Profissionais do Holocausto: o Khmer Vermelho, os nazistas e a banalidade do mal
Erich FollathHannah Arendt usou a frase "a banalidade do mal" para descrever Adolf Eichmann, o burocrata nazista que conduziu milhões de pessoas à morte. As semelhanças marcantes entre Eichmann e "Duch", o oficial do Khmer Vermelho que está em julgamento, indicam que a propensão ao mal é realmente universal.
No final de novembro, os argumentos finais foram apresentados no caso da comunidade internacional e da população do Camboja contra Kaing Guek Eav, mais conhecido como "Duch". Esse ex-oficial do Khmer Vermelho, de 67 anos, foi o comandante da mais famosa prisão e centro de torturas em Phnom Penh.
O veredicto desse julgamento espetacular deverá sair em breve. Quando os juízes de Phnom Penh o pronunciarem e, como se espera, Duch for condenado a várias décadas de prisão, a justiça terá sido feita. O agressor será trancafiado e um capítulo da história cambojana estará encerrado.
Mas o julgamento de Duch realmente representa um acerto de contas razoável para o passado do país, que viu quase um quarto de sua população ser vitimada pelo genocídio no terrível período entre abril de 1975 e janeiro de 1979?
Da mesma forma, há semelhanças entre os homens que mandam outros cometerem genocídio, um núcleo de mal absoluto que pode ser identificado em suas personalidades e suas carreiras? Nesse caso, os crimes contra a humanidade podem ser dissecados e classificados de modo a evitar sua recorrência?
Duch, que foi ora submisso, ora desafiador durante seu julgamento em Phnom Penh, parece depressivamente comum. Mas, examinado mais de perto, fica claro que ele realmente não é único. Na verdade, Duch parece um capanga nazista julgado em Jerusalém no início da década de 1960 por sua participação na morte de 6 milhões de judeus. De certa maneira, Duch é de fato um segundo Adolf Eichmann.
A vida desse oficial do Khmer Vermelho, os crimes que ele cometeu metodicamente, completamente despidos de compaixão, suas manobras durante o julgamento entre expressar remorso pelas vítimas e tentar escapar da responsabilidade alegando que não passou de um "dente na engrenagem" - tudo isso lembra muito o comportamento de Eichmann.
E, como o julgamento em 1961 do tenente-coronel das Stradivari - que, apesar das melhores intenções da promotoria e da grande atenção que provocou entre os afetados -, foi uma oportunidade histórica perdida, o julgamento de Duch em Phnom Penh em 2009 também ameaça terminar em fracasso.
Antigos paralelos
Kaing Guek Eav, filho de um agricultor, sempre foi um estudante modelo. Ele valorizava a precisão e a lógica; sua matéria preferida era a matemática. Para ele, a clara distinção que os ideólogos do Khmer Vermelho faziam entre uma vida útil e uma que merecia ser destruída era perfeitamente racional.
Uma geração antes, Adolf Eichmann exibia traços de personalidade parecidos. Filho de um contador da cidade de Solingen, no oeste da Alemanha, Eichmann não era um intelectual. Na verdade, deixou a escola cedo e depois abandonou um curso de mecânica. Mas foi esperto o suficiente para compreender que sua ascensão ao poder dependia de uma instituição - o "seu" Partido Nazista - que cuidava dele e à qual se dedicou incondicionalmente.
Nem Eichmann nem Duch jamais conheceram seus respectivos líderes supremos. Duch não conheceu Pol Pot, ou "o irmão número 1", e Eichmann nunca se encontrou com Hitler. Eles galgaram os degraus até atingir cargos de responsabilidade. Duch subiu de pequenos postos administrativos para se tornar comandante da prisão de Tuol Sleng, a principal prisão e centro de torturas do Khmer Vermelho depois de 1975.
Eichmann começou sua carreira como atendente de assuntos judeus, depois subiu na hierarquia e registrou os minutos da conferência de Wannsee em 1942; finalmente tornou-se o administrador técnico da "solução final" na Hungria. Nenhum lugar nos registros meticulosos mantidos pelos dois existe a menor evidência de que eles abrigavam dúvidas sobre seus atos. Ambos tinham certeza de estar cumprindo seu dever.
