Gilberto Freyre, Casa Grande & Senzala, Identidades do Brasil, Miscigenação
História do Brasil e do Mundo

Gilberto Freyre, Casa Grande & Senzala, Identidades do Brasil, Miscigenação



GILBERTO FREYRE E "UMA DAS" IDENTIDADES DO BRASIL: a sincronia entre as raças e o eugênico perfeito em Casa Grande & Senzala

Gilberto Freyre foi, sem dúvida, um dos maiores intelectuais brasileiros. Ensaísta e autor de uma obra duradoura, o autor analisa a sociedade brasileira partindo de pressupostos até então pouco explorados naquele momento. A vida cotidiana é analisada por ele de uma forma particular e original, sendo que o negro e o índio merecem destaque em sua trama. Tratando desses dois elementos, fundamentais em sua visão para a formação da sociedade brasileira, Freyre faz um grande elogio à miscigenação, sendo interpretada por ele como uma das características fundamentais do brasileiro: uma das “identidades do Brasil”.
Nascido em Recife em 1900, Freyre teve uma vida intelectual intensa. Logo cedo foi para a Europa, onde se formou em Artes pela Universidade de Baylor em 1920 e em 1922 em Ciência Política, dessa vez em Columbia. Regressa ao Brasil em 1924, quando começa a manter contato com artistas, pintores e intelectuais do país. No ano de 1930 retorna ao velho continente, onde em Portugal inicia a escrita de sua maior obra.
Após o lançamento de Casa Grande & Senzala, Freyre recebe vários títulos, prêmios e honras acadêmicas de diversas universidades do mundo. No Brasil, “é a obra de interpretação do Brasil mais conhecida no país e mais traduzida e editada no exterior.” (REIS, 2000, p. 51). Intelectuais renomados elogiaram sua obra, merecendo destaque as impressões de Lucien Febvre e Fernand Braudel, que prefaciaram as edições francesa e italiana de Casa Grande..., respectivamente. No entanto, as críticas ao seu trabalho também foram contundentes. Freyre foi criticado, não apenas pelos assuntos que tratou, mas pela ousadia de suas idéias.
Ao falecer aos 87 anos de idade, Freyre deixa sua valiosa contribuição para a historiografia brasileira. As inovações metodológicas, a introdução de novos objetos, a flexibilidade do texto, a originalidade e a espontaneidade demonstrada em sua obra são elementos que fazem com que sua obra mereça ainda mais o status de perene atribuído por Fernando Henrique Cardoso.
Freyre é geralmente percebido como o pensador da vida cotidiana, como historiador da intimidade, da cultura em oposição ao mundo institucional e desempenha se papel de forma magistral. Seus trabalhos trazem consigo uma imensa riqueza de detalhes, de descrições, onde se percebe que o autor recorreu a variados tipos de fontes para corroborar suas idéias: cantigas coloniais infantis, provérbios, receitas culinárias, documentos oficiais, etc.
Casa Grande... representa um marco na historiografia brasileira. Tendo sua primeira edição lançada em 1933, a obra trouxe consigo uma leitura antropológica sobre o Brasil ainda despercebida. Usando de uma linguagem literária, Freyre faz um apanhado rico em detalhes da vida cultural e política com reflexos na vida social brasileira.
Sua ênfase na sociabilidade existente nas casas-grandes e no elogio à miscigenação são características fundamentais presentes na análise do pernambucano. Além disso, busca descrever a cultura daquela sociedade através da cozinha, dos gostos alimentares, da vida sexual, da arquitetura.
Gilberto Freyre valoriza o negro. Valoriza também o indígena. Exalta o português. Percebe entre eles uma união estável, perfeita, incontestável. O negro completa o branco e deles surge o que há de mais valioso no Brasil: o mestiço. A relação entre senhor e escravo é pacífica, pois “os contrários se justapõem, freqüentemente de forma ambígua, e convivem em harmonia”. (CARDOSO, 2006, o. 23).
Enxerga no Brasil colonial, ao invés de uma luta intensa entre senhor e escravo, uma consonância entre ambos, uma busca por uma convivência estável e harmoniosa. “Freyre quis demonstrar que houve uma solução brasileira para um acordo entre diferentes tipos de vivência, diferentes padrões culturais.” (REIS, 2000, p. 52). Por conseguinte,

