Thor: uma análise dos mitos e crenças sobre o deus nórdico do trovão
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Thor: uma análise dos mitos e crenças sobre o deus nórdico do trovão


Dando continuidade ao projeto iniciado com o estudo sobre o rei dos deuses escandinavos ou nórdicos, Odin. Agora prossigo para falar sobre esse importante e icônico deus. Bastante conhecido no Ocidente principalmente pelas histórias em quadrinhos da Marvel Comics. Contudo, a ideia desse texto assim como foi com Odin, é conhecer os aspectos míticos sobre Thor, assim como entender as crenças e ritos feitas pelas pessoas que o adoravam.

Etimologia:

O nome Thor ou Þórr em nórdico antigo, assim como Donar, Dunnar, Þunraz, Þunor, Taranis, Tuireann, etc., possuem a mesma origem etimológica, que significa "trovão". A própria palavra thunder é uma variação de "thunor". Tal fato é interessante, pois reforça e reafirma o fato de Thor ser o deus do trovão, raios, relâmpagos e tempestades. 

A aparência do deus: 


O Thor dos mitos e o deus que era cultuado antigamente, não era louro e de barba feita, como ficou marcante sua representação pela Marvel Comics e em outros quadrinhos. Embora alguns desenhistas já retratem o deus nórdico do trovão com barba, mesmo assim, sua aparência e roupas não se assemelham ao que seria na época de seu culto na Idade Média. O verdadeiro Thor era ruivo e barbudo. 


Desenho retratando Thor como ruivo e barbudo, assim como era descrita sua aparência nos mitos e poemas. Embora as vestes não condizem com os trajes dos vikings da época. 
Alguns poemas falam que Thor conseguia provocar vendavais e tempestades sem precisar usar o seu martelo, ele apenas balançaria ou sopraria sua barba vermelha. Para Davidson [2004] a ideia da barba ruiva, estaria associada ao céu avermelhado diante dos clarões dos trovões, ou do início de tempestades. Além de ser ruivo, o deus era descrito como sendo alto e musculoso, possuía uma voz grave (algo que remeteria ao som das trovoadas), e em alguns poemas se conta que ele teria olhos vermelhos. 

Conhecendo Thor: 

Embora o deus do trovão fosse uma divindade bastante cultuada pelos escandinavos, a história de sua origem não é bem detalhada, pelo menos nunca se encontrou até hoje mais informações que detalhem sua origem. Sabe-se que ele era filho de Odin e da deusa da terra Jörd. Contudo, sua mãe é uma deusa pouco expressiva no panteão escandinavo, mencionada poucas vezes nos poemas eddicos. Jörd era filha dos deuses Annar e Nótt (deusa da noite), além de ser meia-irmã de Aud e Dag. Os melhores relatos sobre sua procedência advém da primeira parte da Edda em prosa, chamada Gylfaginning escrita por Snorri Sturluson no século XIII. Mesmo assim, a deusa é mencionada brevemente, e, além de estar associada a terra, também estaria ligada a fertilidade e a natureza. 


Desenho representando a deusa Jörd e o pequeno Thor. 
Jörd teria sido uma amante ou concubina de Odin, contudo Thor foi criado na casa do pai, o Palácio Valhala. De fato, nos poemas que contam os antigos mitos, não temos notícias da relação dele com sua mãe, mas apenas com seu pai e outros deuses. Thor acabou se tornando o mais poderoso dos deuses nórdicos e um dos mais temperamentais.

Os poemas nos revelam que o deus era bastante temperamental, as vezes perdia a paciência facilmente e partia para a agressão. Além disso, ele era beberrão e guloso, bravo e aventureiro. Thor era o campeão dos deuses, constantemente os mitos nos contam que ele estava de viagem a Jotunheim, a terra dos gigantes (jotuns), a fim de confrontá-los. Thor embora não fosse um deus da guerra como Tyr e Odin, mas era um guerreiro nato, as pessoas invocavam seu nome pedindo força, coragem e proteção, como será visto mais adiante. O deus dos trovão era um guerreiro que vivia atrás de aventuras e de batalhas, algo diferente do caráter de Odin, o qual em geral procurava conhecer as pessoas, se disfarçando para coletar informações, para instruir ou enganar. 


"De todos os deuses, Tor é o herói mais característico do tempestuoso mundo dos vikings. Barbudo, franco, indomável, cheio de vigor e energia, ele põe toda a sua confiança em seu braço forte e suas armas simples. Ele caminha a passos largos pelo reino norte dos deuses, um símbolo apropriado para o homem de ação". (DAVIDSON, 2004, p. 61). 



Desenho retratando Thor atravessando um rio, enquanto os demais deuses cavalgavam pela ponte arco-íris Bifrost. 
Na Edda em prosa e na Edda poética (conjunto de poemas escandinavos de autoria anônima), conta que enquanto os deuses desciam de Asgard cavalgando pela Bifrost, indo se reunir na gruta do Poço de Urd (local associado a previsão do destino e lar das deusas do destino, as Norns), para participarem de reuniões, era dito que Thor seguia viagem a pé, atravessando rios, campos, florestas, montanhas, etc. E geralmente ele vinha do Leste, onde ficava localizado Jotunheim. Além disso, pelo fato de Jörd ser a deusa da terra, essa era considerada a guardiã de Midgard, o lar dos homens, logo, Thor também passou a ser visto como um guardião da humanidade, algo importante a se mencionar, pois isso marca alguns aspectos do culto a esse deus. 

Nas eddas, Thor é conhecido principalmente por dois epítetos, diferente de seu pai que possuía dezenas de nomes, o deus do trovão possui poucos nomes, sendo os mais conhecidos: Ásathor e Ökuthor. A palavra Ásathor significa "Thor dos Aesir", pois os deus escandinavos estavam divididos em duas famílias, os Aesir e os Vanir. Por sua vez, Ökuthor significaria algo como "Thor o cocheiro" ou "Thor o condutor", pois alguns mitos contam que o deus costumava voar pelos céus numa carroça puxada por dois bodes negros, chamados Tanngnjóst ("dente triturador") e Tanngrisnir ("dente perfurador"). O som das rodas da carruagem seria associado aos trovões, e ao mesmo tempo a passagem do deus pelos céus, também era visto como prenúncio de tempestades ou das chuvas de primavera, que marcavam o início do plantio. 



Thor e sua carroça puxada por Tanngnjóst e Tanngrisnir.
Esposa e filhos: 

Embora viajasse constantemente para Jotunheim, ou se aventurasse por Midgard confrontando gigantes intrusos, Thor vivia em Asgard, a terra dos deuses, localizada na copa da grande árvore Yggdrasil, a qual conectava os nove mundos que formavam a concepção de universo para os escandinavos. Em Asgard ele vivia no grande Palácio Bilskirnir, considerado por Snorri como o maior de todos os palácios, no sentido de extensão, pois Valhala era o principal palácio em Asgard. 

"Governa o reino chamado Trúdvangar e seu palácio é chamado Bilskirnir. Naquela fortaleza há seiscentos e quarenta aposentos e ela é a maior morada conhecida pelos homens". (STURLUSON, 1993, p. 75). 


Thor era casado com a bela deusa Sif, uma das Aesir, embora não se saiba quem são seus pais. Sif é uma deusa pouco expressiva no panteão escandinavo, acredita-se que estivesse associada ao lar, a família, mas também pudesse está associada a algum culto a terra e ao plantio, pois alguns mitólogos sugerem que os seus cabelos dourados, seriam uma referência ao trigo. Snorri, fala que antes dela se casar com Thor ela tivera um filho chamado Uller (Ull ou Ullr), o qual é o deus da justiça e do julgamento. Ele também estava associado a agricultura e a caça. Não se conhece seu pai. 


"Ull, filho de Sif e adotado por Thor, é um outro deus. É tão hábil com o arco e flecha como com os esquis; com ele ninguém pode competir. Possui também uma sublime aparência e todas as características de um grande guerreiro. É indicado invocá-lo nos duelos". (STURLUSON, 1993, p. 82). 



