas fora destruída em partes. Ivan ordenou que os mosteiros e igrejas fossem invadidos e os clérigos mantidos em cativeiro. O arcebispo da cidade, o senhor Pimen recusou a abençoar o czar e realizar uma missa para este, então Ivan ordenou que o mesmo fosse espancado e torturado e humilhado publicamente e a Catedral de Santa Sofia fosse saqueada. Depois disso ordenou que alguns clérigos fossem executados, que comerciantes fossem presos e os boiardos com suas famílias fossem torturados publicamente, com chicotadas e ferro em brasa. Parte dos prisioneiros foram levados até o rio Volkhov e foram afogados, o que incluiu mulheres e crianças, as quais foram amarradas uma nas outras, e jogadas nas frias águas do Volkhov. Não se sabe ao certo quantas pessoas morreram em Novgorod durante as cinco semanas que o czar e seu exército permanecera na cidade. Alguns dados apontam que 60 mil fora o número de mortos, outros sugerem de 20 a 30 mil mortos. Mesmo assim, fora um massacre enorme, que destruíra quase a cidade por completo, pois construções foram queimadas. 

Ainda em 1570 tendo retornado para Alexandrova Sloboda, Ivan começou a ordenar a prisão de alguns dos próprios optrchniks. Não se sabe ao certo os motivos porque de uma hora para outra o czar mudou de ideia acerca de sua polícia especial, e começou a ordenar a prisão e execução de parte destes. Ainda naquele ano os tártaros da Crimeia que haviam em 1569 atacado a região russa que antes era Astrakan se dirigiram para Moscou. Ivan reuniu a família e fugiu para a cidade de Troitsky, mas depois fugiu para uma outra cidade mais longe. Grande parte do exército russo se encontrava lutando na Livônia e na Lituânia, sem chances de sucesso; os optrchniks estavam sendo executados, e o povo estava sem segurança. Moscou fora incendiada, saqueada e parte da população fora levada como prisoneira. 

O governo de Ivan IV estava em decadência e sua moral baixa. Em 1572 Ivan decretou o fim da Oprtichnina e decidiu recuperar o país que estava decadente. A guerra na Livônia se tornara um fiasco, a tentativa de se atacar a Lituânia que resultou em êxito no início mingou amargamente, pois em 1569, a Lituânia fez um pacto, se unindo a Polônia. O Canato da Crimeia ainda continuava a ameaçar Moscou; a censura e a violência imposta durante os anos da Oprtichnina afastaram os boiardos, o clero e a população do czar, como também levou a uma grande pobreza, pois alguns camponeses para fugirem dos abusivos impostos e da violência, se mudaram para áreas distantes ou deixaram o país. A fé no czar estava abalada e ele mesmo estava desacreditado de si, a Rússia precisava se reerguer da própria queda gerada pelo czar.

A recuperação de um Estado: novos problemas (1572-1582)


Rei Sigismundo II da Polônia 
Em 1572 o rei da Polônia e da Lituânia Sigismundo Augusto II veio a falecer. Um dos maiores opositores da política expansionista de Ivan havia morrido, e isso se tornou uma oportunidade para o czar, pois Sigismundo II só tivera uma filha em seu último casamento e a mesma ainda era uma criança. Logo, Ivan se lançou como candidato ao trono polonês. De fato, parte da elite russa e polonesa apoiava a reivindicação do imperador da Rússia aos tronos da Polônia e da Lituânia também, pois se tornara uma nação-unida. No entanto, o czar cobrou algumas exigências um tanto complicadas. Ele queria ser coroado de forma independente como rei de Moscou, da Polônia e da Lituânia, assim como reivindicou que a Livônia se torna-se território russo e também Kiev (hoje capital da Ucrânia) na época sob o domínio polonês. Além disso, grande parte da população polonesa era católica romana e não aceitava que o czar fosse coroado como rei ortodoxo da Polônia. Porém, o basta veio com as nações que não queriam que Ivan se torna-se soberano destas terras.

França, Suécia, Áustria e Turquia se uniram para votar contra o czar e convenceram o Parlamento dos Nobres da Polônia a excluir Ivan IV como candidato ao trono, e isso veio a acontecer de fato. Ivan fora renegado a disputa ao trono polonês, e em seu lugar fora eleito o príncipe francês Henrique de Valois, o qual em 1574 abdicou do trono polonês, pois seu irmão, Carlox IX, rei da França havia falecido, então Henrique fora assumi o seu lugar. No entanto, Ivan não fora cogitado para assumir o trono, o Parlamento dos Nobres, nomeara Estêvão Báthory, um príncipe húngaro para assumir o trono polonês. 


