Durante boa parte da sua existência, o Império Turco-Otomano (1299-1922) foi associado a uma imensa “colcha de retalhos” por sua imensidão e diversidade étnica. A convivência “pacífica” entre vários povos dominados pelos turcos durou séculos, sendo um exemplo para o Ocidente, mas, no início do século XIX, o Império não repousava sobre a glória de outrora e gritos de independência ecoavam dentro de sua vastidão — Grécia, Egito, Líbano, Síria, Palestina, Armênia etc. reivindicavam independência.
No início do século XX, ocorreu a Revolução dos Jovens Turcos (1908) e a tensão no velho império prognosticava guerras. Cientes da decadência e possível fragmentação territorial, os turcos ultranacionalistas — os Jovens Turcos — puseram em prática diversas ações que visavam restaurar a glória otomana. Buscou-se acentuar ainda mais a predominância otomana nos domínios do Império que se esfacelava.
Iniciada a Primeira Guerra Mundial, em 1914, os armênios (cristãos) foram acusados de colaborar com os russos (turcos e russos eram inimigos implacáveis e vinham se enfrentando há quase um século em disputas que mais se assemelhavam a “torneios esportivos”). Muitos armênios se recusaram a lutar na guerra e também foram acusados de traição para com o império.
Aproveitando-se da distração da guerra, os otomanos, em meio às comemorações da Páscoa de 1915, iniciaram as perseguições e agressões que desencadeariam o Genocídio Armênio, ao enforcar 600 líderes armênios em praça pública, todos acusados de alta traição. A perseguição dos turcos perdurou até 1923, mas vez ou outra se costuma frisar os anos da Grande Guerra, visto o grande número de mortos durante esse período. O genocídio, ao fim, acabaria assassinando 2 em cada 3 armênios.
A marcha da morte ceifando a jovem vida. Fotografia: autor desconhecido.
Constantinopla (então capital turca — Istambul a partir de 1923) ordenou que milhares de homens armênios se dirigissem ao front de batalha para defender a duvidosa pátria. Entretanto, “enquanto cavavam trincheiras, eram executados pelos próprios soldados otomanos. A convocação para o serviço militar foi um pretexto para deixar as aldeias desprotegidas. (…) Muitos armênios foram queimados vivos nas aldeias. As jovens eram vendidas como escravas e as crianças encaixotadas vivas e atiradas no Mar Negro”. (VASCONCELOS, 2005, p.39)
O Genocídio Armênio encontrou seu fim nas mais diversas formas: expulsão para regiões inóspitas, bombardeios e execuções sumárias. Muitos morreram confinados em cavernas pelo uso de agentes tóxicos e outros foram queimados em igrejas incendiadas. O mesmo terror ocorria nas improvisadas câmaras de gás e nos insaciáveis paredões.
“A Primeira Guerra Mundial levou à matança de um incontestável número de armênios pela Turquia — o número mais habitual é de 1,5 milhão —, que pode figurar como a primeira tentativa moderna de eliminar toda uma população”. (HOBSBAWM, 2012, p. 57) Destinados à longa e perigosa caminhada até o deserto Der-El-Zor, na Síria, “no meio do caminho, os armênios sofriam abusos. As mulheres eram violentadas, seus filhos raptados e a maioria morria de fome, sede, doença ou frio. Os poucos que chegavam aos campos de concentração tinham poucas chances de viver”. (VASCONCELOS, 2005, p. 39)
Nos anos de 1915-1916, a perseguição foi sistemática e implacável: “processo de destruição-erradicação pelo governo jovem-turco contra a minoria armênia do Império Otomano. […] A finalidade não era mais a de forçar determinado povo a se dispersar por outros territórios. Tratava-se de fazê-lo desaparecer não só da ‘sua’ terra, mas ‘da’ Terra.”
A marcha da morte quando a regiões inóspitas os armênios eram despachados. Fotografia: autor desconhecido.
Acredita-se que o próprio Adolf Hitler tenha se inspirado no Genocídio Armênio para criar o Holocausto dos Judeus. Hitler teria dito: “Afinal, quem ainda ouve falar sobre o extermínio dos Armênios?”.
