História do Brasil e do Mundo
Diário de Notícias (Salvador, 1875)
O vespertino Diário de Notícias veio a lume em 13 de março de 1875, em Salvador (BA), pelas mãos do português Manuel da Silva Lopes Cardoso. Com título e modelo visual inspirados no jornal homônimo lisboeta, foi lançado com dificuldades: sem contar com o capital necessário para a compra da tipografia, seu fundador teve de recorrer a amigos que se dispusessem a fazer assinaturas antecipadas do periódico ou a pagar por espaço publicitário no mesmo ? assim, a impressora foi cedida a crédito pelo comendador Manuel Brandão. O órgão nasceu, então, com caráter estritamente comercial e foi, em seus primeiros momentos, noticioso, independente de qualquer grupo ou partido político, ao contrário do restante da imprensa de sua época. Isso não o impedia de ser, no entanto, estritamente conservador. Após trocar de propriedade inúmeras vezes, chegou a pertencer finalmente aos Diários Associados de Assis Chateaubrind na década de 1940; após a morte deste, seu fechamento se deu no final de dezembro de 1979 ? apesar de um período uma sobrevida entre 1980 e 1981.
Durante a gestão de Lopes Cardoso, o Diário de Notícias foi editado de forma precária, em quatro páginas. Metade de suas edições vinha com noticiário geral de ênfase local, nacional e internacional, com a publicação de telegramas, e com romances em folhetim; a outra metade, com anúncios variados. Essa fórmula foi mantida mesmo após a morte de Cardoso, em 23 de junho de 1887, quando a direção e a redação do vespertino passaram a Eduardo De Vecchi. Contudo, nesta segunda fase, que durou de 1887 a 1898, pela primeira vez o jornal se engajara politicamente, atacando fortemente o governo de Rodrigues Lima na Bahia, acusando-o de corrupção. Segundo Consuelo Novais Sampaio, em verbete sobre o periódico no ?Dicionário histórico-biográfico brasileiro pós-1930?, ?Esses ataques recrudesceram quando da duplicação do Legislativo estadual (março 1895), resultado de acirradas disputas entre as facções políticas locais? (p. 1847).
O Diário de Notícias passou a ser, enfim, uma folha política e partidária quando se iniciou sua terceira fase, em 1898: momento em que foi arrematado por um grupo que tinha o conselheiro Luís Viana, então governador baiano, como liderança. Sendo a partir de então o principal acionista do jornal, que se transformara num mero porta-voz do governo, Luís Viana não teve, entretanto, grande apoio na política local. Consuelo Novais Sampaio expõe:
Os efeitos da crise econômica de 1896-1897 e o fracasso de sucessivas expedições militares enviadas pelo governo para combater Antônio Conselheiro e seus seguidores, em Canudos, foram fatores decisivos na forte oposição que a burguesia agrocomercial manifestou em relação ao governo estadual. Em decorrência, o prestígio e a carreira política de Luís Viana entraram em colapso, arrastando o Diário de Notícias, que deixou de circular em fins de 1900. (p. 1847)
A fase vianista do Diário de Notícias acabou durando somente cerca de dois anos, findando com o término do mandato do governador e resultando, conforme Sampaio, no fechamento do jornal. No entanto, o silêncio da folha duraria poucos anos. Em 1902 o vespertino desativado foi vendido ao coronel Vicente Ferreira Lins do Amaral, que o colocou novamente em circulação em 16 de março de 1903, sob a direção de José Luís Marques e com Virgílio de Lemos na chefia da redação. Pela primeira vez, então, o jornal passara por reformas: foram adquiridas uma rotativa e um aparelho de dobrar junto à firma alemã Koening and Bauer, renovando-se também o maquinário de estereotipia.
