As representações mostram Nefertiti e Akhenaton de forma excêntrica, em sintonia com o espírito inovador do casal
Na história do Egito antigo, não há casal mais sedutor do que o rei Akenaton e sua esposa Nefertiti, no século XIV AC. Por mais excêntricas que fossem suas representações, a sedução não se limita aos seus aspectos físicos.
Ambos tornaram-se personagens simbólicos da civilização egípcia por terem sido a origem do único cisma profundo conhecido pelo Egito no decorrer de seus três mil anos de história. Destituindo o todo poderoso clero de Amon para impor um deus único, representado pelo disco solar Aton, Akenaton abria pela primeira vez na história da humanidade um caminho rumo ao monoteísmo.
O reinado deste faraó, por muito tempo erroneamente qualificado como "herético", situa-se no fim da efervescente XVIII dinastia, por volta de 1358 AC. A civilização se encontra em plena apoteose. O Egito jamais teve tamanha opulência e refinamento. Após as grandes conquistas de Tutmósis III, o momento é de paz. Amenófis III, pai de Akenaton, soube estender pelo Oriente o poder e o brilho de Tebas, centro de um grande império internacional.
O deus Amon é venerado. O clero de Tebas está mais onipotente e mais onipresente do que nunca, constituindo um verdadeiro Estado dentro do Estado. Esta situação já havia preocupado diversos soberanos que, em vão, haviam tentado reduzir as ambições políticas dos chefes religiosos. Amenófis III tem consciência do perigo que este contra-poder
Desde a descoberta de seu palácio, construído na margem oeste do Nilo, longe de Karnak, o que não era habitual, alguns pesquisadores lançaram a hipótese de uma ruptura voluntária com o clero de Amon. De fato, o nome do palácio significa "A casa de BebMaât-Rá é o disco resplandecente", associando plenamente o soberano ao deus. Tiya, esposa de Amenófis III por trinta anos, já venerava o disco solar Aton mais do que Amon, o deus oficial.
Na educação dada a seu filho, o futuro Akenaton, ela pregava com força o culto deste deus cujo ideograma reflete a natureza: o olho de um deus celeste, cujo círculo evoca a íris e o ponto central a pupila. É ela quem, uma vez criada a cidade de Akenaton, preferiu permanecer em Tebas para manter o elo entre o clero de Aton e o de Amon, a fim de evitar a invasão popular.
Para o egiptólogo Alexandre Varille, "a revolução de Akenaton foi mais uma reação contra o poder temporal de Amon do que uma modificação profunda da religião. O famoso hino ao sol de Amarna exprime a mesma filosofia unitária de múltiplos textos do mais antigo Egito". Desde o início do período histórico, a religião já estava bastante instituída, refletida e ordenada pelos teólogos. Apresenta uma uniformidade encontrada durante três milênios.
Esta harmonia intelectual se traduz por uma reflexão teológica jamais interrompida, cuja inspiração jorrava sem cessar de suas próprias fontes. Por exemplo, os textos religiosos gravados nas pirâmides da V e VI dinastia são copiadas nas tumbas do Médio Império e na época da XXVI dinastia, sendo ainda utilizados. Este caráter ímpar pode surpreender tanto que se tem a impressão de lidar com um amálgama de divindades provenientes de todas as regiões do Egito.
Claudine Le Tourneur d\\'Ison é egiptóloga graduada pela Escola do Louvre, trabalha para a imprensa escrita e para a TV estatal francesa. Ela também é autora de livros como Une passion égyptienne (Uma paixão egípcia) (Plon), Mariette-Pacha (Plon) -ganhador do prêmio História da Academia Francesa - Lauer et Saqqara (Tallandier), L´Egypte et les pharaons (O Egito e os Faraós) (Tallandier), Je suis né en Egypte il y a 4700 ans (Eu nasci no Egito, há 4700 anos) (Albin Michel). http://www2.uol.com.br/historiaviva
Revista Historia Viva