GORDINI 1967
Em 1967, a Willys-Overland do Brasil lançou no mercado mais uma versão do Gordini. E, novamente, a fábrica de São Bernardo do Campo fez história. O Gordini III foi o primeiro carro nacional a oferecer freios a disco como equipamento opcional de série, nas rodas dianteiras. Havia, ainda, um equalizador de pressão nas rodas traseiras, uma válvula de segurança que impedia que elas travassem em freadas bruscas.
É fácil distinguir o Gordini III dos seus antecessores. As lanternas traseiras ficaram maiores. A luz interna, antes provida por duas lâmpadas nas colunas do carro, foi transferida para o teto, próximo ao espelho retrovisor.
Mais uma vez, vale a pena recorrer à ?Quatro Rodas?. Em sua edição de julho de 1967, o editor Expedito Marazzi testou o Gordini III e comparou o resultado com o teste que havia feito um ano antes, com o Gordini II.
?Feito o teste, podemos dizer que a estabilidade traseira melhorou, embora esteja longe da ideal. Há uma ligeira superioridade a assinalar nos capítulos da velocidade máxima e consumo: o carro está correndo um pouco mais e a economia, que já era excelente, melhorou também. Mas o desempenho continua sendo, de modo geral, o antigo. E os barulhos da suspensão dão ainda uma certa sensação de fragilidade. Quanto aos freios, não recomendamos os de disco. Mais adiante diremos por quê?.
A explicação da revista para não recomendar os freios a disco foi a comparação feita com um Gordini II, equipado com freios a tambor. A 40 km/h, o Gordini III levou 6,60 m para parar. O Gordini II parou em 6,30 m. A diferença aumentava com a velocidade. A 100 km/h, a desvantagem do novo sistema era gritante: 54,40 m contra 42,20 m.
O Departamento de Testes da Willys tinha uma explicação para isso: os motoristas precisavam se adaptar aos freios a disco: ?Os freios a tambor travam as rodas dianteiras somente após mais de 40 kg/cm2 de pressão efetiva no pedal, ao passo que os freios a disco travam as rodas aos 30 kg/cm2 ou até menos, conforme as circunstâncias. Por isso, há necessidade de que o motorista eduque seus reflexos para nunca usar muita pressão ao solicitar os freios, mesmo numa emergência?.
A ?Quatro Rodas? retrucou. ?Trocando em miúdos: os freios a disco são mais sensíveis do que os de tambor e por isso travam as rodas antes. Quando isso acontece, as rodas perdem, de modo violento, a faculdade de aderir ao solo e o espaço de frenagem aumenta. É preciso dosar a pressão do pedal para frear melhor. Não é fácil, mas também não se usam os freios sempre em casos de emergência. Partindo desse argumento, é possível achar vantagens no uso dos freios a disco. De qualquer forma, quando se trata de espaço de frenagem, os freios de tambor serão sempre melhores. No caso do Gordini, o interessante seria que a Willys introduzisse alguma modificação no esquema, como, eventualmente, o emprego de válvula limitadora também para as rodas dianteiras?.
Apesar dos conselhos da revista, não havia tempo nem motivação para uma nova revisão no Gordini. Comprada pela Ford em 1967, a Willys trabalhava já há dois anos, em conjunto com a Renault, no ?Projeto M?. O futuro Corcel.
Em um anúncio publicado em jornais e revistas, Willys-Overland e Ford garantiam que iriam manter a produção do Gordini. Dizia o anúncio: ?O que vai acontecer com o Itamaraty, o Aero-Willys e o Gordini? Continuarão a ser produzidos normalmente. Por três razões muito simples: são carros que contam com a preferência de grande parcela do mercado; com o Ford Galaxie, esses carros formam a mais completa linha de automóveis da indústria brasileira. E uma terceira razão: por que deixar a concorrência sozinha??
A promessa da Ford e da Willys, porém, durou pouco. O Gordini deixaria de ser fabricado em março de 1968.
GORDINI 1968
Março de 1968. Um mês fatídico para os amantes do Gordini. Já sob comando da Ford, a Willys-Overland do Brasil S.A. anunciou o fim da produção do carrinho. A justificativa das montadoras era o lançamento do Corcel, em junho, que seria produzido na mesma linha de São Bernardo do Campo. ?Finalmente, um carro com qualidades de verdade?, dizia a propaganda da Ford, como que desmerecendo a trajetória do Gordini.
No começo do ano, a montadora chegou até a lançar uma última série, o Gordini IV, que só trazia novidade nas cores. De resto, o modelo era idêntico ao Gordini III.
Segundo a Willys, foram produzidas, entre Dauphine, Gordini, 1093 e Teimoso, 74.620 unidades de carros equipados com motor Ventoux.
Apesar do lançamento do Corcel, o Gordini continuava a ser um carro procurado pelo público. Tanto que, em outubro de 1968, a ?Quatro Rodas? trouxe uma reportagem sobre o mercado que ainda havia para o Gordini.