Paralelos tardiosOs paralelos entre os dois são espantosos. Mesmo quando seus respectivos mundos se desintegravam, eles continuaram se comportando como haviam feito enquanto cometiam assassinatos em massa: com sangue-frio, sem emoção e sistematicamente pesando suas opções.
Em janeiro de 1979, quando os vietnamitas invadiram o Camboja e puseram fim ao reinado de terror do Khmer Vermelho, Duch conseguiu escapar à captura. Então desapareceu e se converteu ao cristianismo. Mas parece muito improvável que estivesse realmente comprometido com sua nova fé. Na verdade, é mais plausível que estivesse usando sua conversão apenas como uma maneira de desorientar os juízes que viesse a encontrar neste mundo.
Em todo caso, Duch nunca considerou a possibilidade de se entregar às autoridades. Em 1999, um jornalista descobriu o ex-comandante quase por acaso. Confrontado com evidências de seu passado, Duch sabia que o jogo tinha terminado. Mas mesmo nos momentos em que sua verdadeira identidade foi revelada ele já depositava as bases para sua estratégia de defesa, dizendo: "Eu não queria ser nada além de um bom comunista".
Então Duch tornou-se um prisioneiro modelo. Passaria mais uma década antes que o primeiro-ministro cambojano Hun Sen, ele também ex-membro do Khmer Vermelho, abrisse caminho para um julgamento apoiado pela ONU.
Em 1945 Eichmann escapou de um campo de internamento americano e, com identidade falsa, trabalhou como madeireiro na região de Lüneburg, no norte da Alemanha. Com a ajuda de padres católicos, conseguiu escapar pela chamada "trilha dos ratos" para a Argentina.
Não havia dúvida de que o Vaticano sabia quem estava ajudando. Para Eichmann, a simples idéia de se entregar deve ter parecido absurda. Agentes israelenses finalmente o localizaram em 1960 em Buenos Aires, onde ele trabalhava como operário na Mercedes-Benz. Em uma operação secreta ousada, eles o sequestraram e o levaram para Israel.
Homens e monstros de famíliaCom suas próprias palavras, Eichmann descreveu uma noite com colegas de trabalho em 1944: "Fizemos uma refeição modesta, bebemos um copo de vinho húngaro com a comida e, durante a conversa, eu lhes disse que Himmler gostaria que os judeus de Budapeste fossem colocados em guetos e depois levados para Auschwitz".
Da mesma forma, graças a registros de vigilância de espiões israelenses, sabemos como era uma noite na casa de Eichmann na Argentina. O homem que mandou centenas de milhares de pessoas para a morte com um golpe de caneta tornou-se pai mais uma vez. Seu quarto filho era um menino, que ele aparentemente mimava.
"Ele levantou o menino, o girou no ar e depois engatinhou ao lado dele, de quatro. Os dois riram", disse Peter Malkin, um ex-agente do Mossad, o órgão de inteligência estrangeira de Israel que se envolveu na missão. Eichmann conseguia separar as coisas com grande precisão: em um momento podia ser um carinhoso homem de família; no próximo, uma máquina de aniquilar judeus.
Duch também teve quatro filhos. Sua filha mais jovem nasceu em 1978 - exatamente quando o pai ordenava que os últimos 14 mil prisioneiros de Tuol Sleng fossem executados nos campos da morte do Camboja. As crianças eram atiradas de cabeça contra árvores, enquanto os adultos eram espancados até a morte com barras de ferro. Duch queria economizar balas.
Sua vida de trabalho cotidiano também era semelhante à de Eichmann, mas Duch tinha contato mais próximo com suas vítimas e até fechava suas janelas para afastar os gritos das pessoas que eram torturadas. E as responsabilidades profissionais de Duch, como as de Eichmann, envolviam uma quantidade considerável de papelada - catalogar os nomes de suas futuras vítimas e escrever a ordem de "exterminar" em vermelho na margem da ficha de cada prisioneiro.