A bela deusa Sif de cabelos dourados, era esposa de Thor. 
Com Sif, Thor tivera duas filhas, as deusas Lorride e Thrud. Sobre Lorride praticamente nada se sabe, seu nome é pouco mencionado nas Eddas, por sua vez sabe-se que Thrud estava associada ao clima, dizia-se que de acordo com seu temperamento o dia poderia ficar ensolarado, nublado ou tempestuoso. Tal fato, reforça a condição de ser filha do deus do trovão e raios. 


O anão Alvis e a deusa Thrud. A deusa era conhecida por ser tão bela quanto a sua mãe, e isso atraiu o anão Alvis, o qual tentou cortejá-la, mas Thor com ciúmes da filha, transformou o anão em pedra. Tal história é contada no poema Alvismál.
Além dessas duas filhas e do enteado, Thor teve dois filhos. Ele teve um caso com a giganta Járnsaxa ("espada de ferro"), conhecida por ser uma valente guerreira, e mencionada como uma das nove mães do deus Heimdal. Enquanto Sif representava a mulher dona de casa, esposa e mãe, Járnsaxa encarnava a mulher guerreira, a amante e a companheira de aventuras. As informações que possuímos através dos poemas e dos mitos que chegaram até nós, não nos revelam detalhes sobre a família dessa giganta ou o seu relacionamento com Thor, apenas se menciona ela como amante do deus e mãe de um de seus filhos. 
A giganta Járnsaxa representada numa carta de um tipo de tarô.
Com essa giganta, Thor tivera um filho chamado Magni ("Força"). Diz-se que Magni é tão forte quanto o seu pai, como foi atestado no mito que conta o confronto entre Thor e o gigante Hrungnir, o qual acabou tombando morto sobre Thor, mas este não conseguiu se levantar, então os deuses tentaram erguer o gigante, mas apenas o pequeno Magni que na ocasião era uma criança, conseguiu erguer uma das pernas do gigante, para que seu pai saísse debaixo do cadáver. 

O outro filho de Thor chamava-se Modi ("Coragem"), embora praticamente nada se saiba sobre ele. Alguns atribuem Modi como sendo filho de Járnsaxa, porém, os mitólogos apontam que nas fontes não há menção de quem fosse a mãe de Modi. De acordo com as Eddas, tanto Modi e Magni conseguiriam sobreviver ao Ragnarök, e herdariam o poderoso martelo de seu pai. Os dois seriam alguns dos poucos deuses que sobreviveriam a batalha final. 

Os cabelos de Sif e a criação do martelo Mjölnir:


Os mitos nos contam que o deus possuía três preciosos objetos, os quais eram seus tesouros. Um dos tesouros era o cinto Megingjord, o qual consistia num "cinto de força", ou seja, quando o deus usava o cinto, este lhe aumentava a força. Uns dizem que isso lhe duplicaria a força, outros falam que o cinto aumentaria em dez vezes a sua força. O segundo tesouro eram as luvas de ferro chamadas de Járngreipr, que dizia-se que com estas luvas, o martelo jamais escorregaria das mãos do deus. Contudo, o maior tesouro que Thor possuía era o seu martelo de cabo curto, chamado Mjölnir o qual se tornou um símbolo de seu poder, de seu culto e de sua própria representação seja mitológica ou atualmente na cultura pop. De fato, o Thor dos quadrinhos não usa o cinto e as luvas de ferro, apenas o martelo. 


Mas, para conhecermos a origem do icônico martelo que conjurava trovões, raios e tempestades, e que esmagava o crânio de gigantes, primeiro devemos saber a ligação de Sif com essa história. 


Tudo começou quando certa vez Sif se encontrava dormindo, Loki na ocasião decidiu pregar uma peça de mau gosto, então com uma faca ele cortou os longos e belos cabelos da deusa, e fugiu dali. Sif quando acordou notou que seus cabelos estavam curtos, ela que possuía uma grande admiração por estes, pôs a cair em choro, então cobriu a cabeça com vergonha. Quando Thor retornou para casa, foi procurar sua esposa e a encontrou muito triste, quando lhe foi revelado o ocorrido, ele ficou furioso e perguntou se Sif tinha ideia de quem havia feito aquilo. Ela mencionou que talvez fosse obra de Loki, pois ele era conhecido por pregar travessuras. 



A deusa Sif cochilando, enquanto o traiçoeiro Loki se aproximava para lhe cortar os cabelos. 
Thor furioso, partiu para encontrar Loki. Ele não matou o mesmo na ocasião, pois este pediu clemência por sua vida, e prometeu que iria conseguir os cabelos de Sif de volta. Ao mesmo tempo, Odin entrou na discussão e disse que Loki também teria que recompensar os deuses com presentes, neste caso ele teria que dar presentes para Thor, Freyr e o próprio Odin. Tendo essa difícil tarefa em mãos, o ardiloso Loki partiu para encontrar alguns anões, os quais eram famosos por serem os maiores artífices e ferreiros do mundo. 


Loki procurou dois anões chamados Brokk e Eitri, conhecidos como filhos de Ívaldi. Os anões no primeiro momento se recusaram a aceitar o pedido de Loki, mas ele apostou sua vida naquilo, para que os dois fizessem três preciosos tesouros. Os anões disseram que fariam os tesouros que Loki pediu, mas também fariam seus próprios presentes para os deuses. Os dois irmãos aceitaram o trato e começaram a trabalhar, mas o ardiloso Loki se transformou num mosquito e começou a atrapalhar o trabalho de Brokk o qual era responsável por coordenar o fole que aquecia a forja, enquanto Eitri realizava o restante do trabalho. Loki não querendo que os anões o enganassem, fabricando tesouros ruins, começou a ameaçar o serviço de Brokk. A ideia de Loki era impedir que os presentes dos anões fossem melhores dos quais eles faziam para ele. 

Num primeiro momento eles criaram um javali com a crina de ouro, então continuaram a trabalhar enquanto Loki transformado em mosquito picava a mão, o pescoço e as pálpebras de Brokk. No final os anões criaram seis presentes, sendo que três foram dados por Loki e os outros três dados por eles dois.
Os anões Brokk e Eitri, Loki e os presentes feitos por ele, em destaque o martelo Mjölnir. 
Loki deu uma majestosa lança chamada Gungnir a qual dizia que jamais erraria o alvo, a presenteando a Odin. Para Thor ele deu os cabelos de ouro para sua esposa, e para o deus Freyr (irmão de Freya) representante dos deuses Vanir, este recebera o navio Skidbladnir o qual dizia-se que nunca faltaria vento para aquele navio, desde que as velas fossem içadas, e além disso o navio poderia ser encolhido, a ponto de ser guardado no bolso ou em uma bolsa. 

Por sua vez os anões deram a Odin um anel de ouro chamado Draupnir, o qual a cada nove noites, ele se multiplicava, criando anéis idênticos. Para Freyr eles deram o javali de crina dourada (Gullinbursti), o qual possuía o poder de correr pelos ares e sobre a água. Por fim, os anões deram para Thor um martelo de cabo curto, chamado Mjölnir o qual se tornou a principal arma e símbolo do deus dos trovões e raios. Os três deuses consideraram o martelo o mais precioso dos presentes.

Réplica de um martelo usado no culto a Thor. O martelo representa Mjölnir o qual nos mitos dizia que possuía um cabo curto, ficando justo na mão.
O martelo concedeu imenso poder a Thor, canalizando suas forças, de forma a lançar raios, e ao mesmo tempo esmagar inimigos, pedras e montanhas. Além disso, os mitos contam que Thor arremessava o martelo e este sempre retornava a sua mão. Contudo, diferente das histórias em quadrinhos, outras pessoas conseguiam erguer o martelo, tal fato fica evidente quando o Mjölnir foi roubado uma vez. 

