Pé de pato, mangalô, três vezes
História do Brasil e do Mundo

Pé de pato, mangalô, três vezes


{agosto de 2009}


.Não adianta tentar escapar. Mesmo os mais céticos são um pouco supersticiosos. ?Evitar superstição já é outra superstição?, dizia o filósofo inglês Francis Bacon. A máxima vale ainda mais em terras brasileiras. A mistura de lendas indígenas, europeias e africanas criou vasto cardápio de crenças e mandingas.

Boa parte de nossas crendices está ligada a religiões populares do Brasil, como catolicismo, umbanda e candomblé ? e, em muitos casos, a uma mistura das três. A superstição baseia-se na fé ou no medo. Se tal ritual não for cumprido, ?coisas más hão de acontecer?. E que ninguém ouse desafiar as forças ocultas.
Mesmo os ?doutores? não a deixam de lado. ?Joaquim Nabuco não era supersticioso. Mas não passava por debaixo de uma escada. Nem o Barão do Rio Branco. Nem João Pessoa, presidente da Paraíba, ministro do Supremo Tribunal Militar?, narra o escritor Afonso Lopes de Almeida.
De cidadezinhas a grandes metrópoles, o povo não esquece dos rituais que trazem sorte. Há quem corta o bolo de aniversário de baixo pra cima (pra subir na vida). Quem não oferece a primeira bolacha do pacote (pra não perder o namorado). Quem bate na madeira (pra evitar que algo dito aconteça). Quem se apavora ao cruzar com um gato preto, e quem não esquece o amuleto da sorte. O folclorista Câmara Cascudo explica: ?As superstições participam da própria essência intelectual humana. Não há momento na história do mundo sem a sua inevitável presença?.
Mas, claro, há os mais exagerados, que incorporam o hábito para toda a vida. O dicionário Houaiss não dá uma definição muito simpática para o termo.
Superstição: crença ou noção sem base na razão ou no conhecimento, que leva a criar falsas obrigações, a temer coisas inócuas, a depositar confiança em coisas absurdas, sem nenhuma relação racional entre os fatos e as supostas causas a eles associadas; crendice, misticismo.
Pelo sim, pelo não, o povo continua com suas crendices e misticismos. Afinal, como reza a sabedoria popular: se bem não faz, mal não há de fazer.


Dorival Caymmi ensina: Quem vai ao Bonfim, minha nega / Nunca mais quer voltar / Muita sorte teve / Muita sorte tem / Muita sorte terá / Você já foi à Bahia, nega? / Não? / Então vá. Terá mais sorte ainda se comprar uma fitinha do Senhor do Bonfim, um dos amuletos mais populares do País.
O preço é camarada: não passa de 10 centavos.
Símbolo do sincretismo religioso brasileiro, é usada para exaltar Jesus Cristo, Senhor do Bonfim e Oxalá, o pai de todos os orixás. É preciso amarrá-la ao pulso ou ao tornozelo com três nós. Para cada nó, um pedido, que será atendido assim que a fitinha cair naturalmente. Mas tenha paciência. Antes de algodão, agora elas são feitas de material sintético. Podem demorar mais de um ano para se desprender.



Coloque uma imagem de santo Antônio de ponta-cabeça dentro de um recipiente cheio de água. E só desafogue o santinho depois que ele lhe arrumar um par.


.Meio-dia é um horário temido para muitos. ?É uma das horas abertas em que o Diabo se solta, os doentes pioram, os feitiços ganham poderio nas encruzilhadas desertas?, explica Câmara Cascudo. Ele ainda sugere que não se pragueje, cante alto, assobie e tampouco abra os braços quando os ponteiros do relógio marcarem meio-dia. O folclorista ainda lembra da frase de um professor: ?Só temo neste mundo a revólver descarregado e praga ao meio-dia!?.



A vida de Roberto Carlos é cercada de manias e superstições. O cantor evita a cor marrom, passa longe do número 13 e adora se vestir de azul. Nunca usou a expressão ?fita demo?, aquelas fitinhas cassete para demonstrar o trabalho. Prefere ?fita amo?.
Durante anos se recusou a tocar um dos principais sucessos do início da carreira, Quero que Vá Tudo pro Inferno, por causa da palavrinha diabólica. Certa vez, numa coletiva de imprensa, o organizador colocou a canção para tocar. Na hora do refrão, em vez de entrar a palavra da discórdia, surgiu a voz de Cid Moreira recitando um salmo da Bíblia.



? Transmite asma e coqueluche. Só curáveis ao comer a carne do gato assada.
? Não ama seus donos, mas sim a casa em que vive. Por isso, ao se mudar, é preciso levar o gato dentro de um saco para que não saiba aonde está indo. Também é preciso passar azeite no focinho do bichano, para que perca o faro e não encontre o caminho de volta.
? O diabo constantemente toma a forma de um gato preto.
? Se pisar no rabo de um gato, o sujeito não se casará durante um ano.