Como eram as noites de Duch em casa com sua família? Um dia ele ordenou que Nhem En, o fotógrafo do campo de concentração, registrasse como sua família era feliz depois do nascimento de sua filha. A mulher de Duch trabalhava em um hospital perto da prisão, onde sua função era salvar vidas. O trabalho de seu marido como diretor de um centro de tortura era dar fim a elas. Se o relato de En for correto, o casal passava suas noites em um aconchego sobrenatural, cuidando dos filhos.
Paralelos no banco dos réusNada é mais revelador que o comportamento dos dois homens no tribunal. Ambos apenas admitiram coisas que não podiam ser negadas. Ambos definiram sua culpa como no máximo marginal, argumentando - através de seus advogados - que eram meros burocratas que agiam sob ordens de cima, as quais lhes eram impostas como alguma lei da natureza. Ambos não quiseram admitir que tinham sangue nas mãos.
"Eu nunca matei um judeu ou mesmo um não-judeu - nunca matei um ser humano ... Todo o nosso trabalho era burocrático ... eu tinha de obedecer", disse Eichmann durante seu depoimento, sentado em uma gaiola de vidro em um tribunal de Jerusalém, onde se declarou "inocente" de todas as acusações feitas contra ele.
É claro que as transcrições do tribunal também mencionam que ele testemunhou execuções em Minsk - e até ficou ligeiramente abalado. Mas não processou a experiência. De fato, o gerente do extermínio em massa negou qualquer responsabilidade pelo Holocausto, alegando que foi responsabilidade de outros, dos que estavam no topo da cadeia de comando, e que ele havia apenas cumprido seu dever. "Arrependimento não serve de nada. Arrepender-se das coisas é inútil.
O remorso é para criancinhas", ele disse em um interrogatório. Eichmann se ofereceu para enforcar-se em público e notou - em um tom um tanto macabro - que esse seria "um ato maior de expiação". Para evitar que nazistas recalcitrantes transformassem o túmulo de Eichmann em local de peregrinação, os israelenses espalharam suas cinzas pelo Mediterrâneo em 1º de junho de 1962.
O comportamento de Duch diante do tribunal de Phnom Penh no recente julgamento não foi mais esclarecedor. Dizendo que "lamentava profundamente" as atrocidades do regime do Khmer Vermelho, ele de vez em quando enxugava lágrimas nos olhos enquanto pedia perdão. E até tentou atrair os favores de uma testemunha, Bou Meng, que foi um dos menos de dez sobreviventes de Tuol Sleng e que perdeu sua mulher na prisão, quando lhe disse: "Eu envio meus respeitos ao espírito de sua esposa".
Falando quase casualmente, Duch convidou as famílias de suas vítimas a visitá-lo na prisão, para conhecer o "verdadeiro eu". Aparentemente, não tinha consciência de que sua proposta deve ter sido ultrajante para as famílias das vítimas. Estava lhes pedindo para confirmar o que ele acreditava sobre si próprio: que havia se tornado uma pessoa limpa.
"Eu recebi ordens para limpar o partido - o mal devora até o mal", ele disse ao tribunal. Eichmann, o modelo de mediocridade, teria gostado de ouvir Duch dizer: "Fui um instrumento da liderança do Khmer Vermelho, tão dedicado aos meus superiores quanto um cão pastor-alemão a seu dono". Em sua declaração final ao tribunal, Duch pediu para ser libertado.
Buscando as raízes do malComo uma pessoa pode se tornar tão sangue-frio quanto Duch, que escreveu sete linhas em seu diário para expressar arrependimento diante da morte despropositada de algumas galinhas, mas apenas duas linhas para admitir a tortura de 14 prisioneiros até a morte? Do mesmo modo, o que tornou um homem como Eichmann tão insensível ao sofrimento de seus semelhantes?
Nenhum dos modelos explanatórios estabelecidos se aplica aos dois: eles não foram negligenciados durante a infância nem expostos a injustiças sociais em sua juventude que pudessem ter destruído seus conceitos morais. Eichmann recebeu uma educação cristã em um ambiente de classe média, enquanto os pais simples mas corretos de Duch lhe ensinaram ideais budistas como a não-violência e o altruísmo.
