História do Brasil e do Mundo
O Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro - IHGB
"Pacifica Scientiae Occupatio".
Lema do IHGB
Em 1838 era fundado na capital imperial brasileira o Rio de Janeiro, o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro sob os auspícios do imperador D. Pedro II e de ilustres nomes da aristocracia e política carioca e fluminense. O IHGB fora a primeira instituição do gênero a ser criada no Brasil no intuito de se formalizar e profissionalizar os estudos históricos e geográficos nacionais para a pátria. Mas, mesmo decorrido todo esse tempo, o IHGB ainda hoje em grande parte é desconhecido para o povo brasileiro, e sua importância e papel as vezes não são lembrados ou considerados. Nesse texto, procurei falar brevemente do surgimento dessa importante instituição e algumas de suas características ainda no início de seu desenvolvimento.
Fundação
Em 28 de fevereiro de 1827 o imperador D. Pedro I celebrava a oficialização da Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional proposta por seu pai o rei D. João VI alguns anos antes. A proposta da SAIN era incentivar o desenvolvimento da agricultura, da lavoura e da pecuária no país. Porém, apenas anos depois é que a sociedade começou a funcionar de fato.
Dez anos depois, membros da SAIN tinham em mente fundar um instituto científico aos moldes de alguns vistos na França, Inglaterra e Itália, assim partindo principalmente da ideia do cônego Januário da Cunha Barbosa e do marechal Raimundo José da Cunha Matos, em um domingo de 21 de outubro de 1838 às onze da manhã fora convocado uma pequena reunião na modesta sala do Museu Nacional, onde na ocasião contou-se com 27 membros, entre proeminentes nomes da política, dos ofícios liberais, da nobreza, etc.
"Criado logo após a independência política do país, o estabelecimento carioca cumpria o papel que lhe fora reservado, assim como aos demais institutos históricos: construir uma história da nação, recriar um passado, solidificar mitos de fundação, ordenar fatos buscando homogeneidades em personagens e eventos até então dispersos". (SCHWARCZ, 2005, p. 99).
Sobre a proposta da fundação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro o marechal Raimundo José da Cunha Matos junto com Januário da Cunha Barbosa apresentaram a seguinte proposta para o conselho da SIAN em 16 de agosto de 1838, reunião essa que deliberou a criação do instituto em outubro do mesmo ano.
"Sendo innegavel que as lettras, além de concorrerem para o adorno da sociedade, influem poderosamente na firmeza de seus alicerces, ou seja pelo esclarecimento dos seus membros, ou pelo adoçamento dos costumes publicos, é evidente que em uma monarchia constitucional, onde o merito e os talentos devem abriras portas aos empregos, e em que maior somma de luzes deve formar o maior grão de felicidade publica, são as lettras de uma absoluta e indispensável necessidade, principalmente aquellas que, versando sobre a historia e a geographia do paiz, devem ministrar grandes auxílios á publica administração e ao esclarecimento de todos os Brazileiros.
Por isso, os abaixo assignados, membros do conselho administrativo da Sociedade Auxiliadora da Industria Nacional, conhecendo a falta de um Instituto Historico e Geographico nesta côrte, que principalmente se occupe em centralisar immensos documentos preciosos, ora espalhados pelas provincias, que podem servir á historia e a geographia do Imperio, tão difficil por falta de um tombo ou promptuario de que se possam aproveitar os nossos escriptores, desejam e pedem a sua prompta installação, debaixo dos auspicios da Sociedade Auxiliadora da Industria Nacional, e offerecem as seguinte bases para esta utilíssima associação, requerendo ao conselho administrativo que, se as achar convenientes, as adopte para se apresentar á proxima assembléa geral da sociedade, afim de serem definitivamente serem approvadas". (RIHGB, 1908, p. 5-6).
Quanto as bases apresentadas por Raimundo e Januário nessa proposta, ao todo eles elegeram nove bases que deveriam ser julgadas e aprovadas para permitir a criação do IHGB, sobre essas bases elas diziam o seguinte:
"1) Fundar-se-ha, sob os auspicios da Sociedade Auxiliadora da Industria Nacional, um Instituto Historico, que especialmente se occupe da historia e geographia do Brazil.
2) Os seus membros trabalharão na mesma casa que ora trabalham os da Sociedade Auxiliadora da Industria Nacional.
3) O fim desse Instituto será, além dos que forem marcados pelos seus regulamentos, colligir e methodisar os documentos historicos e geographicos interessantes á historia do Brazil.
4) Constará de 25 socios effectivos, residentes na côrte, e numero illimitado de honorarios e correspondentes, que residam aqui ou nas provincias, e que a assembléa geral houver de nomear por proposta da mesa.