Iniciando sua quarta fase enfim com oito páginas por edição, o Diário de Notícias tinha na figura de Virgílio de Lemos, homem de letras e jornalista conhecido entre a elite baiana, seu ícone; sua presença, ao lado de nomes como Afrânio Peixoto, Castro Rebelo, Xavier Marques e Aristides Milton, resgatava os brios da folha, dotando-a de ares combativos, politicamente engajados. Segundo Consuelo Sampaio, destacaram-se então no diário campanhas como
(?) aquela voltada contra a Campanha Circular, responsável pelos transportes urbanos em Salvador. Os títulos dos editoriais então publicados ? ?Fora a chicana!? e ?Eis o gato??, por exemplo ? dão uma medida da combatividade do jornal na denúncia de privilégios outorgados àquela companhia e de irregularidades na composição da sua diretoria. Na campanha para a sucessão presidencial de 1909-1910, o Diário de Notícias identificou-se com o civilismo de Rui Barbosa, atacando, em contrapartida, a candidatura do marechal Hermes da Fonseca. Com a vitória do marechal Hermes e subsequente ascensão de J. J. Seabra ao governo da Bahia, o jornal assumiu feição oposicionista, amenizada por uma pretensa atitude de neutralidade. (p. 1847)
Em 1919 o jornal passou a se mostrar mais vigorosamente contrário ao governo de Seabra, aproveitando um movimento que então articulou forças oposicionistas locais. Para a presidência da República, o periódico tornou a defender Rui Barbosa, nas eleições onde, no entanto, Epitácio Pessoa saiu vitorioso. No plano internacional, todavia, o Diário de Notícias veio a adotar uma postura política que não pode se dissociar de fatores econômicos. A elite comercial baiana ? da qual o vespertino ainda era representante ? era extremamente dependente de iniciativas privadas alemãs. Sendo mesmo Vicente Ferreira Lins do Amaral um germanófilo, a folha vinha apoiando a Alemanha na Primeira Guerra Mundial. Com o envolvimento brasileiro no conflito ao lado da Tríplice Entente e o embargo ao comércio alemão, o comércio baiano entrou em crise. O Diário de Notícias sentiu isso de modo particular, portanto, no mesmo ano de 1919 acabou sendo vendido a uma sociedade anônima composta por altos comerciantes locais, que colocaram o até então redator-chefe do jornal em sua direção: o professor Altamirando Requião, auxiliado por Antônio Marques dos Reis (como secretário de redação) e Hermano Santana (tesoureiro).
Sob a batuta de Requião, que com o tempo se tornaria o único dono da empresa editora do Diário de Notícias, a quinta fase do vespertino foi um momento de guinada em seu fôlego. Ainda na oposição, provocando polêmicas e sempre disposto a apontar as irregularidades no governo, o jornal conquistou a sociedade letrada baiana. Esse caráter, no entanto, enfraqueceu após 1924, quando da entrada de Francisco Marques de Góis Calmon, da corrente opositora, no governo baiano. Identificando-se com o grupo no poder, o jornal deixou de ser vibrante.
A partir do final da década de 1920, o Diário de Notícias, governista, passou a demonstrar inconformidades com relação à Aliança Liberal e ao desenrolar do processo que levou à Revolução de 1930. Mas sua postura dependeria do desenrolar dos acontecimentos. Conforme o movimento liderado por Getúlio Vargas ganhou corpo, o vespertino passou a apoiá-lo. Consuelo Novais Sampaio sintetiza o período da seguinte forma:
A princípio, o jornal manifestou descrença e mesmo escárnio diante da atuação dos aliancistas ao tempo em que defendia a salvaguarda da ordem estabelecida. Editorial de fevereiro de 1930 ? ?Sairá desta vez a revolução apregoada?? ? garantia que a revolução não se concretizaria jamais (?). Após as eleições de 1º de março, que deram a vitória à chapa Júlio Prestes-Vital Soares, o Diário de Notícias reafirmou seu apoio ao governo constituído e assegurou que os liberais já estavam conformados com a derrota. A partir de 4 de outubro, apenas noticiou a eclosão de movimentos armados, no Norte e no Sul do país, dando destaque às ?grande providências do governo federal para a defesa das instituições? e manifestando orgulho pela presteza com que, na Bahia, se organizava a reação contra os revoltosos. Mas a 24 de outubro, consumada a deposição e a prisão do presidente Washington Luís e instalada a junta governativa, o jornal anunciou em grandes letras vermelhas a vitória da revolução, congratulando-se com as manifestações do povo baiano que, ?ordeiro e brasileiríssimo, vibra de entusiasmo pelas ruas?. Sob o título ?A grande revolução?, o editorial do dia seguinte indicava que, numa guinada de 180 graus, o Diário de Notícias passara a apoiar os novos donos do poder. (p. 1848)
Apesar de sua nova fase governista, em menos de um ano após a revolução o Diário de Notícias já entrava em choque com o governo de Arthur Neiva na Bahia, no tocante à tentativa de centralização das exportações de cacau no porto de Salvador. A medida, que ia de encontro à tendência centralizadora do novo governo e visava maior controle alfandegário, afetava diretamente os produtores e exportadores de cacau de Ilhéus, cidade que, por concentrar a produção do fruto, também o exportava. A rigor, os artigos do jornal, defendendo a descentralização junto à opinião pública, pesaram a favor da decisão pela continuidade de descentralização. Mas, excluindo-se esse episódio, no plano estritamente político, os governos que vieram em seguida foram aplaudidos pelo Diário de Notícias, que se transformara, então, numa folha de defesa da legenda da situação, o Partido Social Democrático (PSD). Nesse sentido, foi amplamente favorecido o mandato de Juraci Magalhães, líder do PSD local, que durara de setembro de 1931 a novembro de 1937.
