Robert PongeO GOVERNO DE THIERS
Em 17 de fevereiro de 1871, reunida em Bordéus (sudoeste da França), a Assembléia elege Adolphe Thiers (ex-ministro do rei Luís Felipe durante a Monarquia de Julho), "chefe do poder executivo da República Francesa", porém apenas "enquanto não for tomada uma decisão relativa às instituições da França". Fórmula algebricamente aberta que enche os monarquistas de esperança.
No final de fevereiro, Thiers apresenta à Assembléia (ainda em Bordéus) o projeto liminar do tratado de paz: entrega da Alsácia e de parte da Lorena à Alemanha, pagamento de uma indenização de cinco bilhões de francos, ocupação, pelas tropas alemães, de 43 départements (unidade territorial que divide administrativamente a França), até a ratificação do tratado.
Na capital, acontecem manifestações, em particular contra a cláusula que prevê a ocupação de parte da cidade por trinta mil soldados alemães. Dos bairros que serão ocupados, a população retira os canhões fundidos graças às subscrições populares, instalando-os nos bairros populares, aos cuidados da Guarda Nacional. No dia 1º de março, a tropa alemã entra em Paris, desfila nos Campos Eliseos, desertos, evita os bairros populares, acampa nos bairros chiques, abandonando a cidade no dia seguinte, em cumprimento ao acordo (ratificado, na véspera, pela Assembléia, por 546 votos, contra 107).
Em 15 de fevereiro, a Assembléia havia lembrado que os 15 centavos diários de soldo para os praças da Guarda Nacional eram devidos apenas àqueles que podiam comprovar o estatuto de carente; medida humilhante em tempos de crise. Em 7 de março, a Assembléia decreta o fim das moratórias relativas aos aluguéis e aos contratos comerciais, as quais vigoravam desde meados do ano anterior, ou seja, desde o início da crise econômica gerada pela guerra. "A medida chocou a pequena e média burguesia, que passou para o lado dos descontentes", comenta o historiador Jacques Rougerie.10 Finalmente, em 10 de março, por 487 votos, contra 154, a Assembléia toma a decisão de deixar Bordéus, porém para instalar-se em Versalhes, e não mais em Paris, como era a tradição desde a jornada de 4 de outubro de 1789. No dia seguinte, o governador nomeado de Paris, Vinoy, decreta a suspensão de seis jornais republicanos; também, são condenados à morte três ativistas (Flourens, Blanqui e Levraud) processados pela sua participação na tentativa de levante blanquista de 31 de outubro.
Todas essas medidas são sentidas como provocações, ataques mesquinhos, humilhantes e insultantes contra os parisienses e contra Paris, que não está nem um pouco desorganizada: alguns dias antes (3 de março), uma Assembléia dos delegados de duzentos batalhões da Guarda Nacional havia fundado a Federação Republicana da Guarda Nacional, votando os estatutos da mesma e nomeando uma Comissão Executiva. Como a grande maioria (217 em 270) dos batalhões da Guarda Nacional opta pela adesão à Federação, sua fundação é ratificada, em 13 de março, e seu Comitê Central constituído (composto por quatro delegados de cada região administrativa). Qual é o programa da Federação? Leiamos o preâmbulo de seus Estatutos:
A República, sendo o único governo de direito e de justiça, não pode estar subordinada ao sufrágio universal.
A Guarda Nacional tem o direito absoluto de nomear todos os seus chefes e de revogá-los assim que perderem a confiança de quem os elegeu; entretanto, [apenas] depois de uma investigação preliminar destinada a salvaguardar os direitos sagrados da justiça.11
Vejamos agora o manifesto que afixa nas ruas da capital:
Somos a barreira inexoravelmente erguida contra qualquer tentativa de derrubada da República. Não queremos mais as alienações, as monarquias, os exploradores nem os opressores de todo tipo que, chegando a considerar seus semelhantes como uma propriedade, fazem-nos servir à satisfação de suas paixões mais criminosas. Pela República Francesa e, depois, pela República Universal. Chega de opressão, de escravidão ou de ditadura de qualquer tipo; pela nação soberana, com cidadãos livres, governando-se conforme sua vontade. ... Então, o lema sublime: Liberdade, Igualdade, Fraternidade, não será mais uma vã palavra.12
Um problema vem preocupando o governo de Thiers: Paris está armada (cerca de quinhentos mil fuzis e 417 peças de diversos calibres ? 146 metralhadoras, 271 canhões. Como desarmá-la? Como livrar-se da Federação e de seu Comitê Central? Como controlar a Guarda Nacional? O governo já fez algumas tentativas localizadas (no dia 8, depois entre os dias 11 e 16), de tirar canhões das mãos da Guarda Nacional. Sem outro resultado que provocar a irritação da população que considera os canhões como "seus" (vale lembrar que haviam sido fundidos graças às subscrições populares!).
Finalmente, o governo decide-se por uma operação cirúrgica: no dia 17, afixa um apelo à população parisiense, alertando-a contra certos "homens mal intencionados" que "roubar[am] canhões do Estado", "constituíram-se em senhores de uma parte da cidade", exercem sua ditadura através de um "comitê oculto", tendo a pretensão de "formar um governo em oposição ao governo legal instituído pelo sufrágio universal"; o manifesto encerra chamando os "bons cidadãos" a "separar-se dos maus". Durante a noite de 17 para 18 de março, o governo afixa outro apelo, de conteúdo similar, desta vez dirigido especificamente à Guarda Nacional; ao mesmo tempo, empreende uma operação de grande envergadura, com cerca de 15 mil homens, centrada na retomada dos canhões guardados nos bairros de Montmartre e de Belleville (o "bastião vermelho"), e na ocupação dos bairros Saint-Antoine e Bastilha. A população, porém, lança um grito de alarme, toma conta das ruas, cerca a tropa; pressionada, esta confraterniza, recusa-se a atirar. Barricadas são erguidas (dois generais governistas serão fuzilados, as únicas baixas do dia, além de um Guarda Nacional morto pela tropa governamental por ter dado o alarme em Montmartre). O Governo ordena que sua tropa bata em retirada. Tudo isto durante a manhã do dia 18, fruto da reação espontânea da população e de iniciativas isoladas de chefes de batalhões locais da Guarda. Durante a tarde, acontece a contra-ofensiva popular: a partir de ações inicialmente isoladas, depois com alguma orientação do Comitê Central da Federação, batalhões da Guarda tomam edifícios públicos, ministérios, a prefeitura, estações de trens, quartéis, etc. Às 16 horas, o governo de Thiers decide fugir, ordenando a todos os serviços governamentais (tropa e administração) abandonar, evacuar totalmente Paris e transferir-se para Versalhes, adotada então como nova sede do governo (e cidade onde a Assembléia Legislativa já estava instalada). A Guarda Nacional não os persegue.
À meia-noite, o Comitê Central da Guarda Nacional reúne no Hôtel-de-Ville (a prefeitura). Com a jornada de 18 de março de 1871, a revolução iniciada em 4 de setembro de 1870 retoma e aprofunda seu curso, abrindo-se uma nova fase. Se quisermos colocá-lo em termos de analogia com 1917, fecha-se a época do "Fevereiro"; começa o "Outubro Vermelho": está nascendo a Comuna!
Revista O Olho da História
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