O roubo do martelo: 

A história do roubo do martelo é contada no poema Thrymskivida (Þrymskviða) na Edda poética. Neste poema, certo dia Thor acordara em seu palácio e notou que o seu martelo não se encontrava no lugar onde havia deixado. Ele começou a procurar pelo martelo, e tardando a não encontrá-lo, suspeitou que o mesmo havia sido roubado. Na ocasião de sua busca ele encontrou Loki e lhe contou o ocorrido. Embora Loki cause problemas aos deuses, ele também em alguns momentos os ajuda. 

Loki tivera um palpite, então os dois seguiram até o Palácio Folksvang, o lar da deusa Freya, a maior importante das Vanir. Freya era considerada a mais bela das deusas, bastante semelhante a Afrodite dos gregos, pois ela também era uma deusa do amor, do sexo, da sensualidade, da fertilidade, etc. 

A bela deusa Freya. 
Loki pediu uma capa de penas de falcão para a deusa, esta emprestou, e assim Loki pôde voar pelo céu, seguindo até Jotunheim onde ele descobriu o lar do gigante Thrym, o qual era bem rico, possuindo vários cachorros que guardavam sua propriedade, além de possuir vários cavalos. O poema não explica direito como Loki sabia que Thyrm havia roubado o martelo, mas este questionou o gigante acerca do martelo de Hlórridi (um dos epítetos de Thor). O gigante respondeu que havia pego o martelo (embora não saibamos como ele conseguiu adentrar Asgard, invadir Bilskirnir e roubar o martelo) e o escondera nas profundezas da terra. Para devolvê-lo ele pediu em troca a deusa Freya, para que pudesse tomá-la como esposa. 

De volta a Asgard, Loki narrou a conversa com Thyrm, Thor decidiu procurar Freya e a obrigou a vestir o vestido de noiva e seguir para se casar com o gigante. A deusa se enfureceu e arrebentou seu preciso colar chamado Brisingamén. A deusa retrucou solicitando que um conselho dos deuses fosse convocado para se decidir tal questão, e assim foi feito. Durante o conselho o deus Heimedal sugeriu que Thor se vesti-se de noiva e fosse recuperar seu martelo, o poderoso deus retrucou contra, e nunca aceitaria se vestir de mulher, porém Loki intercedeu e disse que aquela era a solução a ser tomada. Thor acabou aceitando a condição. 

Thor sendo vestido de noiva por duas deusas, enquanto os gatos da deusa Freya o observam. No canto direito podemos ver Loki espionando a cena. Aparentemente parece está achando graça daquilo tudo. 
Após Thor se vestir de noiva, colocando enchimento para parecer os seios, assim como cobriu seu rosto e barba com um longo véu. Loki também decidiu ir junto para ajudá-lo, assim ele se transformou numa mulher, passando a dizer que seria uma serva de Freya e estava sendo enviada para entregar sua senhora ao gigante Thrym e para levar o martelo de volta. 

Loki ajusta o véu de noiva de Thor. 
Thor e Loki subiram na carruagem do deus do trovão e os dois bodes os levaram pelos ares até Jotunheim, chegando lá avistaram que uma grande festa de casamento havia sido preparada, e Thyrm aguardava com seus familiares e amigos a chegada da sua noiva. O local estava cheio de gigantes, os quais comiam e bebiam a vontade, pois Thyrm se gabava de ser bastante rico. Quando os dois chegaram no local, Thor se pôs a comer e a beber. O poema diz que o deus comeu um boi inteiro, oito salmões e bebeu três odres de cerveja. Thrym e os demais convidados ficaram espantados com aquilo, que mulher possuía tamanho apetite? Loki respondeu que a "deusa" não se alimentava e não bebia a oito dias, pois estava apreensiva pelo casamento, logo tinha muita fome.

Ao chegar perto da noiva, o gigante notou que ela tinha olhos vermelhos, e achou aquilo estranho. Loki disse que os olhos "dela" estavam vermelhos pois ela estava com insônia e não dormira direito nestes últimos dias, pois tinha pressa em chegar. Thyrm mandou chamar sua irmã e que ela trouxesse o martelo para usá-lo como símbolo de consagração de seu casamento. A giganta chegou trazendo o martelo e o entregou a noiva, de posse de seu martelo o deus sentiu seus poderes retornarem, então retirou o vestido de noiva e partiu para a vingança matando todos os gigantes e gigantas da festa.

Thor prepara-se para matar Thyrm. Loki e os demais convidados assistem o ato. 
Para alguns mitólogos esse mito teria sido escrito na época que o Cristianismo adentrou a Escandinávia, e teria sido uma forma de desmoralizar o deus Thor, mostrando que seu martelo foi roubado e que ele teve que se vestir de mulher para recuperá-lo. Contudo, outros mitólogos acreditam que esse mito seja uma metáfora para ligar o martelo como um símbolo de força e virilidade do deus, e quando este o perdeu, acabou perdendo estes atributos, daí o fato de se vestir de mulher, pois o martelo foi associado a um símbolo fálico. 

A viagem a Útgard:

A viagem de Thor a Útgard a qual é descrita neste mito como sendo a capital de Jotunheim é uma das histórias mais curiosas sobre o deus do trovão, pois nessa narrativa, Thor é enganado pelo rei gigante Útgard-Loki. Além disso, nessa história, também conhecemos mais um pouco do temperamento e orgulho do deus. Essa história não consta entre os poemas que formam a Edda poética, contudo na Edda em prosa, Snorri a narrou em detalhes. Irei resumir os acontecimentos aqui, pois tal mito ocupa algumas páginas do livro de Snorri. 


Thor e Loki seguindo viagem a Jotunheim. 
Não se sabe ao certo os motivos da viagem, mas Thor e Loki estavam viajando por Midgard, até que certo dia próximo de anoitecer, Thor avistou uma fazenda, e lá foi pedir abrigo ao dono do local. Ele e Loki se reuniram a família do fazendeiro o qual possuía um filho chamado Tjálfi e uma filha chamada Röskva. Em algumas versões é dito que os dois irmãos são crianças, e outras eles aparecem como sendo adolescentes. A esposa do fazendeiro serviu o jantar, mas Thor como costumava comer bastante, sacrificou os seus dois cavalos (algumas versões dizem que foram os dois bodes negros), então os pois para assar, contudo, dissera que apenas a carne poderia ser consumida, a pele e os ossos deveriam ficar intactos. 

Contudo, o fazendeiro e Tjálfi quebraram um dos fêmur de uma das pernas. No dia seguinte, usando o seu poder Thor reviveu os dois animais, mas o que havia tido o fêmur partido, renasceu manco. Aquilo irritou o deus e o mesmo ameaçou matar toda a família, mas eles pálidos de medo, diante da face tempestuosa do deus ruivo, começaram a suplicar por misericórdia. O deus aceitou como ato de misericórdia, que Tjálfi e Röskva fossem lhe entregue, para que se tornassem seus servos. O fazendeiro aceitou a oferta.


A partir desse acontecimento os quatro seguiram viagem para Jotunheim até que certa noite, em meio a um bosque avistaram o que parecia ser a entrada de um grande palácio (ou uma grande caverna), onde lá passaram a noite. No dia seguinte, ouvindo um som alto e estranho, o deus saiu para investigar então encontrou ali perto um enorme gigante dormindo. Ele era bem maior do que o comum e se chamava Skrymir


Os quatro consentiram em seguir viagem ao lado desse gigante e no entardecer, ele voltou a dormir, mas antes de o fazê-lo dissera que eles poderiam comer da comida que ele guardava em sua bolsa. Contudo, o poderoso Thor não conseguiu desatar os laços da bolsa, e isso o irritou ao ponto de atacar Skrymir. Thor por três vezes o golpeou na cabeça, mas nada aconteceu com o gigante. Nas três ocasiões, Skrymir acordou e voltou a dormir, achando que as pancadas fossem folhas ou frutas que havia caído das árvores. Thor ficara perplexo em ver que seus poderes não causavam dano aquele gigante.



Thor prepara-se para disferir uma martelada na cabeça de Skrymir, enquanto Loki, Tjálfi e Röskva assistem a cena. 
No amanhecer, Skrymir disse que Thor e os demais teriam que ter cuidado quando chegassem a Útgard, pois o rei Útgard-Loki e seu exército eram bastante poderosos.