A interpretação de Freyre se apóia sobre uma concepção conciliadora do tempo histórico brasileiro. Para Bastos, ele propõe uma articulação do velho e do novo, a união da tradição com a modernidade. (Bastos, 1986; Barbu, 1981). A história brasileira não é compreendida em termos de ruptura, conflitos, mudanças bruscas. Ela é vista como uma história pacífica, tranqüila, integradora das diferenças. A narrativa de Freyre, assim que percebe conflitos, produz a sua dissipação. Os conflitos são percebidos, não são escamoteados, mas administrados. [...] Aqui, o senhor é ameno com o escravo, o branco com o negro e o índio. Mas essa amenidade, ao invés de apagar a diferença, intensifica-a. Se o escravo se rebelar, o senhor esquecerá as suas boas maneiras. É uma interpretação do Brasil válida enquanto continuamos uma sociedade conservadora. (REIS, 2000, p. 80).

Embora não formulada por Freyre, e sim por Florestan Fernandes, a “Tese da democracia racial” é, de várias maneiras, percebida em seu trabalho. De acordo com o autor, a formação histórica do povo brasileiro, resultaria de um diálogo com os autores do século XIX, como Nina Rodrigues, Manoel Bomfim, Oliveira Viana e outros, em um debate temático, tendo como base a constituição do povo, do caráter, da amalgama racial que se operava no país a este tempo.
Gilberto Freyre questiona as interpretações e rejeita as afirmações que se fundam na inferioridade de uma raça sobre outra – discurso em voga naquele momento histórico. Também questiona a debilidade biológica e cultural, resultante do caldeamento racial entre brancos, indígenas e africanos, e para tanto já no capítulo IV irá citar uma série de pesquisadores e cientistas que trataram do assunto, para embasar sua propositura.
De acordo com nosso autor, a sociedade brasileira em sua composição, será afetada por três elementos: o patriarcado, a inter-relação das etnias e culturas e o trópico, sendo que, para ele, todos os elementos tinham igual peso. Neste sentido, estes elementos seriam os elementos formadores da nossa nacionalidade.
Gilberto dirá que a miscigenação não é só racial, como também cultural, e esta só será possível com a característica especial em nosso território, porque será nos trópicos. Há também na constituição da sociedade nacional um embate entre duas tendências, um princípio dual: uma “erudita” e outra “rústica”, com base patriarcal formada pela confluência da monocultura e das relações sociais, o que não acontecerá em outras conquistas portuguesas. A presença de uma sociedade sedentária que requer uma família ampliada.
Para Freyre, a relação de senhores e escravos impede a existência de conflito, por força desta forte relação menos racial do que cultural do africano no Brasil. Sua tese continua se opondo ao racismo, resgatando o negro dando ênfase ao papel civilizador[1] por ele representado, como partícipe da formação do povo brasileiro, operando simultaneamente no processo de mestiçagem e no de difusão e incorporação do aparato cultural do “estoque” africano, isto é, há uma absorção de seus usos e costumes pelos brancos, que reconhecem a adaptabilidade dos mesmos à realidade tropical.
A profunda influência dos africanos no Brasil chegou até mesmo ao nível da fala, modificada e amolecida pelos escravos, dando um novo ritmo e musicalidade à língua portuguesa. Apresenta traços psicológicos como a bondade, a alegria do negro, a higiene, a alimentação, os costumes. Propõe rupturas interpretativas em debates com os racistas que anti-cientificamente ressaltam a inferioridade de uma raça sobre as culturas africanas. O autor cita dois exemplos: os sudaneses, que estavam mais avançados que os portugueses; e os maometanos que eram letrados e técnicos no trato com a cultura açucareira.