?Ele parou de ser fabricado, mas seu mercado é grande e o preço vai aos poucos se estabilizando. Peças ainda vai ter por bastante tempo e pelos planos que há na praça qualquer um pode comprá-lo. Resta você decidir?, dizia a abertura da matéria, intitulada ?O que fazer de seu Gordini?.
A revista fazia uma radiografia dos motivos que levaram ao fim da produção do Gordini. ?Sempre surge numa conversa a frase: ?O carrinho é muito bom, mas...? Foi êsse mas, nascido juntamente com o carrinho, que acabou com êle. Para muitos, quer dizer suspensão pouco resistente; outros subentendem lataria fraca?.
A ?Quatro Rodas? continuava: ?Há quem diga que foi a própria fábrica que se incumbiu de arrasar com o carro, oferecendo um plano de financiamento muito longo. Isso fez com que o Gordini nunca fosse vendido realmente ao preço de tabela. A desvalorização começava quando ele saía da fábrica para o concessionário. Outros atribuem a desvalorização aos defeitos que ele apresenta no isso. A verdade é que quem comprava Gordini numa esquina, na seguinte já não conseguia vender pelo preço pago?.
Sete meses após o fim da fabricação, já não havia, nas principais concessionárias de São Paulo (Cássio Muniz, Cipan, Lara Campos, Coscopal e Dipave), um só Gordini zero quilômetro. Gordini, a partir de então, só usado. O carrinho começava sua jornada para se tornar um clássico.
O CORCEL
O Corcel nasceu em outubro de 1968 com uma missão complicada: substituir o Gordini, um carro que incomodou o Fusca por seis anos. A concepção do modelo, no entanto, começou três anos antes, em 1965, e talvez tenha sido uma das mais cuidadosas já testemunhadas pela indústria automobilística brasileira.
Batizado de ?Projeto M?, o Corcel começou a ser desenhado pela Willys-Overland do Brasil em conjunto com a Renault. A plataforma e toda a parte mecânica foram projetadas pela fábrica francesa. Os brasileiros entraram com o design do carro: o ?V? da grade era claramente da mesma família da Rural e do Aero-Willys.
Quando começou a conversar com a Willys, a Ford percebeu que tinha em mãos uma grande oportunidade. Até então, fabricava no Brasil apenas o gigantesco Galaxie 500, a picape F100 e caminhões. De bandeja, a montadora americana ganharia um projeto quase pronto de um carro simples, compacto, que pudesse atender ao grande público.
Foi a vez de os americanos embarcarem no planejamento. Protótipos do ?Projeto M? foram levados a Detroit e lá, testados à exaustão pelos técnicos da matriz. O carro foi aprovado e só então a Ford decidiu fechar o negócio e comprar a empresa brasileira.
Finalmente, no fim de 1968, o modelo foi lançado como Corcel, um nome de cavalo, a exemplo do esportivo Mustang, um must da época. Na França, o carro ganhou as ruas dois anos depois, batizado de R12, e também foi um sucesso de vendas.
O motor do Corcel era dianteiro, quatro cilindros, 1289 cc, 68 hp e era um descendente direto dos propulsores que equipavam o francês R8. As válvulas eram no cabeçote, mas seu comando estava no bloco, acionado por corrente de distribuição.
A edição de outubro de 1968 da ?Quatro Rodas? testou o Corcel. ?Podemos definir o Corcel como um automóvel médio eficiente e funcional?, escreveu Expedito Marazzi, editor da revista. ?O grande aperfeiçoamento que o nôvo motor traz consiste em funcionar sôbre cinco mancais. Cada mancal de biela fica entre dois mancais de virabrequim, o que se traduz numa suavidade de funcionamento excepcional, sem vibrações que possam danificar o motor, especialmente nas altas rotações. O ronco do Corcel é agradável, diferente de qualquer outro?, completou. No Gordini, eram três mancais.
As heranças do Gordini, da Willys e da Renault eram claras. Assim como o Gordini IV, as primeiras unidades do Corcel tinham a opção de freios a disco nas rodas dianteiras. Alguns saíram da fábrica com o logo da Willys impresso nos vidros. Apesar de ser um compacto, o Corcelo foi lançado com quatro portas. As rodas eram aro 13 e tinham três parafusos, uma tradição de seu antecessor.
No teste da revista, o Corcel chegou de 0 a 100 km/h em 23,6 s. O Gordini III, em teste da mesma ?Quatro Rodas?, atingiu a marca em 36,6 s e o Gordini II, em 32,6 s. O novo carro, porém, era menos econômico: a 60 km/h, fazia 13,4 km/l. O Gordini III fazia 18,6 km/l, quase empatado com o Gordini II, 18,7 km/l.
O Corcel ganhou mais tarde versões família (Belina), cupê e esporte, o modelo GT. Fez história. Em 1977, a Ford revisou completamente o carro e lançou o Corcel II. Agora, até mesmo as heranças do Gordini eram enterradas.
Gordini 1ª Parte
Gordini 2ª Parte
Gordini 3ª Parte