"Mas se chegardes até Útgard, observareis que homens maiores existem lá. Dar-vos-eis um conselho, porém: não vos comporteis de modo arrogante; os soldados de Útgardi-Loki não tolerarão arrogâncias de insignificantes como vós". (STURLUSON, 1993, p. 106). 


Skrymir os aconselha a desistir de seguir viagem, porém Thor mantém a palavra de continuar a seguir para Útgard, assim Skrymir disse que não iria acompanhá-los, então se despede deles e segue em direção ao norte, pois a cidade de Útgard ficava para leste. Os quatro viajantes continuaram seu caminho e ao meio-dia chegaram diante de uma enorme fortaleza, com portões tão altos que quase se perdia de vista. Thor tentou abrir a gigantesca porta, mas mesmo sua poderosa força não foi capaz de fazê-la, então eles encontraram brechas na porta e por ali adentraram a fortaleza e lá dentro encontraram um grande palácio, ao chegarem numa enorme sala, onde havia vários gigantes sentados em bancos diante de uma longa mesa, eles avistaram em um trono, o rei Útgard-Loki. 



Útgard-Loki observa os quatro visitantes. 
"Em seguida, chegaram ao rei Útgard-Loki e o saudaram, mas isso ocorreu um pouco antes de que ele os notasse. Ele sorriu sarcasticamente para eles e disse: 'Novidades viajam lentamente através de longas distâncias, ou estarei incorreto ao afirmar que este fedelho seja Ökuthor? Creio que deves ser mais forte do que pareces. Quais habilidades pensam tu e teus companheiros dominar? Não permitimos que alguém que não domine alguma arte ou possua algum conhecimento permaneça entre nós". (STURLUSON, 1993, p. 107).

Nesse ponto da história notamos que o gigante feriu o orgulho de Thor e também de Loki. O curioso desse mito, é que embora Thor fosse famoso por ser um assassino de gigantes, Utgard-Loki e seus homens não aparentavam medo, e começaram a duvidar se o deus ruivo realmente era forte e teria realizado os feitos que se contavam. Thor indignado com aquela afronta decidiu provar seu valor, assim os gigantes propuseram desafios. Irei resumir o acontecimento.


O primeiro desafio foi dado a Loki, o qual disse que conseguiria comer mais rápido que qualquer um dos gigantes. Ele iria competir contra o gigante Logi ("Fogo"). Os dois se sentaram nas pontas da mesa e começaram a devorar toda a comida que havia sobre esta, mas no fim Logi conseguiu vencer a competição. 


O segundo desafio foi proposto a Tjálfi o qual disse que poderia participar de uma corrida, pois era conhecido por ser um exímio velocista. Assim, todos foram para o campo nos arredores da fortaleza, e Tjálfi correria contra o gigante Hugi ("pensamento"). Após três tentativas, Tjálfi perdeu as três para Hugi. 


Por fim, chegou a vez de Thor. Útgard-Loki propôs três desafios para o trovejantes deus. O primeiro seria beber cerveja em um chifre, o mais depressa possível. O gigante disse que os bons bebedores, o faziam apenas em um trago. O copeiro retornou com um enorme chifre cheio de cerveja e o entregou ao deus o qual se esforçou para beber o mais depressa possível, mas quando notou, praticamente não havia bebido nada. O deus tentou mais duas vezes, mas também não conseguiu esvaziar o corno e nem se quer beber um terço do seu conteúdo. O gigante disse que o pior dos gigantes bebia aquilo em apenas três goles, e o formidável Ásathor não conseguira fazer isso. 



Thor durante a competição de esvaziar o corno com cerveja. 
O segundo desafio, era erguer o grande gato de Útgard-Loki, o qual ele dizia que os seus homens faziam isso como se fosse brincadeira de criança. Então um grande gato cinza (as vezes ele é retratado como sendo preto), apareceu diante de Thor. Então o deus o segurou pela barriga e fez força para erguê-lo, mas o bichano parecia ser pesado como uma montanha. Depois de algumas tentativas, o deus notou que conseguiu apenas erguer uma das patas do felino. Aquilo o enfureceu.
Thor tentando levantar o gato gigante de Útgardi-Loki. 
"Útgardi-Loki disse: 'Isso se seguiu como eu suspeitava. O gato é bastante grande, mas Thor é baixo e pequeno comparado a qualquer homem que aqui se encontra'. Thor disse: 'Podes chamar-me de pequeno, mas permita que um dos seus venha a combater comigo, pois agora estou em fúria'". (STURLUSON, 1993, p. 111). 

Útgard-Loki aceitou a proposta, mas disse que o deus não estava a altura de combater nenhum de seus soldados, e ao invés de designar algum dos guerreiros mais fracos, pois o rei gigante desdenhava da força de Thor, ele designou sua madrasta, a velha Elli para combater em um combate desarmado com o deus do trovão. 



Thor confrontando a giganta Elli.
Após desferir vários ataques contra a velha giganta, a mesma parecia que não sentia dor com nenhum daqueles golpes. Thor perplexo com aquilo, continuou a atacar com mais força, mas com apenas um tapa da giganta ele caiu no chão desnorteado com o que aconteceu. Útgard-Loki encerrou a luta e considerou que o deus havia sido derrotado. Ao mesmo tempo ele completou dizendo que se o poderoso Thor não conseguia derrotar uma velha, do que dizer confrontar os seus guerreiros. 

O rei disse que os quatro viajantes poderiam passar a noite em seu palácio, e no dia seguinte eles foram saudados com um farto café da manhã, antes de irem embora. Já fora da fortaleza Útgard-Loki se pôs a contar toda a verdade, tudo o que havia ocorrido era uma farsa, ele havia usado magia para enganá-los. Primeiro ele contou que o gigante Skrymir na realidade era ele sob outra forma. As três pancadas que Thor havia desferido, na realidade foram dadas numa imensa rocha e não na cabeça do gigante. Útgard-Loki apontou para uma pedra que se encontrava destruída após as marteladas.


O gigante Logi na realidade era o "Fogo", logo, o fogo consome tudo em seu caminho, e seria impossível para Loki derrotá-lo. Isso é curioso pois Loki era considerado o deus do fogo, e como ele poderia perder para o elemento que ele estava atribuído?


O gigante Hugi, era na realidade o pensamento de Útgard-Loki transfigurado, logo, nada é mais rápido que a velocidade do pensamento (pelo menos na época dessa história assim se acreditava). 


O corno de cerveja que Thor tentou beber, na realidade não contia cerveja, mas estava ligado ao mar. Daí o deus esforça-se para esvaziá-lo, mas ninguém conseguiria "beber o mar", contudo Thor conseguiu fazer o nível do mar baixar um pouco, algo que surpreendeu Útgard-Loki. O gato gigante na realidade era a Serpente de Midgard, chamada Jormungand, a qual foi transformada naquele felino. A serpente era a maior criatura do mundo, e Thor conseguiu erguer uma parte dela, um feito incomparável. Por fim, a giganta Elli era a "Velhice", logo, nenhum mortal consegue confrontar a velhice a qual é a mensageira da morte, mas Thor conseguiu resistir bastante tempo contra a mesma e se empenhou em derrotá-la. 


"E quando Thor ouviu esta história, agarrou seu martelo e brandiu-o nos ares; mas, no momento em que estava para desferir o golpe, não mais viu Útgard-Loki. Então, voltou-se para a fortaleza com intenção de destruí-la, e não mais a viu - somente vastas e belas planícies". (STURLUSON, 1993, p. 114).


Esse mito é interessante pois ele é ambíguo: numa hora, o deus é feito de tolo, mas no fim descobre-se que realmente ele era poderoso como se dizia. Aqui podemos notar que a ideia do mito era mostrar que realmente Thor era poderoso, mas os contadores dessa história se valeram de algum artifício poético, para dá um tom de suspense e cômico a trama, mostrando um deus fraco, mas que na realidade era forte, mas havia sido enganado pelo uso da magia. A magia é uma fato recorrente na mitologia escandinava e na religião destes povos. 