Porém esta relação irá apresentar um impasse, pois mostrará uma desigualdade real no tratamento.
Para Freyre – em sua abordagem sobre os negros – o chamado “racismo científico” é uma tentativa de conferir a discriminação racial um cunho legal, visando dar credibilidade ao branco. No entanto, nosso autor negará esta tese, contrariando Oliveira Viana, que propunha o branqueamento como meta para que a sociedade tivesse um reflexo político positivo, com imigração de povos adaptados ao meio e ao clima, proporcionando “caldeamentos felizes”.
Nos estudos – simplistas e conservadores – daquele período, os negros ficavam à margem da lógica explicativa. Gilberto Freyre os coloca no centro de suas atenções. O escravo negro, o maior e mais plástico, tinha uma maior capacidade de adaptação ao clima. Sua cultura trazia um elemento psicossocial, o traço dionisíaco, a sagacidade, a religião mística, dominando a cozinha, a vida sexual, as profissões técnicas, a música, alterando a língua, amante e confidente.
Em Freyre o aparente dominado foi o dominante, em uma metamorfose dando um salto em relação ao racismo. E é no seio da família patriarcal que se dá o amalgama das culturas: a casa-grande é o cenário político para esta realização dos “antagonismos equilibrados”. O complexo “casa-grande e senzala” é o símbolo das relações sociais. É ancorada na senzala que a casa-grande ganha força social e que irá permitir o triunfo do patriarcalismo, frente a Igreja e face ao Estado que estava além do mar.
Aparece segundo Freyre uma relação sem conflitos. A casa-grande é o cadinho de raças e de culturas.
Porém Freyre não estará isento de criticas, dirão alguns que ele usa a diversidade sem pensar que ela esconde a desigualdade, que separa duas coisas que são inseparáveis no âmbito social.
No entanto, em geral, Casa-Grande & Senzala recupera o papel dos marginais da história: o escravo negro, a mulher, o menino, o amarelinho anti-herói diante do patriarca, o “grande herói civilizador”.
Nosso autor, ao analisar esses três pilares de nossa formação, quer mostrar que existe uma especial combinação no Brasil, talvez um de seus mais importantes traços: aqui os extremos tendem a conciliar-se. Os títulos dos dois primeiros livros são ilustrativos dessa intenção: casa-grande e sobrado simbolizam dominação; senzala e mocambo, subordinação, submissão. O "&" entre as duas palavras significa interpenetração.
Sua obra traz o elogio do domínio patriarcal e do mandonismo político em uma sociedade agrária, que a ascensão da sociedade urbana, da economia industrial e da democracia política acabaria por dissolver.
Ao término de nossa análise, podemos nos perguntar: em que sentido seu estudo é importante nos estudos sociais e na interpretação do Brasil? Diríamos que ela foi fundamental, pois ele conseguiu assim a façanha teórica de dar caráter positivo ao mestiço. Antes vista com misto de horror e vergonha, a mestiçagem se converte, em Gilberto Freyre, em fusão harmoniosa de raças e culturas e em valor a ser preservado, por garantir a especificidade e originalidade do brasileiro diante de outros povos.


Referências Bibliográficas
CARDOSO, Fernando Henrique. Prefácio. In FREYRE, Gilberto. Casa Grande & Senzala. 51ª Ed. São Paulo: Global, 2006.

FREYRE, Gilberto. Casa Grande & Senzala. 51ª Ed. São Paulo: Global, 2006.

REIS, José Carlos. As identidades do Brasil: de Varnhagen a FHC. 3. ed. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas Editora, 2000.


[1] Gilberto Freyre acredita que muitos escravos fugidos desempenharam ação civilizadora, já que em alguns casos eles foram responsáveis por propagar entre os índios, antes de missionários brancos, a língua portuguesa e a religião católica.




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