História do Brasil e do Mundo
Orientalismo - Oriente como Invenção do Ocidente - Edward Said - Análise - Estudo
Oriente e Ocidente: uma construção ideológica
Elaborar uma discussão sobre “Oriente” e “Ocidente” é uma tarefa que exige uma maior compreensão sobre a essência de ambos os conceitos. Para analisá-los, devemos nos remeter a períodos onde a Europa começava a dar seus primeiros passos rumo à sua própria diferenciação diante de outras sociedades. Desde a Antiguidade Clássica percebemos que para identificar o diferente, o exótico, os povos helênicos denominavam o ser pertencente a outro domínio como “bárbaro”, afirmando assim sua supremacia diante do outro. Fatos como estes permitem que possamos fazer analogias (sem sermos anacrônicos) quanto a necessidade de afirmação de uma identidade superior desde tempos remotos. Neste contexto, já podemos perceber o nascimento de um sentimento comum de uma denominação do outro como um ser diferente e inferior. Começam a serem formados no imaginário de indivíduos denominações depreciativas para diferenciar comunidades. Tal questão fica mais clara na passagem do livro “Orientalismo: o Oriente como invenção do Ocidente” de Edward Said:
O Orientalismo nunca está muito longe do que Denys Hay chama ‘a idéia de Europa’, uma noção coletiva que identifica a ‘nós’ europeus contra todos ‘aqueles’ não-europeus, e pode-se argumentar que o principal componente da cultura européia é precisamente o que tornou hegemônica essa cultura, dentro e fora da Europa: a idéia de uma identidade européia superior a todos os povos e culturas não-europeus. (SAID, pp. 34).
Já em períodos modernos, expressões diversas (por exemplo, “cristandade” e “latinidade” durante a Idade Média, segundo Bernard Gueneé) começam a serem utilizadas para diferenciar os povos europeus – especificamente países industrializados, que se baseiam na indústria como forma de “progresso” e “superioridade” – dos os povos pertencentes ao Extremo Leste Europeu e à Ásia, cuja tecnologia rústica não se aproximava dos modelos capitalistas e industriais europeus. A partir deste processo de diferenciação, surgem então os termos “Oriente” e “Ocidente” que, muito mais do que mera divisão geográfica do mapa-múndi, possui uma estratégia de definir a Europa como o modelo a se seguir, a sociedade progressista e superior, enquanto Ásia, África e Oceania eram continentes que necessitavam do “auxílio” dos europeus para desenvolverem suas tecnologias, que por eles eram consideradas atrasadas – um discurso carregado de ideais imperialistas. Quanto a divisão cartográfica de Oriente e Ocidente, Helder Macedo argumenta que “a demarcação geográfica do Oriente e do Ocidente necessita de uma materialização física no espaço, para que possa ser percebida, apreendida e mesmo discutida.” (MACEDO, pp. 4-5). Já segundo Eric Hobsbawm,
em termos geográficos, como todos sabem, a Europa não tem fronteiras orientais, e o continente, portanto, existe exclusivamente como um constructo intelectual. Mesmo a linha divisória cartográfica dos atlas escolares tradicionais baseia-se em decisão política. (HOBSBAWM, pp. 233).
Neste contexto, a diferenciação entre os “civilizados” e os “pré-civilizados” se concluiria na definição de Ocidentais para os habitantes da Europa e Orientais para os asiáticos. Segundo Edward Said:
O Oriente não é apenas adjacente à Europa; é também o lugar das maiores, mais ricas e mais antigas colônias européias, a fonte de suas civilizações e línguas, seu rival cultural e uma de suas imagens mais profundas e mais recorrentes do Outro. Além disso, o Oriente ajudou a definir a Europa (ou o Ocidente) com sua imagem, idéia, personalidade, experiência contrastante. (SAID, pp. 27-8).