Em 1927, um comparsa de Lampião sugeriu atacar Mossoró, no Rio Grande do Norte. Ideia rechaçada pelo capitão. Primeiro por ser devoto de santa Luzia, a padroeira do município.
E depois por não gostar de atacar cidades que tivessem quatro igrejas ? ou ?quatro torres?, como dizia.
Mas, de tanto insistir, acabou aceitando o ataque, sob a justificativa de que o povo da cidade era pacato, até covarde. Resultado: o capitão sofreu uma vexatória derrota no embate com os mossoroenses.



Em 1937, estava marcado um jogo entre Vasco da Gama e Andaraí. Mas a delegação vascaína se atrasou devido a um acidente de trânsito. O árbitro já cogitava encerrar a partida e proclamar o Andaraí vencedor. Mas os jogadores, compreensivos, pediram para esperar um pouco mais. Mesmo sob uma chuva torrencial.
Os vascaínos chegaram e fizeram pouco caso do fair play: meteram impiedosos 12 a 0. O ponta-esquerda Arubinha resolveu se vingar. Afirmou que havia enterrado um sapo no campo do Vasco e rogado uma praga: ?Se houver um Deus no céu, o Vasco da Gama há de ficar 12 anos sem ganhar?. Um ano por gol sofrido naquela tarde chuvosa.E, de fato, o Vasco passou a não ganhar nada. Até que um dia um dirigente do clube chamou Arubinha para conversar. ?Vamos esquecer aquela história. A partir de agora você trabalhará aqui no clube, com um ordenado bom. Mas me diga uma coisa: onde está o sapo?? Arubinha confessou que não havia sapo algum, e prometeu retirar a praga. Oito anos depois do massacre do Andaraí, o Vasco se tornou campeão invicto.


Quer saber mais uma invenção de Santos Dumont? Na casa que construiu, em Petrópolis, a escada de acesso tinha apenas um pedaço de madeira do lado direito ? o equivalente a meio degrau. Ou seja: o visitante era obrigado a começar a visita com o pé direito. A casa existe até hoje, e se tornou um museu em memória do supersticioso pai da aviação.



O polegar entre o indicador e o dedo médio simboliza o ato sexual. Tempos depois passou a ser usada para afastar maus-olhados e feitiços. Se perder uma figa, não se preocupe em procurá-la. Toda a carga negativa que recairia sobre você foi embora com ela.


É notório que o número 13 dá azar, certo? Menos para o técnico Zagallo, que vê o 13 em tudo ? e sempre como um sinal de bom presságio. Após vencer a Copa América de 2004 contra a Argentina, o Velho Lobo disparou a pérola: ??Argentina vice? tem 13 letras!?. ??Brasil sem hexa? também?, lembrou um argentino maldoso, dois anos depois.




? Para afastar visitas indesejáveis, recomenda-se colocar uma vassoura de ponta-cabeça atrás da porta.
? Não se deve deixar crianças brincarem de montar nelas, sob pena de tornarem-se infelizes.
? Varrer à noite afasta a tranquilidade da casa.
? Quando a vassoura ficar velha, deve-se queimá-la em vez de jogar fora. É para manter a felicidade do lar.



Tanto na Europa quanto no Brasil, o sal é um símbolo da amizade. ?Não te deves fiar senão daquele com quem já comeste um moio de sal?, relembra o folclorista Pedro Chaves. Agora derramar o sal é um símbolo do repúdio e da traição. Não à toa, Leonardo da Vinci retratou a Santa Ceia com o saleiro caído diante de Judas. Também era hábito cobrir de sal o chão da propriedade dos condenados. Foi o que aconteceu com Tiradentes antes do enforcamento. Para que nada mais cresça, impõem os detratores.


As correntes de internet já se tornaram uma praga dos nossos tempos. E existe de todos os tipos: para encontrar o amor, se tornar rico, achar um bom emprego. Basta que o internauta repasse a mensagem para determinado número de e-mails. Uma das correntes mais assustadoras ? ou cômica ? é a da menina Samara: Oi, meu nome é Samara, tenho 14 anos (teria se estivesse viva), morri aos 13 em Cascavel-PR [...] Envie isso para 20 amigos e minha alma estará sendo salva por você e pelos outros 20 que receberão. Caso não repasse essa mensagem vou visitar-lhe hoje à noite. Não quebre essa corrente por favor, a não ser que queira sentir a minha presença.
Pelo sim, pelo não, Samara tornou-se uma celebridade da internet.



Saiba Mais
Superstição no Brasil, de Luís da Câmara Cascudo (Global, 2001).

Bruno Hoffmann

Almanaque Brasil





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