O troco dos nazistas: depois da revolta, ameaças, deportação e provável destruição do gueto
Entre julho e setembro do ano passado, mais de 300.000 judeus foram deportados do Gueto de Varsóvia para o Campo de Concentração de Treblinka, lacônico ponto final de vidas humanas localizado à beira do rio Bug, a 72 quilômetros da cidade. Desde então, os cerca de 60.000 remanescentes - em sua maioria homens e mulheres ainda saudáveis, já que idosos e crianças foram enviados para a morte em Treblinka e a fome ceifou os restantes - trataram de organizar sua resistência. O resultado foi a criação da Zydowska Organizacja Bojowa ("Organização da Luta Judaica"), também conhecida pela sigla ZOB), que, havia meses, vinha infiltrando armas no gueto. No último 21 de janeiro, finalmente, numa ação surpreendente e quase suicida, elas pela primeira vez dispararam contra os captores nazistas.
Uma coluna de judeus a ser despachada para Treblinka descia a rua Niska, em direção à estação de trem, quando de súbito os virtuais condenados acossaram seus vigilantes com revólveres e granadas. Liderados por Mordechai Anielewicz, os homens em fuga montaram sua trincheira em uma casa próxima, com atiradores impedindo a aproximação de soldados do Reich. Refeitos da surpresa, os tedescos acabaram por incendiar a edificação, em ataque sobrevivido por apenas um dos revoltosos. No lado germânico, 12 soldados foram assassinados.
Além dos homens de Adolf Hitler, os integrantes da ZOB voltam-se também contra as odiadas forças da Polícia Judaica, covarde corporação formada pelos próprios integrantes da comunidade hebraica e controlada pelos nazistas, para quem fazem trabalhos sujos em troca de privilégios....
Sede de lutar - Evidentemente, a resistência não pode visar a libertação total do gueto ou a destruição do aparato nazista no local, infinitamente maior e melhor aparelhado que o clandestino agrupamento judeu. Com essas ações, além de talvez adiar um destino que parece irreversível, a ZOB pretende pavimentar o caminho para um final digno dos judeus em Varsóvia, pontuado por orgulho e esperança. "A batalha na rua Niska nos encorajou. Pela primeira vez desde a ocupação vimos os alemães colados às paredes, engatinhando no chão, correndo para se cobrir, hesitando antes de dar um passo, com medo de ser atingido por uma bala judia. Os gritos dos feridos nos deram alegrias e aumentaram nossa sede de batalha", escreveu numa carta Tuvia Boryskowski, integrante do grupo.
Heinrich Himmler ordenou ao general Jurgen Stroop que liquidasse o Gueto de Varsóvia até no máximo meados de fevereiro. O chefe da SS, porém, parece estar subestimando a cólera que toma conta dos judeus, por todas as atrocidades contra eles cometidas, e que incita a resistência contra os nazistas. Nos últimos três anos, cantos como "Os judeus viverão para acertar as contas, os judeus sobreviveram e perdurarão" eram entoados em Varsóvia. Além disso, há a suspeita que bunkers tenham sido construídos pelos judeus nos subterrâneos do gueto. Por tudo isso, dificilmente Stroop conseguiria entregar sua lição de casa na data pedida. E a punição de mestre Himmler, um dos arquitetos da solução final, não deve ser caracterizada pela clemência.
Revista Veja na História