Ivan, o Terrível em uma pintura de 1912
Ivan procurando uma solução para este "bloqueio" que a Polônia, Lituânia, França e Suécia faziam em relação a Rússia, tentou firmar um novo acordo de cooperação com a Inglaterra, tendo escrito uma carta para a rainha Elizabeth I, propondo uma nova aliança entre os reinos e até mesmo a pediu em casamento, mas a rainha recusou o pedido e sugeriu que Ivan se casa-se com uma parente dela, mas o czar rejeitou a proposta. Mesmo assim, os ingleses e depois os holandeses ainda manteriam acordos econômicos com a Rússia. Os gastos com a guerra, a pilhagem de Moscou, o medo e revolta do povo acerca das atrocidades cometidas durante a Optrichnina eram problemas que o czar vivenciava diariamente durante aquela década, somando-se a isso, ele voltou a entrar em um estado depressivo e melancólico. Ele relata este seu estado em algumas das cartas e diários que escreveu, assinalando que se sentia fraco, deprimido, doente física e mentalmente. Ivan cogitou abdicar do trono e partir em exílio para a Inglaterra, mas seus filhos que já estavam crescidos na época sugeriram o pai de desistir desta ideia. O lugar dele era em seu reino e necessitava dele agora para se recuperar dos problemas que as suas ações desmedidas geraram. 

Outro problema que assolou a vida pessoal do czar fora a morte de suas esposas e o desentendimento com estas.


Vassilisa Melentieva
"De fato. Depois de Anastásia, Ivan nunca mais encontrou conforto para seus problemas em sua vida particular. Fez diversos casamentos na década de 1570: após a morte de Maria Temriukovna em 1569, casou-se, com Maria Sobakina, filha de um comerciante de Tven, m 1571, mas ela morreu duas semanas depois. Nessa época, o segundo filho de Ivan, nascido de seu casamento com Anastásia, seu herdeiro czaréviche Ivan, também procurava por uma noiva. Pai e filho casaram-se em poucas semanas. Ivan casou-se em abril de 1572, com Anna Koltovskaya, uma camponesa por quem se sentira atraído, mas em maio de 1575 divorciou-se dela e a mandou para um convento. [...]. A seguinte foi Anna Vasilchikova: casaram-se em 1575: no entanto, dois anos depois ela morreu. Ainda em 1577, Ivan voltaria a se casar - com a bela viúva Vassilisa Melentieva -, só que essa união nunca foi reconhecida pela Igreja". (BUTSON, 1988, p. 61).

Ivan acabaria se divorciando de Melentieva, e voltou-se a casar em 1580 com Maria Nagaya, filha de um oficial da corte. Em 1582, Maria dera a luz a Dimitri. Para concluir o final da década em 1581, Ivan cogitava dar um fim a guerra na Livônia, na Lituânia e nas terras suecas que hoje correspondem a Finlândia. De 1578 até 1581, os poloneses, lituanos e suecos conquistaram sucessivas vitórias militares, fazendo os russos perderam territórios nestas localidades e forçando o recuo de seu falido exército. Em julho de 1581, o papa Gregório XIII enviou o jesuíta Antônio Possevino com a mensagem de pedir ao czar o fim da guerra contra a Polônia. Ivan respondeu a mensagem com desdém e sarcasmo, dizendo que não iria obedecer o líder da Igreja Romana. De qualquer forma, em 1582, sob a pressão de seus conselheiros e aliados, Ivan decidiu pelo fim da guerra, assinando um acordo de trégua com os poloneses e outro com os suecos. No fim, o czar tivera que devolver todas as cidades e terras conquistadas desde 1558 quando se iniciou a guerra na Livônia. A Rússia sofria um duro golpe territorial, mas o qual seria compensado pela colonização da Sibéria que já estava em andamento há alguns anos, embora de forma lenta.