A pescaria de Jormungand:

Jormungand era um dos três filhos de Loki com a giganta Angrboda. Ele possuía a forma de uma gigantesca serpente, daí ser conhecido pelos epítetos de a "Serpente do Mundo" ou a "Serpente de Midgard". Jormungand era irmão do gigantesco lobo Fenrir e da deusa dos mortos, Hel. A medida que ele começava a crescer rapidamente, Odin temendo os problemas que ele viesse a causar, o lançou as profundezas do oceano. Neste caso temos que saber que os escandinavos consideravam que o mundo fosse circular e plano, e houvesse um vasto oceano circular, daí alguns mitos falarem que Jormungand era tão grande que conseguia contornar este oceano e morder a própria cauda.


Jormungand, a Serpente do Mundo. 
No texto sobre Odin, vimos que Fenrir estava predestinado a matar o rei dos deuses durante o Ragnarok, logo, no caso de Jormungand, ele estava predestinado a confrontar Thor numa luta de vida ou morte. Mas, antes disso acontecer, houve uma ocasião que o ruivo deus tentou antecipar o confronto, indo atrás da gigantesca serpente. 

Existem várias versões sobre o mito, mas a versão da Edda em prosa é uma das mais conhecidas, possuindo detalhes que outras versões não possuem. Nesta história fala-se que Thor partiu de Asgard para encontrar o gigante Hymir o qual se dizia ser pai de Tyr, o deus da guerra. Thor assumiu a forma de um jovem e foi encontrar o gigante. Ele aguardou o amanhecer para se apresentar a Hymir. Quando este acordou, após se vestir e se alimentar, seguiu para o seu barco, na ocasião Thor foi falar com ele, pedindo que pudesse acompanhá-lo na pescaria, mas Hymir relutou em concordar, pois disse que o garoto era jovem demais, e era inexperiente, teria medo, fome e sentiria frio; apenas iria atrapalhá-lo. De acordo com Snorri aquilo irritou o deus, e o mesmo quase desferiu uma martelada no gigante. Temos que nos lembrar que o deus em geral tinha pouca paciência com aqueles que o contrariavam.


Hymir acabou aceitando o pedido do rapaz e disse para ele arranjar sua própria isca. Thor foi até a manda de bois do gigante, e procurou pelo maior boi, o qual era chamado Himinhrjót, então ele matou o animal e lhe cortou a cabeça, a levando consigo. Os dois seguiram viagem pelo mar; Hymir remava velozmente, e logo chegou ao local que costumava pescar linguados, mas Thor pediu que eles fossem para mais longe; o gigante achou aquilo estranho, mas concordou, mas novamente o deus pediu para que fossem ainda para mais longe. Hymir disse que seria perigoso, pois poderiam se deparar com a Serpente de Midgard.


Ao chegar no local mais distante que haviam ido mar adentro, Thor soltou os remos e começou a preparar a linha de pesca, o anzol, e finalmente pregou a cabeça do boi neste, então o lançou nas águas, esperando que fosse bem fundo.



Gravura de um livro islandês do século XVII, retratando Thor jogando o anzol com a cabeça do boi Himirhtjót, enquanto o gigante Hymir o observa. 
"A serpente de Midgard mordeu, então, a cabeça do boi e o anzol imediatamente se prendeu a sua boca; quando isso ocorreu, ela repuxou tão violentamente que os punhos de Thor se chocaram contra o barco. Thor se enfureceu e elevou tanto sua força divina que suas pernas vazaram pelo fundo do bote e seus calcanhares se enterram no fundo do mar. Trouxe, desse modo, a serpente a bordo, e deve ser dito que ninguém jamais presenciara visão mais amedrontadora do que aquela em que Thor fixava seus olhos na serpente, que o encarava de volta, babando veneno". 

Hymir ao ver a terrível criatura ficou com tanto medo que por um momento ficou sem reação. Thor puxou a cabeça da serpente para fora da água, então com a outra mão brandiu seu martelo e preparou para desferir um golpe, mas Hymir reagindo contra o medo, levantou-se e cortou a linha, libertando o monstro. Thor chegou a lançar Mjölnir, mas este apenas atingiu as ondas que a serpente deixou para trás. Revoltado pela covardia e intromissão do gigante, Thor o golpeou e o matou. 



Hymir cortando a linha que prendia Jormungand. 
Ficando frustrado com o ocorrido, o deus remou de volta até terra firme e foi embora. Contudo, o conflito derradeiro entre deus e monstro só viria a ocorrer no Ragnarok. Mas essa segunda história, novamente revela a força do deus, pois por duas vezes ele conseguiu erguer a gigantesca serpente. Não obstante, existe, uma versão que diz que Thor não mata Hymir nesse momento, mas o teria matado em outra ocasião, quando em visita a casa deste, o deus acabou discutindo com o gigante e lhe arremessou uma taça com tamanha força, que ela rachou a cabeça do gigante, o matando. 

A morte de Thor: 



Os deus nórdicos não eram imortais como visto em outras mitologias, onde tais divindades eram eternas. Os deuses assim como as demais criaturas do universo eram mortais, logo, um dia iriam morrer, e o Ragnarok seria esse tempo. 


Os nórdicos interpretavam o Ragnarok como uma profecia de fim de mundo e de renovação, algo parecido com a ideia cristã de Apocalipse, mas com várias diferenças. Enquanto no Apocalipse cristão, a raça humana será exterminada pelos Quatro Cavaleiros do Apocalipse (Morte, Guerra, Fome e Peste), por monstros, pragas e desastres naturais, até que em fim seja exterminada, para que assim Jesus desça a terra, acompanhado de sua legião de anjos, para que inicie o Juízo Final. 

No caso do Ragnarok esse será marcado por nevascas e geadas, catástrofes naturais e uma grande guerra que se espalhará pelos nove mundos, matando muitos, inclusive alguns dos deuses. É dito que a raça humana seria quase aniquilada, pois dois ser humanos, um homem e uma mulher ainda conseguiram sobreviver, além disso, alguns deuses sobreviverão e voltaram a governar o universo e a raça humana continuará a existir. Em suma o Ragnarok não seria o fim derradeiro, assim como o Apocalipse bíblico não é o fim derradeiro, pois após este e o julgamento final, começarão os "anos de paz do Senhor na Terra". Sobre o prenúncio do Ragnarok Snorri dissera o seguinte: 


"Primeiro, chegará o inverno chamado Fimbulvetr. Neve cairá de todas as direções, haverá fortes geadas e ventos cortantes e o sol não terá mais valia. Três invernos como este haverá, sem que haja verões entre eles. Mas estes três outros invernos virão acompanhados de grandes guerras, ao redor de todo o mundo. Irmãos matarão irmãos por avareza e ninguém poupará pai ou filho de assassínio e incesto". (STURLUSON, 1993, p. 125-126). 

Será em meio ao caos do Ragnarok que Jormungand voltará a se erguer das profundezas do oceano, e cuspirá seu letal veneno sobre os combatentes e a terra, matando plantas e animais. E nesta ocasião em meio as chamas e gelo que consomem o mundo, Thor partirá para enfrentar seu inimigo derradeiro em sua última batalha. Os poemas não detalham o conflito épico, mas sabemos que a luta foi árdua, pois mesmo Thor com seus mortais raios e seu poderoso martelo, não conseguiu vencer facilmente a colossal criatura.


Thor confrontando Jormungand em sua batalha final. 
Após a terrível batalha, a grande serpente caí morta, contudo, o deus do trovão sai gravemente ferido da luta. Os poemas são categóricos em dizer que após vencer, Thor deu nove passos para trás e caiu morto. Pois não resistiu ao veneno de Jormungand. E dessa forma simples acaba sua vida, pois tanto o Voluspá, como a Edda em prosa e outros poemas, relatam o mesmo: nove passos ele deu, antes de cair morto. Assim ambos os inimigos chegam ao mesmo fim. 


