Produzido pela BBC, em 2007, o vídeo “Racismo: uma história” tem a direção de David Olusoga, historiador britânico-nigeriano e documentarista premiado. Seus trabalhos para rádio e televisão têm explorado os temas do colonialismo, da escravidão e do chamado “racismo científico”. O documentário inicia-se com a imagem de esqueletos espalhados sobre a areia do deserto da Namíbia: lembrança do genocídio da população nativa pelo racismo dos colonizadores alemães. Apresentando imagens de arquivos e depoimentos de professores de universidades britânicas e africanas. o vídeo traça um amplo painel histórico do racismo do século XIX chegando até meados do século XX.
Veja o documentário “Racismo: uma história”
Desde as primeiras décadas do século XIX, ocorreram massacres contra populações nativas consideradas “inferiores”. Entre 1820 e 1832, a chamada “Guerra Negra” movida pelo racismo dos britânicos contra os aborígenes da Tasmânia, levou ao extermínio dos aborígenes. Na mesma época, fatos semelhantes ocorriam na África do Sul, no Canadá e na Argentina.
Teorias racistas
Em 1840, a obra do anatomista escocês Robert Knox, “Races of men” forneceu fundamentos para o racismo e justificou o extermínio:
“A raça é tudo: literatura, ciência, arte, em uma palavra, a civilização, depende dela. As raças negras podem ser civilizadas? Eu devo dizer que não. (…) A raça saxônica jamais as tolerará, jamais se miscigenarão, jamais viverão em paz. É uma guerra de extermínio”. (Roberto Knox, 1840).
Por essa época (1939), nos Estados Unidos, o anatomista Samuel George Morton, estudando os crânios de diferentes etnias concluía que a capacidade craniana determinava a capacidade intelectual e que os caucasianos por terem os maiores cérebros eram, portanto, mais inteligentes. Abaixo deles vinham os índios e, por último, os negros.
Morton usou essas “evidências” para defender a ideia de que o ser humano não tinha tido uma origem comum. Afirmava com racismo que cada raça fora criada separadamente e a cada uma foi dada características específicas e irrevogáveis. Assim, para ele, tasmanianos, africanos e índios americanos talvez nem chegassem a ser totalmente humanos.
Darwinismo social e eugenia
A obra de Charles Darwin, “A origem das espécies”, de 1859, com sua teoria da evolução natural, acabou servindo de álibi para justificar a expansão global da raça britânica. As ideias de Darwin foram usadas para explicar as sociedades humanas dando origem ao darwinismo social baseado na tese de que somente os mais aptos, os “superiores” vencem. Os “perdedores” estavam fadados a desaparecer. Muitas dessas raças ‘inferiores” seriam apenas lembradas como curiosidades, peças empalhadas em museus de Antropologia.
Árvore da Eugenia, metáfora do símbolo da evolução humana O cientista inglês Francis Galton, baseando-se na obra de seu primo Charles Darwin, propôs a seleção artificial para o aprimoramento da população humana através de casamentos seletivos entre brancos, unicamente. Nascia a eugenia, termo criado por Galton, em 1883, significando “bem nascido”. Suas ideias tiveram enorme repercussão e foram elogiadas no meio científico.
A eugenia parecia ser a solução para reverter o desequilíbrio social que, na época, ocorria, na Inglaterra. O forte crescimento demográfico das classes pobres frente à diminuição das classes mais ricas e cultas gerou o temor de uma “degeneração biológica”. Entre 1880 e 1930, a eugenia logo se transformou num movimento que angariou inúmeros adeptos entre a maioria dos cientistas e principalmente entre a população branca. Serviu de justificativa para o racismo e a repressão policial contra operários e os mais pobres. Falava-se em “raças criminosas”.
Pregações dos missionários cristãos de que “somos todos irmãos” foram vistas como ideias ultrapassadas. O poema “O fardo do homem branco”, de Rudyard Kipling, passou a ser considerado um romantismo obsoleto (veja artigo aqui).
A Grande Fome na Índia Britânica
As teorias do racismo foram aplicadas não somente nas novas colônias, mas também nas partes antigas do Império Britânico. Entre 1876 e 1878, a Índia foi afetada pelo fenômeno climático hoje conhecido como El Niño. As monções não vieram e a seca destruiu os cultivos. A população rural consumiu todas suas reservas alimentares e a fome se alastrou pelo país. Cerca de 8 milhões de camponeses indianos morreram de fome.