5) Logo que 16 membros effectivos se reunam, depois da approvação dessa proposta, se procederá por escrutinio secreto á nomeação do presidente, dous secretarios e um thesoureiro. Presidirá a este primeiro acto o presidente ou vice-presidente da Sociedade Auxiliadora da Industrial Nacional; e feita esta primeira nomeação, cessará de influir nos demais actos sociaes.
6) Installada assim a mesa do Instituto Historico e Geographico Brazileiro, proceder-se-ha logo á escolha de tres de seus membros, que organisem com a possível brevidade o regulamento de seus trabalhos academicos: só depois de discutido elle e approvado pelos membros do Instituto e que esse proseguirá nos demais actos regulares, devendo considerar-se como preparatorios outros quaesquer que antes disso se celebrem.
7) A Sociedade Auxiliadora, a cujo conhecimento se farão chegar estes trabalhos, marcará ao Instituto Historico e Geographico os dias em que possam celebrar suas sessões na mesma sala em que ora trabalha, afim de não embaraçarem uma á outra.
8) A Sociedade Auxiliadora, como mãi do Instituto Historico e Geographico, facilitará todos os meios a seu alcance de que possa precisar esta filha, que tambem de sua parte concorrerá com todas as suas faculdades para sua maior gloria e prosperidade; ficando em comum os archivos e bibliothecas, tanto de uma como de outra sociedade.
9) O Instituto abrirá correspondencia com o Instituto Historico de Pariz, ao qual remetterá todos os seus documentos da sua instalação; e assim tambem como outros da mesma natureza em nações estrangeiras: e procurará ramificar-se nas provincias do Imperio, para melhor colligir os documentos necessários á historia e geographia do Brazil.
São estas as principais bases que os dous abaixo assignado, membros do conselho administrativo da Sociedade Auxiliadora da Industrial Nacional e do Instituto Historico de Pariz, ambicionando patrioticamente a gloria de uma tão útil quanto indispensável instituição nesta côrte, offerecerem á consideração deste illustrado, conselho administrativo, pedindo que as opte, e que faça chegar ao conhecimento da proxima assembléa geral, afim de serem aprovadas e quanto antes instalado o proposto Instituto Historico e Geographico do Brazil, do qual devem resultar honra e gloria tanto aos seus fundadores, como á Sociedade Auxiliadora da Industria Nacional, de cujo seio emana. (RIHGB, 1908, p. 6-7).
"Nascido em meio a uma conjuntura em que se lutava pela preservação da soberania do país, o IHGB identificou-se com a política centralizadora daquele período, mantendo desde a origem a finalidade explícita de construir uma 'memória nacional' em que produção intelectual e relações de poder estivessem tão irmanadas que não haveria lugar para a discórdia". (SCHWARCZ, 2005, p. 135).
Hierarquização no IHGBComo Lilia Schwarcz [2005] aponta, dos 27 sócios fundadores, 22 ocupavam altas posições no governo imperial, sendo dez destes conselheiros do Estado, dos quais seis eram senadores do Império. Além do fato de tais homens estarem engajados na política da Corte, alguns destes eram militares e nobres, por exemplo, o primeiro presidente do IHGB José Feliciano Fernandes Pinheiro além de ser conselheiro do Estado e Senador do Império era o Visconde de São Leopoldo.
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José Feliciano Fernandes Pinheiro (1774-1847), Visconde de São Leopoldo, fora o primeiro presidente do IHGB. |
"Portanto, estava aí reunida a nata da política imperial, boa parte dela nascida em Portugal e fiel defensora da Casa de Bragança". (SCHWARCZ, 2005, p. 102).
A hierarquização do IHGB começava no topo com o presidente, o qual figurava mais simbolicamente, tendo o dever de abrir seções, reuniões, ler atas, discursos, memorando, breves biografias, etc. O mesmo também participava de reuniões e festas, representando oficialmente o IHGB. De fato até 1930, os oito presidentes eleitos, todos pertenciam a política e eram nobres.
Os secretários é que de fato cuidavam da administração, organização e coordenação do Instituto, em muitos casos, considerava-se o cargo com a maior carga de serviço. Januario da Cunha Barbosa fora o primeiro secretário a assumir o cargo no IHGB.
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Januário da Cunha Barbosa (1780-1846) um dos fundadores do IHGB e primeiro-secretário do instituto. |
"O secretário inaugural do IHGB - cônego Januário da Cunha Barboza - foi grande o grande responsável pelos primeiros seis anos de vida da instituição. Poeta, orador sacro e biografista, fundou e dirigiu a Revista do Instituto, organizou o primeiro regimento do IHGB, assim como procurou tornar o grêmio carioca conhecido entre os centros históricos europeus, veiculando fora do país a revista e as pesquisas patrocinadas pelo instituto". (SCHWARCZ, 2005, p. 106).