Thor morto. Lorenz Frolich, 1895. 
O culto a Thor:

Até aqui vimos algumas características e histórias sobre a vida e os feitos do deus do trovão, mas agora passamos para conhecer o seu culto. A religião escandinava não era homogênea, dependendo do local ela tinha variações. Não obstante, não havia profetas ou livros que ditassem a doutrina e os dogmas, os ensinamentos eram passados oralmente, e os sacerdotes eram os responsáveis por manter os ritos vivos. A fé destes povos estava ligada a adoração de ídolos, oferta de oferendas e sacrifícios, realização de ritos em templos ou em locais abertos; a magia, a vidência, o respeito pela natureza, etc., estavam associadas a estas práticas. Isso é importante, pois Thor estava intimamente ligado a natureza em alguns aspectos de seu culto como será visto. 

"Diz-se que a figura do deus com seu martelo estaria presente em muitos templos, no fim do período pagão. Ouvimos falar mais das imagens de Tor do que dos outros deuses, e quando ele partilhava um templo com outras divindades ficava com o lugar de honra. São mencionadas ricas túnicas, e a ele seriam feitos sacrifícios de carne e pão em seus templos na Noruega. Seus adorados buscavam a orientação da imagem de Tor quando tinham de tomar decisões difíceis". (DAVIDSON, 2004, p. 63). 


Infelizmente muitas dessas estátuas e templos foram queimados pelos cristãos quando estes começaram a evangelizar a Escandinávia e as terras que os vikings habitavam. A evangelização começou a se intensificar por volta do ano 1000 e em 1300, boa parte dos escandinavos já eram cristãos, mesmo assim, havia locais onde o culto aos antigos deuses ainda se mantinha. 



Thor. Lorenz Frolich, 1907. 
Em alguns dos templos foram encontrados estátuas de Thor do tamanho de um homem e até mesmo maiores do que uma pessoa, estando este em sua carruagem puxada pelos dois bodes. Alguns relatos encontrados nos manuscritos Heimskringla e Flateyjarbók falam sobre estes templos e as estátuas. 

"Tor se sentava no meio. Era o que recebia a maior honraria. Ele era enorme e todo adornado de ouro e prata. Foram feitos arranjos para que Tor se sentasse em uma biga; ele estava esplêndido. Havia bodes, dois deles, atrelados à frente, muito bem amarrados. Tanto a biga quanto os bodes corriam sobre rodas. As cordas em volta dos chifres eram feitas de prata retorcida, e tudo era trabalhado com extrema habilidade". (DAVIDSON, 2004, p. 63 apud Flateyjarbók, I, 268). 


Nas sagas que contam a história do rei da Noruega, Olaf Tryggvason (c. 960-1000), o qual foi responsável por introduzir o cristianismo na Noruega, certa vez ele visitou um templo do deus Thor, onde um homem chamado Skeggi (talvez o sacerdote do local) pediu que o rei puxa-se a corda envolta dos chifres da estátua de dois bodes, ao fazer isso, a carruagem se movimentou. Skeggi disse que o rei havia feito uma homenagem ao deus, mas por essa época, Olaf já era cristão e aquilo o irritou, então ele ordenou a destruição dos ídolos e do templo. 


A carroça de Thor estava associada aos trovões, tempestades e possivelmente também a chuva. Nos poemas antigos, fala-se que quando o deus viajava em sua carroça, o céu se iluminava e tremia (trovões, raios e relâmpagos), ao mesmo tempo, alguns diziam que chuva caía na ocasião. Não obstante, há hipóteses de que Thor também estivesse ligado a primavera. Dizia-se que os gigantes de gelo eram os responsáveis por causar o inverno. Quando a primavera começava, as pessoas diziam que Thor havia mais uma vez derrotado os gigantes de gelo, os fazendo recuar para a fria e nebulosa Nilfheim, sua terra. 



Estátua de Thor e sua carroça. Islândia. 
"Não era apenas o poder de Tor sobre o trovão que se encontrava simbolizado dentro do templo. Vemos também em muitas passagens nas sagas um grande anel de ouro ou prata pelo qual juramentos eram feitos, e que era guardado nos templos onde Tor era venerado. Há evidências independentes de que esse anel era consagrado a Tor, pois em fontes irlandesas o 'anel de Tor' é um dos tesouros tirados do templo em 994. Antes disso, em 876, os líderes dinamarqueses pagãos na Inglaterra fizeram uma trégua com o rei Alfred e, de acordo com a Crônica anglo-saxônica (Anglo-Saxon Chronicle), teriam feito juramento a ele pelo anel sagrado". (DAVIDSON, 2004, p. 64).

No relato da Eyrbyggja Saga, conta-se que o anel, era na verdade um bracelete. Por sua vez, no Hauksbók falava que o anel pesava duas onças em prata, logo, seria um anel de dedo. Contudo, os historiadores acreditam que o anel de Thor fosse representado das duas formas, tanto como um anel convencional, como também um bracelete. 


O anel também estaria associado ao martelo Mjölnir no quesito da consagração. Nas sagas e nos poemas, vemos que Thor além de usar seu martelo como arma, ele também o usava para consagrar ou abençoar. Por exemplo, no Thrymskivida, o martelo seria usado para consagrar o casamento de Thrym com Freiya; na viagem a Útgard, Thor usou o martelo para consagrar os dois cavalos sacrificados, e no dia seguinte os ressuscitou; no funeral do deus Balder (meio-irmão de Thor por parte de pai), ele usou o martelo durante os ritos fúnebres. Davidson [2004], nos conta que em algumas assembleias como a Assembleia Geral da Islândia, as sessões se iniciavam no Dia de Thor, e neste local se encontrava uma imagem do deus, pois o mesmo estaria ali para presenciar e consagrar aquelas sessões. 


Outro símbolo associado ao culto do deus, eram os pilares e a terra. Pelo fato de Thor ser filho da deusa da terra, este elemento também fazia parte de seu culto. Nas sagas Landnámabók Eyrbyggja, nos fala que Thorolf Mostrarskegg ("Thorolf, o homem barbudo de Most") decidiu deixar a pequena ilha de Most e seguir para a Islândia, a fim de fugir da tirania do governo do rei Haraldo I da Noruega (também conhecido como Haroldo Cabelo Belo). Mas antes de partir, Thorolf foi consultar o deus Thor indo ao seu templo, a resposta foi favorável, e assim ele pegou os pilares ou colunas da cadeira do deus, levou consigo toras de madeira do templo e um punhado de terra que ficava sob o assento do deus.


Ao chegar nas Islândia antes de pisar em terra, ele jogou as colunas no mar, como forma de agradecer a viagem segura, e então, escolheu um lugar para construir sua casa e um novo templo ao deus.


"O templo é descrito em detalhes no quarto capítulo de Eyrbyggja Saga. Ele tinha colunas, com 'pregos do deus' nelas, o anel sagrado, uma vasilha sacrifical onde era despejado o sangue de animais sacrificados ao deus e imagens de Tor e outras divindades". (DAVIDSON, 2004, p. 65).


As colunas e a terra estariam associadas a deusa Jörd, mas tendo como intermediador o seu filho, o deus Thor. Para alguns mitólogos, as colunas seriam símbolos de fundação, de legitimação da criação de algo em algum lugar, e ao mesmo tempo, estariam associadas como forma de proteção, pois seriam uma ideia de ligação entre a terra e o céu, onde o deus morava. Indicações apontam que alguns dos pilares de madeira encontrados nos templos, possuíssem gravuras esculpidas nestes, podendo ser runas ou representações do próprio deus do trovão. Além disso, o Landnámabók menciona outras passagens, onde homens jogaram colunas de madeira ao mar agradecendo a proteção do deus. Pelo fato de Thor está associado as tempestades, os marinheiros costumavam orar pedindo sua proteção para que pudessem chegar em segurança aos seus destinos. 


Além disso, os carvalhos, especialmente os maiores e mais velhos eram associados ao culto do deus. De fato o carvalho era uma árvore sagrada para muitos povos europeus (vikings, gregos, romanos, celtas, francos, germanos, bretões, etc.). 