A morte do czaréviche Ivan (1581)

A morte de seu filho mais velho seria talvez ou último grande abalo na vida de Ivan, o Terrível. Nesta época ele contava com 52 anos, havia ficado seis vezes viúvo. Tivera oito filhos, mas apenas dois conseguiram chegar a fase a adulta, sendo que Dimitri o último filho que tivera, acabou morrendo na infância. Todavia, o sucessor ao trono era o seu segundo filho, também chamado Ivan, o futuro Ivan V da Rússia, isso se ele sobrevive-se para assumir o poder. Porém, embora pai e filho tenham voltado a se falar e ficar mais próximo nos últimos anos, a fúria de Ivan lhe traria um novo flagelo em sua vida. 

No final de 1581, Ivan fora buscar seu filho e sua nora para irem a missa. Ao chegar no quarto do casal, viu que sua nora Yelena Sheremeteva estava vestida de forma inapropriada. Tomado por ataque de raiva, o czar começou a bater na nora que estava grávida, seu filho ouvindo os gritos chegou para impedir o pai, o qual discutiu com ele. Posteriormente Yelena perderia o bebê, isso aumentou ainda mais o desgosto do czaréviche com o seu pai.

Em 15 de novembro daquele ano, Ivan se encontrava conversando com seu filho e o oficial Boris Godunov, o qual posteriormente relatou o incidente ocorrido. Godunov relata que naquele dia, pai e filho discutiram novamente acerca de questões de Estado, principalmente ligadas a guerra na Livônia e a trégua que o pai pretendia assinar. O príncipe sugeriu o pai que lhe desse o controle dos exércitos para que pudesse manter a guerra e conseguir vitória, pois ele criticava a falta de atenção do pai a respeito dos assuntos militares. O czar não teria gostado da crítica e começou a discutir com o filho, até que o golpeou com o seu bastão de ponta de ferro. Godunov conta que tentou impedir o czar de bater no filho, mas o mesmo o acertou e o derrubou no chão, então o czar ainda em fúria golpeou o seu filho na cabeça, o fazendo desmaiar e sangrar. 


Pintura retratando o ataque de Ivan ao seu filho o que ocasionou a morte do mesmo.
O czaréviche não morreu de imediato. Um sangramento interno se ocasionou, levando a morte do príncipe em 19 de novembro. Ivan nunca se perdoou do fato de ter matado seu filho. Isso o lançaria num estado de melancolia e remorso que o acompanharia até o fim da vida. Meses depois a morte de Ivan, o czar e seu filho Fyodor, o qual havia se tornado herdeiro do trono, o problema era que Fyodor não possuía capacidade de governar o país devido a sua deficiência mental, a solução era esperar que o pequeno Dimitri assumi-se o trono. Todavia, Ivan e Fyodor numa noite seguiram até a Catedral de São Basílio onde subiram até o topo de uma das torres e começaram a tocar os sinos. Ivan IV tentou cometer suicídio  jogando-se do alto da torre, porém não se sabe como, mas Fyodor o impediu de fazer aquilo. 


Ivan, o Terrível meditando no leito de morte de seu filho. Pintura de Vyacheslav Grigorievich Schwarz (1861).
De qualquer forma, Ivan passaria a ser atormentado pelo seu crime como ele mesmo chegara a dizer, que tinha insônia, pois ao dormir tinha pesadelos onde sonhava que matava seu filho. Ivan também deixou de usar suas luxuosas roupas, a não se alimentar direito, e até acessos de choro e melancolia. O mesmo pensou em se matar novamente ou de abdicar o trono, porém os boiardos temiam que uma nova Opritchnina volta-se a ocorrer, pois em 1564 ele pretendeu abdicar e retornou com tamanha fúria. 

Os últimos anos: os anos de melancolia (1582-1584)

A morte do filho mais velho, o fracasso na guerra na Livônia e na Lituânia, o acordo de trégua com os poloneses, lituanos e suecos, marcavam para Ivan anos difíceis e melancólicos. O mesmo se queixava que estava doente mental e fisicamente, e que Deus estava o punindo por seus crimes. Neste tempo, a Sibéria fora conquistada pelos Cossacos a serviço do czar. O Canato da Sibéria fora subjugado, e o caminho para o Leste fora definitivamente aberto. Os Cossacos eram um povo originário das estepes ucranianas e russas, embora possuíssem sua própria cultura. Os cossacos costumavam serem nômades, ou viverem em vilas ou cidades afastadas. Eram profundamente ligados a guerra e a um estilo cavaleriano. 