Neste período o Diário de Notícias esteve no centro de uma polêmica local envolvendo a Igreja. Em 1933, pela publicação de denúncias de fundo moral contra um padre, secretário do arcebispo local, Altamirando Requião fora processado e condenado à prisão. Isso só não ocorreu por um recurso interposto junto ao Tribunal de Justiça da Bahia.
As relações do vespertino com o poder local, ajudando a suportar as elites no governo através do PSD, se deram também no sentido eleitoral. Aproveitando a força que um canal de comunicação como o Diário de Notícias representava, Magalhães chagou a lançar Altamirando Requião como candidato a deputado federal para as eleições de outubro de 1934 ? ocasião em que o dono do jornal fora o mais votado para o cargo, na Bahia. O fim do mandato de Juraci Magalhães e o golpe que resultara no início do Estado Novo em 1937 não alteraram a orientação do periódico.
A conjuntura política que favorecia a manutenção da situação no jornal, ao contrário do que possa parecer, não significou um período de bonança. Aluísio de Castro, que à época havia assumido o cargo de gerente da folha, passou a fazer oposição ao interventor Landulfo Alves, que entrara no poder em 1938. Ao embaraço que essa postura provocou se juntaram as dificuldades para a importação do material necessário à produção do vespertino, ocasionadas pela eclosão da Segunda Guerra Mundial. Assim, no final de 1939 o Diário de Notícias fora vendido por Requião a Antônio Balbino de Carvalho Filho e a Rafael Spinola.
Apesar de se encontrar em nova fase, no desenrolar da Segunda Guerra Mundial, pelos mesmos fatores que anteriormente ? a estreita relação da elite comercial baiana com firmas alemãs, sobretudo quanto à exportação de cacau e fornecimento de manufaturados usados pelas classes mais altas no estado ?, o vespertino deu total apoio às forças do Eixo. Houve, nesse movimento, um aumento na tiragem do jornal. No entanto, novamente, quando o Brasil declarou guerra à Alemanha e nações filiadas, em 1942, a situação se mostrara desfavorável ao Diário de Notícias. Populares indignados chegaram a invadir as oficinas do periódico, danificando-as. Isso, no entanto, não impediu a folha de circular: Antônio Balbino recorrera ao coronel Franklin Lins de Albuquerque, que já havia sido seu avalista na compra da empresa. O militar, então, articulou a impressão temporária do diário nas oficinas de O Imparcial, de sua propriedade.
Por trezentos contos de réis, em 1943 o Diário de Notícias foi vendido a Assis Chateaubriand Bandeira de Mello, que o incorporou aos Diários Associados, colocando Odorico Tavares em sua direção. Politicamente, portanto, o periódico passou a seguir a cartilha da cadeia, ou seja: mantinha-se conservador, ligado à manutenção da elite no poder ? apoiando, por exemplo, o golpe militar em 1964. Contudo, nesta fase, a folha se destacara na esfera cultural, com grande incentivo às letras e às artes visuais.
No final de 1979 o Diário de Notícias acabou fechando, vítima da crise que assolara os Associados. Na época, o Grupo Nordeste, de Pedro Irujo, havia comprado a TV Itapoã e a Rádio Sociedade, que também pertenciam ao Condomínio Associado ? a negociação, entretanto, deixou o jornal de fora. A 8 de novembro de 1980 seu título foi adquirido por um pequeno grupo que, reformulando-o editorial e graficamente, o colocou de novo em atividade. Apesar de seu caráter popular, dando ênfase ao cotidiano policial baiano, a empreitada não obteve respaldo e alguns meses depois, o diário fechou as portas definitivamente.
Curiosamente, foi durante a gestão de Chateaubriand que o Diário de Notícias sofrera uma de suas raras modernizações gráficas, no caso, a segunda, quando, em 1958, passou a usar uma rotativa Goss. Quando extinto, em 1979, era o único jornal de Salvador a não ser impresso em sistema off-set.
Fontes:
? SAMPAIO, Consuelo Novais. Diário de Notícias (Salvador). In: ABREU, Alzira Alves et al. (Coord.) Dicionário histórico-biográfico brasileiro pós-1930. Rio de Janeiro: Editora FGV; CPDOC, 2001. Vol. II.
? SODRÉ, Nelson Werneck. História da imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966.
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