O que agravou a tragédia foi o fato dos britânicos terem desmantelado a agricultura tradicional que, durante séculos, evitava que a escassez se transformasse em fome. Os britânicos forçaram os agricultores indianos a plantarem trigo e algodão em larga escala para exportação acabando com a agricultura familiar de subsistência.
Para o vice-rei da Índia, Lord Robert Bulwer Lytton, a morte de milhões de agricultores pobres nada mais era do que parte da “seleção natural” em que sucumbiam os mais fracos. Ignorando a tragédia e sucumbindo ao racismo, Lytton concentrou-se nos preparativos da grandiosa festa de coroação da rainha Vitória como imperatriz da Índia, ocorrida em 1877.
Namíbia
Darwinismo social, eugenia e racismo científico serviram de justificativa para o que ocorreu na Namíbia, colônia alemã na África. Em 1904, o povo nativo se rebelou contra a brutalidade das autoridades alemãs. Em resposta, os alemães aprisionaram e escravizaram os hereros e namaquas em campos de concentração.
Somente na ilha de Shark, cerca de 3.500 indivíduos foram exterminados. Entre 1904 e 1907, o massacre extinguiu 80% da população nativa além da prática de tortura e do abuso sexual às mulheres sobreviventes.
O genocídio dos hereros e namaquas foi o primeiro do século XX e é precursor do extermínio que ocorreu no período nazista. Nessa época, o cientista alemão Eugen Fischer, defensor da eugenia, pesquisava a população de Rehoboth, pequena aldeia situada ao norte da Namíbia. Interessava-lhe encontrar provas de “degeneração racial” entre os 3.000 nativos miscigenados, isto é, nascidos de uniões mistas de alemães com africanos. Sua proposta para deter o avanço da “degeneração” era a esterilização dessa população.
O eugenismo nos Estados Unidos
O movimento eugenista ganhou força em 1912 com a realização do Primeiro Congresso Internacional de Eugenia, em Londres. As ideias eugenistas ganharam adeptos em vários países da Europa, Ásia, América Latina e, principalmente nos Estados Unidos e na Alemanha.
Em 1910, Charles Davenport, professor de Zoologia da Universidade de Chicago, obteve financiamento de grandes empresas americanas para fundar o Escritório de Registros de Eugenia (Eugenics Record Office, ERO) que teria a função de organizar a coleta de dados familiares. O movimento eugenista nos Estados Unidos crescia no mesmo período em que começavam a chegar levas de imigrantes do sul e do leste da Europa.
Para os eugenistas, tornou-se importante proteger “seus estoques genéticos populacionais dos degenerados e socialmente indesejados”, isto é, deficientes mentais, criminosos, delinquentes, deficientes físicos, infectados com doenças contagiosas etc.
Em 1930, leis de esterilização haviam sido aprovadas em 23 estados norte-americanos. Em 1938, mais de 30 mil pessoas haviam sido esterilizadas involuntariamente. Casamentos inter-raciais foram proibidos em 27 estados.
Alemanha nazista
Fundações americanas, como a Fundação Rockfeller, financiaram o desenvolvimento da eugenia alemã. Sob as ordens do governo nazista, Eugen Fischer, o mesmo que trabalhara na Namíbia, foi autorizado a esterilizar afro-alemães. Eugen Fischer em seu escritório em Berlim, 1938.
Tratava-se de uma minoria, entre 500 e 800 indivíduos, descendentes de alemães colonizadores e missionários que residiram nas colônias alemães da África e tiveram filhos com mulheres nativas. Após a Primeira Guerra Mundial, com a perda do império colonial alemão, alguns desses colonos voltaram à Alemanha com suas respectivas famílias. Essa população foi esterilizada incluindo 400 crianças e doentes mentais.
Quando a Segunda Guerra Mundial começou, em 1939, o governo nazista abandonou o programa de esterilização pelo extermínio daqueles considerados “indesejados” para a “pureza racial ariana”. O racismo nazista pode ser visto, dessa forma, como parte de um processo histórico mais longo que se desdobrava havia um século
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