Pintura retratando uma batalha entre os cossacos e os tártaros na Sibéria.
Alguns clãs de cossacos se consideravam independentes, e não se sujeitavam diretamente as leis dos soberanos, neste caso, alguns passaram a trabalhar para a Família Stroganov a qual desde 1558 havia recebido concessões do czar para explorarem a região dos Montes Urais e a Sibéria, desde então os Stroganov se tornaram pioneiros nesta exploração e se uniram a alguns grupos de cossacos para combater os tártaros. Em 1582 o líder cossaco Yermak do Clã Don derrotara os tártaros da região ocidental da Sibéria e enviou vários presentes ao czar, os presentes consistiam numa quantidade absurda de peles de zibelinas, ursos, lobos, raposas, martas, etc. As peles se tornariam uma mercadoria muito cobiçada na Europa e na própria Ásia. Os ingleses e holandeses iriam à Rússia para comprá-las, assim como os tártaros, turcos e chineses. No entanto, essa joia não iria ser aproveitada pelo czar que em breve morreria. 

"No inverno de 1583/84, Ivan completou 36 anos no poder. Nesse longo período havia transformado um grupo de povoados insignificantes num verdadeiro reino, e aproximando a Rússia das atividades europeias. Essa forte união nacional se concretizara sob um poder centralizado, absolutista, reforçando-se com o domínio de cidades como Novgorod e Pskov e no avanço em direção ao sul, pelo rio Volga, assim como a leste, pelos montes Urais, até a Sibéria. Embora a ofensiva russa direção oeste, através do Báltico, tivesse fracassado e só se concretizasse sob Pedro, o Grande, Ivan conseguiu aproximar Moscou das ideias e invenções da Europa ocidental; além disso, os laços comerciais que estabelecera com a Holanda e a Inglaterra persistiriam até muito tempo depois de sua morte". (BUTSON, 1988, p. 75).

Naquele tempo, Ivan estava com problemas de saúde, ele estava com problemas de circulação, pois como atestam os relatos sobre sua saúde, ele estava com as pernas e os órgãos genitais inchados. Além disso, Ivan também padecia de febres que iam e voltavam e de dores pelo corpo. Em uma tarde de 1584, enquanto ele deixava o Kremlin ele avistou um cometa entre a Catedral de Assunção e a Torre do Sino de Ivan, o Grande, e o encarou como um sinal que sua morte estava próxima (os cometas eram vistos como presságios de mau agouro). Para completar boatos dizem que após o cometa, todas as noites a população do Kremlin houvia o grasnar de corvos, pássaros de mau agouro também. 


Fyodor I da Rússia
Ivan temendo que sua morte estivesse próxima ordenou que se procurasse videntes para prever seu futuro. Embora fosse um cristão ele como os outros russos eram bem supersticiosos, logo, trouxeram do norte do país algumas videntes, onde algumas alegaram que o czar não passaria daquele ano. Ivan começou a preparar o seu testamento, designando Fyodor seu sucessor e ao mesmo tempo criando um conselho regencial para ajudar Fyodor e proteger o pequeno Dimitri. Ivan nomeou quatro importantes boiardos para governar: Ivan Chuisky, Nikita Romanov (tio de Anastásia), Ivan Mstislavsky e Boris Godunov. Godunov e Romanov eram amigos já alguns anos, e isso ajudou a fortalecer os interesses dos dois. Enquanto Ivan preparava seu extenso testamento, ele passou os últimos dias indo visitar o Tesouro Real, para contabilizar sua fortuna e apreciar suas relíquias, joias, etc. Ivan também redigiu uma carta que enviou a Igreja, pedindo perdão pelos seus crimes, pedindo desculpas e ao mesmo tempo se culpava por sua vida infeliz, rancorosa e melancólica após a morte de sua esposa. 

Em 18 de março o czar acordou mais bem disposto, pois nos dias anteriores estivera mal, e passou o dia deitado na cama. Ele tomou banho quente, trajou sua veste real e fora receber uma delegação da Lituânia que aguardava para vê-lo já alguns dias. Durante a tarde ele tomou alguns medicamentos e fora jogar xadrez. Durante a partida ele acabou sofrendo um AVC (Acidente vascular cerebral) e morreu. O czar havia se reclinado na poltrona a fim de pensar, mas não voltou a se mexer, os súditos que assistiam ficaram pasmados, o czar de toda a Rússia havia morrido aos 54 anos. 

