História do Brasil e do Mundo
Jesuítas, os soldados de Cristo
Em defesa de uma Igreja Católica acuada pela Reforma Protestante, os jesuítas ganharam o mundo
Ronaldo Vainfas
Criada em 1534 por iniciativa de Inácio de Loyola (1491-1556), a Companhia de Jesus foi um modelo de ordem religiosa nascida da Contrarreforma – ou da Reforma Católica, como quer a historiografia recente. A fundação da Societas Iesuocorreu quase 20 anos depois de Martinho Lutero (1483-1556) afixar suas 95 teses na Catedral de Wittemberg, dividindo a cristandade romana. Os jesuítas se esforçaram ao máximo para defender uma Igreja acuada. E, assim, correram o mundo. Na Europa, procuravam reforçar o catolicismo por meio do ensino. Nas conquistas ultramarinas ibéricas, procuravam expandi-lo pela catequese. Desde cedo, afirmaram a vocação da Companhia e, não por acaso, seriam chamados de “soldados de Cristo”.
Natural do país basco, Loyola estudava na Universidade de Paris quando criou uma congregação voltada para a propagação da fé católica no mundo. E os jesuítas levaram ao limite aquilo que os franciscanos e dominicanos haviam começado no final da Idade Média: difundir a fé junto ao povo. No preâmbulo das Constituições inacianas, o ânimo missionário aparece com nitidez: “procurar ajudar, com a graça divina, a salvação e perfeição dos próximos”.
Em 1540, o papa Paulo III aprovou o instituto inaciano, e os jesuítas se lançaram ao Oriente português, sob a batuta de Francisco Xavier (1506-1552). No mesmo século, alcançaram a China, onde o padre Matteo Ricci (1552-1610) iniciou a adaptação do cristianismo à língua chinesa falada em Macau. Em 1549, chegaram ao Japão, onde Luís Fróes traduziu o cristianismo para a cultura local, experiência que terminou em tragédia, pois os jesuítas acabaram martirizados, em 1638, após uma revolta de camponeses cristãos.
Na Amazônia colonial portuguesa, os jesuítas foram responsáveis pelos primeiros contatos com os índios e por sua defesa frente aos colonos
Marcia Eliane Alves de Souza e Mello
Chapada do Apodi no Rio Grande, Salvador e vilas litorâneas do sul da Bahia ou do Ceará são algumas das paisagens do Nordeste brasileiro que guardam a memória da ação dos jesuítas entre 1549 e 1759. Eles se espalharam pelo território brasileiro desde 1550, por meio de missões volantes centralizadas nos colégios da Bahia e do Rio de Janeiro. As que tiveram êxito permitiram a Manuel da Nóbrega (1517-1570) organizar, de sua base na Bahia, o sistema de missões que abrangia de Pernambuco a São Vicente.
Desde 1556 foram fundadas Casas nas capitanias de Espírito Santo, São Vicente, Porto Seguro, Bahia, Olinda (1558), Rio de Janeiro (1568) e Pernambuco (1572). Esses lugares ofereciam o ensino elementar complementar da catequese entre os indígenas; eram os núcleos iniciais da expansão missionária, que originariam residências, missões, colégios, igrejas e seminários. Mas ainda havia uma vasta região a conquistar: os cerca de 2.400 quilômetros que se estendiam de Pernambuco até o Maranhão pela costa, e os confins que se estendiam para o interior. Acompanhando a expansão das forças coloniais, que no final do século XVI ganhou novo vigor, os jesuítas foram constituindo novas frentes e integrando-as ao projeto de fazer cidades e cidadãos católicos.
Eles chegaram ao Rio São Francisco em 1575, alcançando SergipeeAlagoas. Após a conquista da Paraíba em 1585, que tem no Sumário das Armadas uma mostra do que foi o início dessa nova trajetória, os jesuítas desenvolveram missões que foram interrompidas por intolerância dos moradores, mas voltaram no final do século XVII, fundando em 1683 o Colégio da Paraíba, atual Faculdade de Direito. Inicialmente acompanhando a tendência litorânea da conquista, as missões do Rio Grande (1599), Ceará – além das do Piauí e do Maranhão, então integrados à Amazônia colonial portuguesa – tiveram em comum uma dinâmica de interiorização a partir da metade do século XVII. A ocupação holandesa (1630-1654) e a Guerra dos Bárbaros (1683-1713), uma das mais importantes guerras indígenas da História brasileira, põem em cena um sertão de índios sem terras, conflitos étnicos (entre potiguaras e tapuias) e a lógica brutal da prática escravista dos moradores e sertanistas. As missões chegam ao Ceará entre 1607 e 1608, e o centro foi a Missão de Ibiapaba, em 1671, na serra de mesmo nome.
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