Os carvalhos solitários, os quais ficavam me meio a campos, eram alvos fáceis para os raios, daí é bem provável que as pessoas passaram a nutrir um pensamento de que aquela árvore estava ligada ao deus Thor, pois de alguma forma atrairia seus raios. Algumas cerimônias ao deus eram feitas diante de carvalhos ou bosque de carvalhos. Não obstante, o próprio deus Odin possuía alguns ritos ligados a essa árvore, especialmente sacrifícios humanos, onde homens eram enforcados e apunhalados com lanças, enquanto eram pendurados por cordas aos galhos desta árvore. 



Em 723, São Bonifácio derrubou um dos carvalhos dedicados ao deus Thor, e usou a madeira deste na construção de uma igreja. Os adoradores do deus consideraram aquilo uma ofensa
Outro artefato ligado ao culto do deus eram pregos de ferro. Arqueólogos encontraram algumas das colunas usadas nos ritos ao deus, possuindo pregos cravejadas nestas, além disso, relatos escritos no século XVII na região da Lapônia falavam que havia estátuas do deus Thor com pregos na cabeça e até mesmo uma pederneira. De acordo com Davidson [2004] essa ideia de pregos e pederneiras advêm do mito no qual conta a luta entre Thor e o gigante Hrungnir. 

"O gigante estava armado com uma pedra de afiar e um escudo de pedra. Quando Tor apareceu com trovão e relâmpago, jogou seu martelo em Hrungnir enquanto o gigante atirava a pedra contra ele. A pedra se despedaçou, e um pedaço pequeno ficou na cabeça de Tor. Supostamente, estaria lá até hoje". (DAVIDSON, 2004, p. 66).



Thor matando Hrungnir. Ludwig Piestch, 1865. 
"O estranho fato da pedra deixada na cabeça de Tor pode ser explicado pela prática lapônia de usar a cabeça do deus do trovão como uma fonte de fogo. A pedra de afiar do gigante chocando com o martelo do deus seria equivalente ao acender do fogo com pederneira de aço; e isso, por sua vez, representava o relâmpago". (DAVIDSON, 2004, p. 66).

Em alguns tempos do deus havia locais onde se acendia fogo, o qual era associado como se fosse um "fogo sagrado". Além disso, Thorolf quando demarcou seu terreno para construir sua casa e um templo a seu deus, ele usou fogo para demarcar a área. Contudo, o uso de fogo não era algo comum entre os vikings, provavelmente Thorolf o fez seguindo algum preceito ritualístico ligado ao culto do deus. 


Passamos agora para falar do martelo como símbolo do culto a Thor. Até aqui vimos que o martelo era a arma do deus, contudo, também era utilizado em rituais para consagração. Há indícios e relatos que apontam o uso de martelos ritualísticos na realização de casamentos, batismos (os cristãos não eram os únicos a batizar as crianças, vários povos antigos já realizavam essa prática), ritos fúnebres, inauguração de um templo, cerimônias, etc. De fato, relatos antigos apontam para a existência de martelos nos templos dedicados ao deus, e o uso dos mesmos em algumas cerimônias, contudo por volta do século X, os vikings já estavam acostumados a usarem pingentes em forma de martelo.


"De todos os simbolismos religiosos da Escandinávia da Era Viking, certamente o

martelo de Thor (mjöllnir: triturador) é o que possui a maior quantidade de referências literárias, tanto nas Eddas quanto nas sagas islandesas. Nestas fontes, podemos caracterizar o martelo de Thor em três significados principais: como instrumento ritual e mágico: o martelo consagra nascimentos, casamentos, mortes, funerais, juramentos; assegura propriedades; consagra a terra e a propriedade; propicia a ressurreição e a fertilidade da vida; símbolo fálico; marca de fronteira; usado para localizar ladrões; como arma: ele defende o mundo, os deuses e os homens contra as forças do caos; como instrumento: o martelo protege contra os elementos naturais (Bray, 2006: 5; Lindow, 1994: 489)". (LANGER, 2010, p. 15).

Motz [1997] conta que após o final da Era Viking, os povos escandinavos e germânicos ainda mantiveram em sua cultura aspectos ritualísticos que era relacionados ao martelo de Thor, mas neste caso eles usavam machados. Ele fala de machados sendo usados para consagrar banquetes, casamentos, colocados debaixo da cama, atrás da porta, arremessados no campo antes do plantio; machados colocados na proa dos barcos, machados arremessados para se medir a distância de terrenos, etc. Todas essas práticas, segundo Motz, são heranças desses ritos de atribuições ao martelo Mjölnir. Ele ainda complementa dizendo que algumas bandeiras e heráldicas traziam machados. 



Ilustração de um pingente em formato do Mjölnir. Pingentes assim foram bastante usados do século X até pelo menos o século XIII ou XIV.
Usar um pingente em forma de martelo poderia ser para o intuito de se pedir força para a batalha e ao mesmo tempo se pedir proteção na luta, proteção durante uma viagem, proteção contra tempestades ou outros perigos. O martelo de Thor foi associado por alguns historiadores e mitólogos ao crucifixo usado pelos cristãos. 

"Outras conexões relacionam Thor com o xamanismo, os ferreiros e os cultos de guerreiros, como em Horagales, na área lapônica, cujos tambores mostravam uma figura masculina com um martelo ou suástica (Lindow, 1994: 500). Desta maneira, não há como desvincular mjöllnir de ser tanto um objeto heróico, como mágico e protetor". (LANGER, 2010, p. 69).


Embora o martelo tenha se tornado um símbolo bastante conhecido em referência ao deus Thor e até mesmo aos seus equivalentes entre outros povos como Horagalles para os lapões; Donar para os germanos; e, Tunor para os anglo-saxões; não há indicativos que os vikings usassem martelos de guerra, e ao mesmo tempo, o antigo símbolo do trovão era o machado de duas lâminas ou machado duplo, tal símbolo ainda era encontrado por volta do século X em algumas pedras na Escandinávia e até em pingentes. Os historiadores e mitólogos cheguem a ideia de que o machado duplo evoluiu para o martelo Mjölnir, embora não se saiba quando isso aconteceu e o por quê de tal mudança. Por fim, fica a questão: porque Thor tinha como arma um martelo de cabo curto, e não um machado, ou uma espada, ou uma lança?


Motz [1997] comenta que é um mistério o emprego do martelo como artefato bélico, pois se olharmos para os outros deuses nórdicos, eles usavam lanças e espadas. Além disso, Thor em momento algum utiliza o Mjölnir para realizar atividades de ferreiro, artesão, etc. O martelo além de ser usado como arma, é usado em momentos ritualísticos como já vistos aqui. 

Contudo, Motz chama a atenção que entre os povos germânicos e outros povos antigos, havia a crença que os raios eram pedras incandescentes que caíam do céu. Logo, as pessoas procuravam por tais "pedras" para usarem como amuletos, fabricar armas ou ferramentas, pois tais "pedras do trovão" teriam "propriedades" mágicas. Nessa perspectiva, o martelo além de ser um instrumento de trabalho dos ferreiros, é também usado por artesãos e até mesmo nas pedreiras para se quebrar pedras. Estaria esse fato associado ao martelo, essa relação entre "arma e pedra do trovão"? Se pegarmos a mitologia grega, os raios de Zeus eram feitos por Hefesto ou por três ciclopes-ferreiros, os quais usavam martelos para forjar os raios do rei dos deuses. 

"Parece realmente que o poder do deus do trovão, simbolizado por seu martelo, se estendia sobre tudo o que tinha a ver com o bem-estar da comunidade. Ele cobria nascimento, casamento, morte e cerimônias funerárias e de cremação, e os juramentos feitos pelos homens. A famosa arma de Tor não era apenas o símbolo do poder destrutivo da tempestade e do fogo do céu mas também uma proteção contra as força do mal e da violência. Sem ela, Asgard não poderia mais ser protegida dos gigantes, e os homens contavam com ela também para lhes dar segurança e garantir a regra da lei". (DAVIDSON, 2004, p. 70). 