O governo turco, atualmente, alega que houve “terrível mortalidade”, mas que a afirmação de genocídio não possui qualquer fundamento. As mortes teriam ocorrido de ambos os lados e seriam decorrentes de uma guerra civil. Contudo, há grande gama provas que consubstanciam o Genocídio Armênio — telegramas da cúpula do governo turco-otomano com mensagens claras de extermínio, dissidentes turcos, testemunhas russas.
No ano de 2005, o proeminente escritor turco Orhan Pamuk, Nobel de Literatura em 2006, afirmou em um jornal suíço que, na Turquia, “ninguém se atreve a falar” do Genocídio Armênio e da posterior matança de 30 mil curdos, tendo, inclusive, respondido processo por “insultar e desacreditar a identidade turca”.
Organismos internacionais, como a ONU, e diversos Estados, como Alemanha, França, Itália, Bélgica, Canadá, Suécia, Líbano, Argentina, Chile, Uruguai, Venezuela etc., já reconheceram o Genocídio Armênio. A União Europeia também pressiona a Turquia para que revele dados sigilosos.
Apesar da promessa de campanha presidencial de Barack Obama de reconhecer tal crime contra a humanidade, “os armênios, no entanto, não contam com o apoio oficial dos Estados Unidos, que têm na Turquia o seu mais forte aliado no mundo muçulmano. O país desempenha um relevante papel no xadrez político global e abriga bases da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN).”
Estima-se que 40-60 mil armênios tenham desembarcado e reiniciado a vida a partir do zero no Brasil, principalmente em Recife, São Paulo e Rio de Janeiro. O Brasil, apesar de ter erguido monumentos em memória das vítimas, não reconhece oficialmente tal genocídio. Alguns municípios e estados da federação brasileira “reconhecem” tal crime contra humanidade, contudo, faltam-lhes o poder de Chefe de Estado (trata-se de competência privativa do Presidente da República), para efetivo reconhecimento perante organismos internacionais.
Fotografia do memorial das vítimas do Genocídio Armênio de 1915, em São Paulo-SP. Vários países têm construções equivalentes. O monumento encontra-se localizado na Avenida Tiradentes, próximo da Estação de metrô Armênia, São Paulo-SP. O monumento em memória das vítimas teve sua construção iniciada em 1965 e foi inaugurado, intencionalmente, em 24 de abril de 1966 – data referente ao início do inferno armênio (24 de abril). Apesar do monumento, o Brasil ainda não reconhece tal crime contra a humanidade.
Para saber mais: Genocídio Armênio.
Curiosidade: O nome da canção Holy Mountains, da banda de rock System Of A Down, cujos membros são descendentes de armênios, atende aos sagrados “Montes Ararat’s”. Estes se situam no entorno da fronteira entre a Turquia, a Armênia e o Irã e, no maior dos montes, teria sido o local onde a Arca de Noé encalhou após o dilúvio, de acordo com a tradição religiosa.
REFERÊNCIAS:
BLAINEY, Geoffrey. Uma Breve História do Século XX. São Paulo, SP: Fundamento, 2008.
Online Encyclopedia of Mass Violence. L’extermination des Arméniens par le régime jeune-turc (1915-1916). Acesso em: 10 maio 2013.
GILBERT, Adrian. Enciclopédia das Guerras: Conflitos Mundiais Através do Tempo. Trad. Roger dos Santos. São Paulo: M. Books, 2005.
HOBSBAWM, Eric. A Era dos Extremos: O Breve Século XX: 1914-1991. trad. Marcos Santarrita. 2 ed. 46 imp. São Paulo: Companhia de Letas, 2012.
SÉMELIN, Jacques. Purificar e Destruir: Usos políticos dos massacres e genocídios. Trad. Jorge Bastos. Rio de Janeiro: DIFEL, 2009.
VASCONCELOS, Yuri. Genocídio Armênio. Revista Aventuras na História. São Paulo: Abril, n. 23, p. 36-41, jul. 2005.
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