Invasões e conflitos marcam história do Afeganistão
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Invasões e conflitos marcam história do Afeganistão


Disputas internas e interferências britânica, soviética e americana desestabilizam país asiático desde o século 19
Bruna Carvalho, iG São Paulo

A história do Afeganistão, país geopoliticamente estratégico, é marcada por invasões que remontam ao século 19, quando britânicos preocupados com o avanço do czarismo russo, em um contexto colonialista, assumiram o controle de seu território.




Foto: Reprodução
Rei Zahir Shah governou o país por 39 anos




O país se tornou independente em 1919, depois de um terceiro conflito com a Inglaterra. O rei Zahir Shah chegou ao poder em 1933, e, depois de quatro décadas de um governo sob sua tutela, sofreu um golpe. Seu primo Mohammad Daoud tomou o poder, declarou o Afeganistão uma república e se autoproclamou presidente.

Daoud foi o responsável por introduzir o movimento islamita no poder e por tentar esvaziar o Partido Democrático Popular do Afeganistão (PDPA), de esquerda, reprimindo as atividades dos marxistas. Sua atitude provocou revoltas, que atingiram o auge quando um dos líderes comunistas foi morto em circunstâncias misteriosas. Em 1978, militares simpáticos ao PDPA capturaram e executaram Daoud e sua família.

Nur Mohammad Taraki controlou o país no primeiro governo marxista do Afeganistão, apoiado pela União Soviética (URSS, 1922-1991). No mesmo ano, insurgentes radicais islâmicos que ansiavam por reformas sociais começaram uma revolta armada nos centros rurais.

O PDPA estava dividido desde 1967 em duas vertentes rivais: a mais radical, Khalq, que tomou o marxismo de forma mais tradicional; e o Parcham, que acreditava em uma transição gradual rumo ao socialismo. Enquanto o PDPA estava unido para derrotar a monarquia e a república de Daoud, essas divergências não se destacavam, porém isso mudou com a tomada do poder.


Hafizullah Amin, o primeiro-ministro, era opositor ao então presidente. Em 1979, Taraki foi assassinado e Amin se tornou o líder do país. Ele era conhecido por suas inclinações nacionalistas e também por sua crueldade. Moscou via em Amin uma ameaça potencial por causa de seu radicalismo e por não controlar a crescente insurgência no país. Uma segunda morte - pela qual a CIA responsabilizou o KGB, serviço de inteligência russo - abalou ainda mais o gabinete afegão. Amin estava no poder havia apenas 104 dias e foi assassinado.

O Exército Vermelho soviético, então, invadiu o Afeganistão com 30 mil soldados, iniciando um conflito que, durante seus dez anos de duração, matou cerca de 1 milhão de civis afegãos e fez com que 2,8 milhões fugissem para o Paquistão e outros 1,5 milhão para o Irã.

Logo após a invação, a URSS incumbiu Babrak Karmal, que era embaixador afegão na Checoslováquia e da facção Parcham, de assumir a presidência no lugar de Amin. No âmbito da Guerra Fria (1947-1991), os mujahedin, como são chamados os combatentes islâmicos, intensificaram sua luta com um apoio amplo, mas velado, de potências ocidentais, principalmente os EUA, que visavam ao enfraquecimento soviético.

As forças mujahedin se uniram no Paquistão para formar uma aliança contra os soviéticos. Enquanto isso, Kamal foi substituído por Najibullah, que era incapaz de controlar a insurgência, agora armada com mísseis dados pelos EUA. Em 1988, o Afeganistão, a URSS, os EUA e o Paquistão assinaram um acordo de paz, e a URSS começou a retirar efetivamente suas tropas até não sobrar mais nenhuma em 1989.

A resistência dos mujahedin contra Najibullah persistiu até sua deposição, em 1992. As facções insurgentes, então, concordaram em formar um governo liderado pelo tajique Burhanuddin Rabbani, o que não cessou as guerras civis no território, que agora atingiam também as áreas urbanas, deixando milhares de mortos.