Desde tempos imemoriais, todos, de filósofos tementes a Deus a cientistas agnósticos tentaram desvendar as raízes do mal. No século 4º, o teólogo Agostinho afirmou que o mal surgia em consequência do livre-arbítrio do homem.
Hoje neurocientistas procuram uma assinatura do mal no cérebro. Alguns acreditam que peculiaridades semelhantes encontradas nos cérebros de alguns criminosos violentos podem servir como evidências da inevitabilidade de uma carreira criminosa. Em outras palavras, os assassinos poderiam ser eximidos, até certo ponto, por sua genética.
Ninguém sabe realmente se alguma dessas teorias é válida. No entanto, nos casos de Eichmann e Duch, não há como atribuir sua incapacidade de expressar humanidade, sua completa falta de empatia e sua violação de todos os padrões éticos a algum defeito genético que tenha afetado seus lobos frontais. Ambos adotaram para si uma ideologia dominante. No caso de Eichmann, foi o veredicto dos nazistas contra os "subumanos"; para Duch, foram os planos do Khmer Vermelho de criar um "novo homem".
Dificilmente podem acusá-lo de ter-se conformado, como fizeram muitos vilões em sua época. Mas o fato de que esses notários da morte fizeram tudo o que puderam para garantir que a máquina mortífera operasse da maneira mais eficaz possível - e conseguiram promover suas próprias carreiras nesse processo - é imperdoável. Para Adolf Eichmann e Kaing Guek Eav, o mal foi um modelo de sucesso acima de tudo. Foi o Holocausto como carreira.
Obediência cega, mas criativaPortanto, não há mérito no argumento de Duch no tribunal de que ele, como um capanga do sistema, não teve alternativa senão fazer o que fez. Duch sabia que o partido achava que os "adversários do regime" espreitavam em todo lugar e que o partido queria que ele fornecesse as provas de que precisava.
É claro que, se tivesse libertado muitos dos suspeitos presos em Tuol Sleng, ele mesmo poderia ter sido executado. Mas em sua pressa para obedecer às ordens o calculista Duch superou sua cota e até esboçou uma proposta para o líder do partido sobre como o "banho de sangue purificador" poderia ser intensificado. Em uma referência inconfundível à "solução final" dos nazistas, ele intitulou seu panfleto "O Plano Final".
No caso de Eichmann, afirmar que ele foi apenas um pequeno dente na engrenagem daqueles que detinham realmente o poder também falhou. O tribunal de Jerusalém conseguiu provar que ele havia interpretado as ordens da maneira mais ampla - e hedionda - possível.
O historiador Raul Hilberg descreve o papel especial do burocrata na implementação do genocídio nazista: "O processo não poderia ter chegado à conclusão se todos tivessem de esperar por instruções. Nada foi tão crucial quanto a exigência de que o burocrata devia compreender as oportunidades e 'necessidades', que devia agir de acordo com os imperativos percebidos". E isto se aplica tanto a Eichmann quanto a Duch. A obediência cega é uma exigência básica do genocídio; mas em cargos elevados devia ser uma forma criativa de obediência cega.
Confrontando o diabólicoComo modelo explanatório para o inimaginável, isto nos deixa com o que Hannah Arendt chamou de "banalidade do mal"? Enquanto escrevia sobre o julgamento de Eichmann para a revista "The New Yorker", Arendt - uma filósofa que escapou por pouco das câmaras de gás - cunhou uma das frases mais interessantes, polêmicas e incompreendidas de todos os tempos.
Os políticos israelenses ficaram fulos de raiva quando a reportagem de Arendt foi publicada. Ainda hoje, muitos acusam Arendt (que morreu em 1975) de ser uma judia antissemita - embora isso também possa ser atribuído em parte ao caso romântico que ela teve com seu professor Martin Heidegger, um filósofo que teve laços estreitos com o regime nazista.
Alguns reacenderam as antigas alegações de que Arendt tentou minimizar o Holocausto. Na realidade, porém, ela compreendia mais do que seus críticos, ou seja, que é um engano interpretar o genocídio dos judeus como uma espécie de evento metafísico e transformar Eichmann em um demônio desumano.