Era obrigação dos secretários organizar as atas e pautas de cada reunião, dirigir trabalhos de investigação, transporte de documentos, organização dos documentos, elaboração das revistas, organizar homenagens, organizar concursos, auxiliar nos trabalhos da biblioteca e do acervo, redigir pareceres de efetivação de novos sócios, etc. Os secretários trabalhavam quase que de segunda a segunda, pois as reuniões do IGHB ocorriam no domingo de manhã, logo, os secretários como membros deveriam participar das reuniões dominicais.
Mesmo sendo um ofício árduo houveram nomes que se destacaram como fora o caso do historiador, biógrafo, geógrafo, matemático, militar e diplomata brasileiro Francisco Adolfo de Varnhagen (visconde de Porto Alegre) o qual em 1851 assumiu o cargo de primeiro-secretário durante um semestre. Como historiador, Varnhagen escreveu algumas das mais importantes obras sobre a história brasileira na época, como História geral do Brazil. E Joaquim Manuel de Macedo (1820-1882), médico, jornalista e escritor, autor do célebre romance A Moreninha (1844). Além desse fato, também houveram algumas mulheres que assumiram o cargo de secretárias.
Outro cargo importante era o de orador, o qual em alguns casos era mais preferível do que o de secretário por ser menos laborioso. Em tal cargo, Varnhagen e Manuel Macedo chegaram a ocupá-lo depois de terem trabalhado como secretários. Tal cargo era ocupado por respeitados intelectuais da época, além de ser visto por alguns como de prestígio, pois era incumbência do orador presidir e realizar os discursos das sessões, das celebrações, reuniões, etc. Alfredo d'Escragnolle Taunay (1843-1888) renomado escritor, professor, engenheiro militar, historiador, sociólogo e político fora um dos mais ilustres oradores do IHGB. Além desses três cargos, havia também o de tesoureiro, editor da revista do instituto, correspondentes, pesquisadores, bibliotecários, etc.
Quanto aos sócios do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro havia cinco categorias:
- Efetivos: Os quais por obrigatoriedade deveriam residir na capital imperial, e apresentar e publicar trabalhos em história, geografia e etnografia.
- Correspondentes: São aqueles que pesquisam e enviam trabalhos para serem publicados ou apresentados pelo IHGB. Tais membros podem ser de outras províncias ou de outros países.
- Honorários: Era uma espécie de título concedido a pessoas de idade e de ilustre carreira que tenham contribuído para o desenvolvimento científico e educacional do país.
- Beneméritos: Os sócios efetivos que receberiam por sua atuação essa homenagem ou a mecenas que realizassem importantes contribuições em dinheiro ou em outros tipos de objetos.
- Presidente honorário: Título concedido ao imperador D. Pedro II.
Dentre alguns dos correspondentes estiveram Gonçalves Dias (1823-1864) famoso poeta, advogado, etnógrafo e jornalista; Silvio Romero (1851-1914) político, poeta, filósofo e professor e Euclides da Cunha (1866-1909), famoso engenheiro militar, repórter, historiador, geógrafo e poeta, autor do célebre Os Sertões (1902).
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Imperador D. Pedro II |
No caso do presidente honorário, o imperador D. Pedro II conservou tal título até o fim da vida, mas não fora apenas simbólico, o imperador era um dos sócios mais assíduos das reuniões do IHGB tendo comparecido a centenas de sessões, sendo a última que compareceu em 1889, onde se despediu oficialmente do Instituto, pois ele e a família real estavam de partida para o exílio forçado, resultado do golpe de Estado que havia proclamado a República em 15 de novembro. Além disso, o imperador era um homem que se interessava por artes e ciências, que gostava de ler, de fotografar, de viajar para participar de feiras de ciências como fora o caso de uma feira nos Estados Unidos onde Graham Bell apresentou seu modelo do telefone, feira esta que o imperador compareceu.
A Revista do IHGB
Ainda em 1838 Januário da Cunha Barbosa cogitou a criação de uma revista para o instituto e no ano seguinte ela se tornou regular, sendo publicada trimestralmente até 1864, onde passou a ser anual, e ainda hoje continua a ser editada, contando já com mais de 400 edições, sendo a revista mais antiga do Brasil ainda a ser publicada.
A organização da revista se dividia basicamente em três formas:
- Artigos: Publicação de artigos referentes a história, geografia e etnografia brasileira, podendo serem escritos por brasileiros ou estrangeiros.