Foto: Getty Images Ampliar
Mulá Omar é o líder do Taleban no Afeganistão




Surgimento do Taleban

Por volta de 1994, nasceu na Província de Kandahar um movimento estudantil pashtun, maioria étnica no país, com um rigor religioso extremo: o Taleban. Liderados pelo mulá Omar, uma figura quase folclórica que lutou contra os soviéticos na ocupação, o Taleban reuniu um número expressivo de integrantes que só aumentou com o passar do tempo e tirou o poder dos senhores de guerra. A população afegã estava exausta de violência e corrupção, e um grupo islâmico parecia surgir em boa hora para colocar o país em ordem. No período de um ano, o Taleban era composto por mais de 10 mil membros que dominavam províncias importantes do país.

Além do apoio popular, o Taleban de mulá Omar contava com a ajuda do vizinho Paquistão. Seu serviço de inteligência armou esses universitários e lhes deu dinheiro e suprimentos, além de ajudar com a estratégia militar. Após travarem intensas lutas, principalmente em áreas que não eram de maioria pashtun, o Taleban conseguiu controlar Cabul em 1996.

Apesar de liderar o Afeganistão, o governo Taleban era reconhecido apenas pelo Paquistão, pela Arábia Saudita e pelos Emirados Árabes Unidos. A comunidade internacional reagiu contra o excesso de rigidez do regime, principalmente no trato com as mulheres, que não podiam sair de casa se não estivessem acompanhadas de um homem - leia-se o pai ou o marido. Os afegãos não podiam ouvir música, dançar, ter videocassetes em suas residências, empinar pipas, e os homens não podiam se barbear. Estava instaurado um rigoroso Estado teocrático.

Além do fundamentalismo, o Ocidente intensificou sua pressão sobre o Taleban por conta da produção de papoula, fonte do ópio que entrava na Europa. O tráfico do ópio sempre esteve presente no Afeganistão, de acordo com uma pesquisa realizada pelo Instituto da Paz dos EUA. Após a invasão soviética, a plantação aumentou, dobrando entre os anos de 1984 e 1985. No ano seguinte, dobrou mais uma vez. Os plantadores e traficantes contratavam mujahedins para proteger o transporte da droga e esses rebeldes usavam o dinheiro que ganhavam na atividade ilegal para financiar a resistência.

Com a saída soviética e, portanto, com o fim do financiamento americano, aumentou a dependência pelos lucros com o mercado do ópio para sustentar a guerra. Nesse ambiente, nasceu o Taleban, sustentado em grande parte pelo tráfico de entorpecentes. Também segundo a pesquisa, o Taleban afirmava que, segundo as leis da sharia (código de leis do islamismo), o uso de ópio - assim como do álcool e da maconha - estava proibido, mas a sua produção e comércio eram permitidos.



Foto: Reuters
Afegãos fazem colheita de ópio em um campo de papoula localizado no distrito de Golestan da província de Farah



Algumas outras ações do Taleban atraíram uma atenção negativa da comunidade internacional. O Taleban ofereceu abrigo para o líder da Al-Qaeda, o saudita Osama bin Laden, e para diversos membros da rede nos anos 1990. Bin Laden chegou em um avião fretado ao aeroporto de Jalalabad em 1996. Outro episódio polêmico ocorreu em março de 2001, quando o grupo bombardeou os Budas de Bamiyan, duas gigantescas estátuas de 800 anos de idade, pois, segundo eles, representavam uma idolatria, o que era proibido pelo Alcorão.

Os atentados lançados pela Al-Qaeda contra símbolos econômico e militar dos EUA no 11 de Setembro representariam o começo do fim da era Taleban no poder. O governo americano lançou um ultimato ao Taleban: ou entregavam Bin Laden, mentor dos ataques, ou seriam bombardeados pelas forças de uma coalizão internacional.

Diante da recusa do Taleban, teve início a Guerra do Afeganistão, que neste 7 de outubro completa dez anos. Apesar de ter tirado o Taleban do controle de Cabul e ter formado um governo, as forças da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), lideradas pelos EUA, não conseguiram promover a paz no território nem impedir ações de insurgência nessa década de conflitos.
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