Ela admitia que uma pessoa podia cometer crimes monstruosos sem ser um "Übermensch" satânico e que, nesse sentido, até o crime inenarrável contra os judeus teve um contexto político e histórico.
É difícil para os parentes das vítimas aceitar que pessoas assustadoramente normais podem cometer crimes tão terrivelmente perversos. Quando os mais hediondos dos crimes são cometidos - alheios a qualquer sentido de moral, fé ou civilização -, tudo parece perder o significado.
Mas aqueles - como Arendt - que veem o regime totalitário como um ataque à natureza humana não se surpreenderão ao descobrir que, apesar de que a Shoah não se repetirá, novas variações de genocídio podem ocorrer e se repetir.
O fato de a morte não ser (somente) uma especialidade alemã não nos absolve do legado da era nazista, nem diminui aqueles crimes. No entanto, poderia nos ajudar a "enfrentar o diabólico com cabeça fria", como coloca o historiador Klaus-Dietmar Henke, de Dresden - e a desenvolver instrumentos que ajudem a evitar o genocídio.
Na opinião de Avraham Burg, um ex-presidente do Knesset, o Parlamento israelense, uma nação que alegava ser ao mesmo tempo a herdeira e a personificação das vítimas não deveria ter-se permitido assumir o papel de juiz no caso Eichmann. Burg teria preferido um tribunal com jurisdição internacional, mas isso era claramente algo que não iria acontecer.
"O Estado de Israel quis se vingar e reeducar o mundo... Nós entendemos que a Shoah nos afetava exclusivamente, e a nacionalizamos e monopolizamos", diz Burg, de maneira muito dura, em retrospectiva. Mas até ele admite que houve um aspecto libertador no julgamento. "Pela primeira vez os adultos puderam falar abertamente sobre as coisas que haviam sofrido repetidamente em seus pesadelos", ele diz.
Punir, isolar e reabilitar
Em termos morais, ao descartar a opção da pena de morte, o tribunal do Camboja se elevou acima dos culpados e seu desvario mortal. Mas existem outros reveses às "Câmaras Extraordinárias dos Tribunais do Camboja", como o tribunal é chamado.
Autoridades corruptas de Phnom Penh que serviram no tribunal tentaram limitar qualquer culpa pelo passado do Camboja a um punhado de casos, assim desviando a atenção do fato de que ex-membros do Khmer Vermelho ainda hoje ocupam cargos oficiais em Phnom Penh.
Da mesma forma, existe certa dúvida quanto a se os hoje idosos líderes do Khmer Vermelho jamais serão julgados. Estes incluem Nuon Chea, que foi o segundo no comando do regime, o ex-presidente Khieu Samphan (1976-1979) e os ex-ministros Ieng Sary e Ieng Thirith.
Depois de certa hesitação inicial, a população do Camboja começou a demonstrar interesse pelo julgamento de Duch. Mais de 50 testemunhas depuseram; cerca de 25 mil pessoas assistiram às audiências da galeria pública do tribunal; e milhões escutaram as transmissões de rádio das audiências.
"Para mim, foi uma vitória ver esse antigo oficial - que foi tão arrogante e poderoso - sentado impotente no banco dos réus", diz uma cambojana que perdeu muitos parentes durante os anos de trevas. Ela acrescentou que gostaria de ver Duch "apodrecer" na prisão e morrer atrás das grades.
Mas esse desfecho não é totalmente garantido. Uma avaliação psiquiátrica de Duch, ordenada pelo tribunal, que foi vista por "Der Spiegel", chega a conclusões surpreendentes. Segundo o relatório, Duch foi de fato responsável por seus atos; ele foi "meticuloso, consciencioso e controlado"; não obstante, conseguiu "compor poderosos mecanismos de defesa próprios, especialmente através da percepção seletiva dos fatos".
Ainda assim, os especialistas chegam a uma conclusão perturbadora: do ponto de vista dos psicólogos, o ex-comandante de Tuol Sleng poderá um dia ser ressocializado e reintegrado à sociedade. Mas se ele será libertado, continua o relatório, "depende, é claro, de mais que simples considerações médicas".
Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
Der Spiegel
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