Boris Gudonov tomou as providências para o funeral; ordenou que a Corte fosse avisada, que Fyodor fosse avisado, e que a morte fosse anunciada oficialmente. A segurança do Kremlin fora reforçada, pois Gudonov temia que o povo invadisse o Kremlin para ver o corpo do falecido czar. Ivan fora sepultado na Catedral de São Miguel Arcanjo ao lado do túmulo de seu filho Ivan. 


Pintura retratando a morte do czar Ivan, o Terrível. Após morrer, o arcebispo de Moscou o convertera em monge, algo que o czar havia solicitado já algum tempo. 
"Terrível durante seu reinado, Ivan passaria para a História como um homem forte numa época em que se fazia necessário alguém como ele. Sob sua imagem, futuros czares russo iriam se moldar, especialmente Pedro, o Grande, que o admirava". (BUTSON, 1988, p. 83).

Ivan nos tempos de seu bom governo promoveu reformar que não apenas expandiu a Rússia, mas a modernizou, a tirando de um estado profundamente feudal, transformando-a em um reino moderno, embora falhou e continuar com este processo. Ivan também conseguiu importantes conquistas que expandiram a Rússia e que nas décadas seguintes tornaria a Rússia o maior país do mundo. Ele também aproximou o país da Europa, e adotou alguns de seus costumes. Por outro lado, Ivan fora um homem teimoso, cruel, doentio, vingativo, genioso, que quase destruiu aquilo que construiu. Ivan é personagem interessante na História, pois revela que a falta de autocontrole pode tornar um bom homem e um monstro.


"Ivan, o Terrível foi o algoz e vítima de sua paranoia". 
Leandro Vilar

Considerações finais:


Czar Bóris Godunov
Fyodor assumiu o governo e reinou até 1598 quando faleceu. O mesmo era casado com Irina Godunova, irmã de Bóris Godunov, entretanto, Irina não dera filhos a Fyodor, logo Dimitri seria o seu sucessor, porém, o garoto misteriosamente faleceu em 1591 (acredita-se que fora assassinado). Logo, Bóris com o consenso do Conselho Regencial fora proclamado czar. Bóris era de origem tártara, um homem alto, analfabeto, mas astuto e valoroso conquistou a afinidade do czar há vários anos, se tornando um dos seus principais conselheiros nos últimos anos de vida. Bóris governaria até 1605, no entanto depois de sua morte, onde alguns acreditam que ele teria cometido suicídio, o país entrou em uma guerra civil que durou até 1613. Tal período fora chamado de Smtunoe vremya ("tempo triste"). Tais "tempos tristes", tal época problemática, terminou com a vitória da Família Romanov, a qual proclamara naquele ano, Mikhail Romanov novo czar da Rússia. Os Romanov passariam a governar a Rússia por mais de 300 anos. 

NOTA: O Canato consistia em um Estado governado por um khan (senhor em mongol), título dado aos grandes líderes.
NOTA 2: Os canatos na Rússia se formaram a partir da fragmentação da Horda de Ouro em 1502, a qual se formara com a fragmentação do grande Império Mongol de Genghis Khan.
NOTA 3: Embora tenha se casado oito vezes, apenas três esposas lhe deram filhos. Anastásia lhe dera seis filhos, três meninos e três meninas; Maria Temryukovna dera a luz a Vassili que morrera com menos de um mês, e por último Maria Nagaya dera a luz a Dimitri que morrera com quase dez anos de idade. 
NOTA 4: Andrei Kurbsky nunca mais voltaria a Rússia, viveu o restante da vida em exílio na Livônia e até 1580 ainda mantivera correspondência com o czar.
NOTA 5: Analisando o comportamento de Ivan, pode-se sugerir que o mesmo tivesse sido bipolar, sofre-se de síndrome do pânico e/ou do medo, fatos que respondem suas mudanças súbitas de humor, a paranoia de que estava sendo ameaçado, e todos eram seus inimigos. Além disso o trauma psicológico que tivera na infância, contribuiu para sua postura violenta e até mesmo sádica. A morte da esposa, gerou-lhe um grande e profundo estado depressivo, que se intercalava com ondas de fúria, apatia e profunda melancolia. Tal condição voltou a piorar depois que matou seu filho. 

Referências Bibliográficas:
BUTSON, Thomas. Ivan, o Terrível. São Paulo, Nova Cultural, 1988. (Coleção Grandes Líderes - vol. 45). 
Grande Enciclopédia Larousse Cultural, São Paulo, Nova Cultural, 1998.

Link relacionado: 
O Último Czar




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