Thor em uma ilustração para o jogo Age of Mythology
Um aspecto ainda a ser mencionado sobre o deus é que existem hipóteses de que ele também estaria associado aos mortos. No poema Hárbarðsljóð, um dos poemas que compõe a Edda poética, trata do diálogo entre Thor e o barqueiro Hárbard, o qual na realidade era Odin disfarçado. Thor precisava atravessar o mar, mas Hárbard se nega a ajudar o deus e começa a lhe fazer perguntas e a zombar dele. Em uma desses zombamentos, ele dissera que Odin recebia em Valhala as almas dos nobres (jarl) e dos valorosos guerreiros, quanto a Thor esse ficaria com os homens comuns (karl) e os escravos (thrall). Além dessa breve menção, outros poemas também sugerem o mesmo, embora os relatos sejam poucos, poderia haver a possibilidade de que aqueles que não morressem como honrados guerreiros no campo de batalha para irem para Valhala ou Folksvang, ou não morressem de doença, velhice, acidente e assassinato para irem a Helheim, então poderiam ir para Bilskirnir, a morada de Thor?

Ainda hoje Thor é lembrando semanalmente em algumas parte do mundo, pois a quinta-feira em língua inglesa é chamada de Thursday ("Dia de Thor"), em alemão fala-se Donnerstag ("Dia de Donar"), em dinamarquês e sueco se fala Torsdag ("Dia de Thor"). Tal fato se deve que quando os germanos, anglo-saxões e vikings adotaram o calendário juliano dos romanos, estes dividiam a semana em sete dias, nomeando cada dia com o nome de um deus, mas os germanos e os anglo-saxões preferiram adotar o nome de seus próprios deuses. 


Thor e o Cristianismo


Quando o Cristianismo começou a se espalhar a partir do século X pela Escandinávia, muitas pessoas relutaram em aderir a nova fé, preferindo continuar a adorar seus deuses, isso gerou desavenças entre os pregadores cristãos e a população pagã, e com o tempo, histórias começaram a surgir, envolvendo Thor. 

"O culto a Tor teve uma vida longa na Europa ocidental. No século XI, ele ainda era venerado com entusiasmo pelos vikings de Dublin, e no fim do período pagão era visto como o principal adversário de Cristo. Na Noruega, Tor é descrito participando em um cabo-de-guerra com o campeão de Cristo, o rei Olaf Tryggvason, sobre uma fogueira, enquanto na Islândia uma entusiástica adoradora dos velhos deuses contou a um missionário cristão que Tor tinha desafiado Cristo para enfrentá-lo em combate corpo a corpo". (DAVIDSON, 1987, p. 61).


"Poemas citados em Njáls Saga declaram que Tor levantou as tempestades que fizeram soçobrar o navio do missionário cristão Thangbrand. O poder de Tor sobre o mar poderia, claro, ter um uso mais positivo para beneficiar seus adoradores, como no caso em ele teria e encalhado uma baleia nas praias de Vineland em resposta às preces de Torhal, um dos exploradores. Torhal contou, garboso, aos seus companheiros: O barba-vermelha superou o seu Cristo! Fiz isso com minha poesia, que compus sobre Tor, em quem os homens confiam". (DAVIDSON, 2004, p. 71).


Mas se por um lado os pagãos tentavam tirar vantagem contra os cristãos, contando os feitos de seu deus contra Cristo, os próprios cristãos chegaram a assimilar alguns aspectos dos ritos a Thor. O pingente em forma de martelo foi comparado ao crucifixo como já mencionado; os pregos encontrados em colunas de madeira, ou em algumas das estátuas do deus, foram associados aos pregos usados na crucificação de Jesus; não obstante, o fato de Thor ser associado como protetor da humanidade (devemos ter em mente que nem todos os deuses eram bondosos) foi mais um aspecto usado para compará-lo a Jesus.  


Os epítetos do deus do trovão:

Diferente de seu pai que possuía vários nomes, Thor possuía poucos epítetos dentre os quais, alguns eu já mostrei aqui, mas voltarei a mencioná-los novamente e citar outros nomes.

  • Ásathor - "Thor dos Aesir"
  • Ökuthor - "Thor o cocheiro" ou "Thor o condutor"
  • Vingthor - "Thor que consagra"
  • Hleirródi
  • Véurr
NOTA: A deusa Jörd também é chamada pelos nomes de Fyörgyn e Hlódyn.
NOTA 2: Nas histórias em quadrinhos da Marvel Comics, Thor é filho de Odin e Gaea, a qual personifica tanto a deusa grega da terra, Gaia, assim como a própria Jörd.
NOTA 3: Nas histórias em quadrinhos a personalidade de Sif se aproxima mais da giganta Járnsaxa do que da deusa Sif em si. Pois nos quadrinhos Sif é morena e uma guerreira, diferente dos mitos, onde ela estava associada a família e a fertilidade da terra. No entanto, não é incomum encontrar em sites a menção errônea de que Sif fosse uma deusa guerreira e estando associada aos guerreiros. Isso não passa de um equívoco grosseiro, repetido por pessoas que não conhecem os mitos. 
NOTA 4: Os romanos quando conheceram o deus germânico Donar, o equivalente de Thor para esse povo, chegaram a compará-lo ao herói grego Héracles (Hércules em latim), pois Donar/Thor era um herói entre deuses e homens; depois o compararam ao deus Vulcano (Hefesto), pois o deus usava um martelo. O problema é que Vulcano era o deus do fogo, da forja e dos ferreiros. O martelo é uma ferramenta típica dos ferreiros. Então eles compararam o deus Donar a Júpiter (Zeus), pois ele era o deus dos trovões e raios. Todavia, hoje se fomos estudar tais comparações, Júpiter e Thor possuem mais diferenças do que semelhanças, estando ligados apenas pelo fato de serem deuses do trovão e dos raios. 

Referências Bibliográficas:
CANDIDO, Maria Regina (org.). Mitologia germano-escandinava: do caos ao apocalipse. Rio de Janeiro, NEA/UERJ, 2007. 
DAVIDSON, Hilda. O mundo dos deuses. Escandinávia. Lisboa, Editorial Verbo, 1987, p. 109-114. 
DAVIDSON, Hilda. O deus do trovão. Deuses e mitos no norte da Europa. São Paulo, Madras, 2004, p. 61-77. 
DAVIDSON, Hilda. Thor hammerFolklore, n. 76, 1965, p. 1-15.
EDDA Mayor. Tradução e notas de Luis Lerate. Madrid, Alianza Editorial, S.A, 1984.
LANGER, Johnni. Vikings. In: As Religiões que o Mundo esqueceu. FUNARI, Pedro Paulo (org.), São Paulo, Editora Contexto, 2009, p. 130-143. 
LANGER, Johnni. Símbolos religiosos dos Vikings: guia iconográficoRevista História, imagem e narrativas, n. 11, 2010.
LINDOW, John. Norse Mythology: A guide to the gods, heroes, rituals, and beliefs. New York, Oxford University Press, 2001.
LINDOW, John. Thor´s visit to ÚtgardalokiOral Tradition, n. 15, 2000, p. 170-186.
LINDOW,John. Thor´s hammarJournal of English and Germanic Philology, n. 93 (4), 1994, p. 485-503.
MOTZ, Lotte. The Germanic thunderweaponSaga-Book, n. 24 (5), 1997, p. 329-350.
NIEDNER, Heinrich. Mitología NórdicaTraducción de Gloria Peradejordi. Barcelona, Olimpo, 1997. 
STURLUSON, Snorri. Edda em prosa. Tradução, apresentação e notas de Marcelo Magalhães Lima. Rio de Janeiro, Numen, 1993. 

Links relacionados: 
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Loki: Uma análise dos mitos desse intrigante ser
Vida após a morte na mitologia escandinava
A Saga Viking





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Ana Carolina Prado 29 de julho de 2010 A humanidade sempre teve criatividade de sobra e inventou diversas formas de explicar os fenômenos naturais e os acontecimentos da vida. Dessas histórias saíam personagens e tramas um tanto interessantes ? e os...



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