Elaborando um estudo mais intenso sobre o caso, Said denomina como “Orientalismo” o estudo sobre a idealização do Oriente pelos “ocidentais”. Para ele, “o Orientalismo é um estilo de pensamento baseado numa distinção ontológica e epistemológica feita entre o ‘Oriente’ e (na maior parte do tempo) do ‘Ocidente’”. (SAID, pp. 29). Concordando com seu ponto de vista, Macedo acredita que o Oriente é uma invenção do Ocidente, algo que tornou-se necessário para que pudessem assim afirmar sua superioridade, sua identidade homogênea e de se reconhecerem como tal por ter um “outro” onde se apoiarem e se sobressaírem como superiores. (MACEDO, 2006). Portanto, Helder Macedo define o Oriente como
uma construção ocidental, baseada em estereótipos reducionistas (o oriental é sensual, vicioso, tirânico, retrógrado e preguiçoso) para construir uma cultura homogênea passível de ser dominada, em nome de um Ocidente também idealizado. (MACEDO, pp. 9).
Este caráter auto-afirmativo da comunidade ocidental frente aos orientais possui por trás destes termos um discurso político, por meio do qual os ocidentais se identificam como sendo superiores, detentores de uma tecnologia mais avançada que outros povos, de uma cultura mais moderna que a oriental e de um modo de vida que deve servir de exemplo para todas as outras sociedades não ocidentais, sendo então responsáveis por transmitir e levar o progresso para as sociedades menos desenvolvidas. “Como se os povos orientais fossem um problema a ser resolvido por meio da aceitação de um poder superior que os dominasse.” (MACEDO, 2006). Neste sentido, Said comenta que “a relação entre o Ocidente e o Oriente é uma relação de poder, de dominação, de graus variáveis de uma hegemonia complexa (...)” (SAID, pp. 32). Helder Macedo vê que tal construção do Oriente se fortificou a partir de ideais imperialistas desenvolvidos, principalmente, pela Inglaterra, França e Estados Unidos.
Algo que percebemos nesta discussão é a busca incessante por uma identidade que beneficiasse uns e excluísse outros. O Ocidente, portanto, fora também uma construção ideológica que buscou abarcar todo um contexto de uma sociedade fragmentada, mas que, pela necessidade de auto-identificação, buscou compreender num processo histórico suas próprias raízes para se situarem no presente e se firmarem como os “detentores” do progresso, da modernidade. Por isso, buscaram na sociedade grega sua essência, onde se desenvolveu a “democracia” que fora apropriada de maneira distinta, dando lugar a democracia liberal e, consequentemente, à modernidade. (MACEDO, 2006).
Com o fenômeno da globalização – que se iniciara, segundo Serge Gruzinsky, provavelmente a partir do século XV com as navegações e conseqüentes trocas culturais – a idéia de Ocidente e Oriente pôde se disseminar, principalmente entre os séculos XVIII e XIX, para o restante do mundo. “A expansão da cultura ocidental por terras ainda não conhecidas (pelos europeus) [...] deu condições para que a ocidentalização acontecesse.” (MACEDO, pp. 14).
Portanto, foi a partir desse sincretismo cultural entre povos de diversas partes do mundo que ocorreu a difusão da idéia de o Ocidente ser o “exemplo a ser seguido”, a sociedade com “alto nível de desenvolvimento” e “tecnologia invejável”. Hoje esta idéia ainda é legitimada pela mídia televisiva e pelos diversos meios de comunicação presentes na nossa sociedade que acabam formando opiniões a partir de estereótipos pré-estabelecidos. O mais importante é entender tal denominação como um discurso e não analisar o “Oriente” com uma visão ocidentalizada, mas compreender essa sociedade em sua essência.
Referências Bibliográficas
HOBSBAWM, Eric J. “Sobre História”. Tradução Cid Knipel Moreira. São Paulo: Cia das Letras, 1998. Cap. 17 – “A curiosa história da Europa”. pp. 232-42.
GRUZINSKY, Serge. “A passagem do século: 1480-1520: as origens da globalização”. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.
MACEDO, Helder Alexandre Medeiros. “Oriente, Ocidente e Ocidentalização: discutindo conceitos”. Revista da Faculdade do Seridó, v. 1, jan-jun. 2006, pp. 2-22.
SAID, Edward. “Orientalismo: o Oriente como invenção do Ocidente”. Trad. Rosaura Eichenberg, São Paulo: Cia das Letras, 2007.
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