- Biografias: Era comum se publicar pequenas biografias de personagens históricas e até mesmo de membros do IHGB apontando principalmente suas contribuições para o Instituto.
- Atas: Consistia em resumos das atas das sessões ou outros pareceres referentes ao funcionamento do Instituto, como avisos, recados, informação sobre os cargos, quem assumiu o quem deixou determinado cargo, entrada de novos sócios, convites para eventos, festas, etc.
A partir dos dados apresentados por Lilia Schawrcz [2005], o acervo de artigos publicados na Revista do IHGB consta de cerca e 1862 textos, sendo que 45% desse material corresponde a trabalhos sobre história, 18% compreendem trabalhos sobre geografia, os quais em geral referiam-se a questões territoriais e de demarcação, questões estas bem em alta na época, devido aos latifundiários. Quanto as biografias, essas correspondiam acerca de 16% da produção, sendo que nesses 16% mais da metade era dedicado a biografar-se nomes ilustres da história brasileira e o restante referia-se aos sócios do IHGB, onde tais pequenas biografias geralmente eram lidas pelo presidente nas sessões ou pelos oradores.
5% desse material corresponde a textos sobre etnografia, outros 5% corresponde a questões de cunho internacional especialmente tratados de caráter político e econômico; 1% são resenhas, outro 1% diz respeito as línguas indígenas, campo ainda pouco explorado na época, e por fim os 9% restantes diz respeito a assuntos gerais.
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Capa da Revista do IHGB, tomo LII, parte I, 1889. Os dois símbolos dentro do círculo, eram os selos comuns utilizados pela revista. No primeiro a mulher representa a História, e ler-se uma homenagem ao imperador D. Pedro II e abaixo o lema do Instituto. Ao lado encontra-se o selo de fundação do IHGB.
A influência nacional do IHGB
O IHGB contribuiu para construir uma história oficial do Brasil como também determinou parâmetros para a mesma ser escrita. Circe Bittencourt [2008] aponta que antes da criação do IHGB a história no Brasil não possuía ainda um caráter profissional, os livros didáticos que iam para as escolas, eram em grande maioria traduções de obras portuguesas, francesas ou alemãs, ou no caso quando eram produzidos em solo brasileiro, eram escritos por políticos, militares, funcionários liberais da Corte, bacharéis, etc., pois não havia muitos historiadores no país e nem locais para formá-los. Com a criação do Instituto isso começou a mudar, e sócios ou correspondentes do Instituto começaram a serem convocados para escreverem livros, livros didáticos, livros de leitura (seriam parecidos com os atuais paradidáticos), "livros dos mestres" (livro voltado para instruir o professor e também para a licenciatura), cartilhas, compêndios, almanaques, etc.
Ao mesmo tempo um aspecto interessante que o IHGB levou em consideração fora o desenvolvimento não apenas de uma história nacional ou patriótica, mas também a noção de uma identidade brasileira de uma cultura brasileira, e sobre isso uma forte questão que imperou em debates do século XIX fora a questão do "mito das três raças".
No século XIX existia uma ideia que corria os debates étnicos no país, onde argumentava-se que os índios eram encarados como uma raça atrasada mas que poderia "evoluir", no entanto, haviam opiniões onde se dizia que os indígenas personificavam o homem no início de seus tempos, rememorando uma ideia de um Éden passado, de um ideal romanceado do "bom selvagem", como Jean-Jacques Rousseau chegou a dizer. Todavia, os africanos também não fugiam dessa tendência pejorativa, os mesmos eram encarados como bárbaros e incivilizáveis, fadados ao atraso e ao trabalho forçado, e diferente dos índios, não teriam a capacidade de progredirem. Embora, que houvesse alguns que defendessem que os indíos também estavam fadados ao atraso como os africanos.
Ideais deterministas sociais, geográficos, darwinistas sociais e biológicos, e outras doutrinas raciais imperaram e foram bem comuns no meio acadêmico do século XIX, onde os acadêmicos buscavam comprovar a existência de raças humanas e a diferença de graus de evolução da civilização, intelectual, etc. O Brasil não escapou disso e em 1844 o IHGB promoveu um concurso onde a proposta era "Como se escrever a história do Brasil". O campeão fora o naturalista alemão e sócio correspondente Karl Friedrich Philipp von Martius, o qual propôs entender o desenvolvimento do Brasil a partir de se estudar as três raças que o formaram, os portugueses, os "africanos" e os "indígenas".
"O projeto vencedor propunha, portanto, uma 'fórmula', uma maneira de entender o Brasil. A ideia era correlacionar o desenvolvimento do país com o aperfeiçoamento específico das três raças que o compunham. Estas, por sua vez, segundo Von Martius, possuíam características absolutamente variadas. Ao branco cabia representar o papel de elemento civilizador. Ao índio, era necessário restituir sua dignidade original ajudando-o a galgar os degraus da civilização. Ao negro, por fim, restava o espaço da detração, uma vez que era entendido como fator de impedimento ao progresso da nação". (SCHWARCZ, 2005, p. 112).
Bittencourt [2008] aponta que o próprio sistema de ensino brasileiro no século XIX era estruturado para segregar, pois o ensino secundário que hoje equivale ao ensino médio era voltado para instruir a classe média e alta para que seus filhos ingressassem na universidade, já o restante da população tinha que se contentar com o ensino primário, o que equivale hoje ao ensino fundamental, e nesse caso, os escravos estavam de fora do ensino e em alguns casos os indígenas também, embora que esses conseguissem estudar nas escolas religiosas ou em mosteiros. O ensino secundário e superior não era pensado para ser acessado pela classe baixa, era algo gora de cogitação e não era de interesse da nação isso, tal fato é marcante quando nota-se que as universidades só vão surgir no século XX e o ensino público superior propriamente a partir da década de 30.
Outro aspecto interessante que se poder notar na produção científica do IHGB é que até o ano de 1889, data da Proclamação da República, questões de cunho político ainda estavam em alta, sendo seguidas por questões sociais e depois religiosas. Porém, quando se adentra no governo republicano a uma inversão drástica nesses valores, a história política perde o pódio para a história social que passa a ser o principal interesse dos trabalhos pesquisados e publicados, isso revela um aumento da necessidade de se melhor compreender a sociedade brasileira do que ficar atrelado a histórica política a qual diga-se de passagem era "popular" no século XIX não apenas no Brasil mais em outros países do mundo, algo que ficou conhecido na França como "história historicizante" ou "historicismo".
Mas, no caso dessa nova preocupação social, veio também o intuito de desmascarar o "mito das três raças" em vigor no século XIX; os historiadores, sociólogos, geógrafos, etnógrafos, etc., começavam a ter visões diferentes sobre a formação histórica, social, econômica e cultural brasileira. E isso começou a ficar mais nítido a partir dos anos 30 com a publicação de obras como Casa Grande & Senzala (1933) de Gilberto Freyre, Raízes do Brasil (1936) de Sérgio Buarque de Holanda e Formação do Brasil Contemporâneo (1942) de Caio Prado Jr.
Embora compartilhando de tais reveses, o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro fora um marco para a nação, pois permitiu a profissionalização das pesquisas históricas e geográficas, embora que a profissão de historiador ainda hoje de forma descabível não é regulamentada pelo governo, o interesse de se ter a preocupação de trabalhar com documentos, com bibliotecas, arquivos, de se prezar pela construção de uma história nacional, de uma memória, de uma identidade, de uma cultura surgiu com o IHGB, o qual incentivou a criação de outros institutos pelo país, com a meta de se escrever a história do povo brasileiro, de suas regiões, de suas peculiaridades, de suas culturas.
NOTA: Em 1839 quando Januário da Cunha Barbosa propôs conceder a D. Pedro II o título de Presidente honorário, o imperador na época contava com seus 14 anos de idade. E oficialmente ele só fora coroado em 1841. NOTA 2: A partir da fundação do IHGB em 1862 fora fundado em Recife, Pernambuco, o Instituto Arqueológico e Geográfico Pernambucano, ainda hoje em atividade, sendo o segundo Instituto do tipo a ser criado no país. O terceiro Instituto fundado fora o de São Paulo, o Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo em 1894. NOTA 3: Atualmente no Brasil cada um dos 26 estados possuí seu próprio Instituto Histórico e Geográfico, além de também existirem outros tipos de Instituto.
Referências Bibliográficas: SCHWARCZ, Lilia Moritz. O Espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil 1870-1930. São Paulo, Companhia das Letras, 2005. (Capítulo 4). BITTENCOURT, Circe. Livro Didático e Saber Escolar: 1810-1910. São Paulo, Autêntica, 2008. MATOS, Raimundo José da Cunha; BARBOSA, Januário da Cunha. Breve notícia sobre a creação do Instituto Historico e Geographico Brazileiro. Revista do Instituto Historico e Geographico do Brazil, 3 ed, Tomo I, p. 6-7, 1908.
Referência da internet: Site do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, acessível pelo endereço: http://www.ihgb.org.br/. Tendo sido acessado entre os dias 05 e 08 de dezembro de 2012.
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