Inquisição - Prisioneiros do Brasil (Séculos XVI a XIX)
História do Brasil e do Mundo

Inquisição - Prisioneiros do Brasil (Séculos XVI a XIX)



Anita Novinsky ? Inquisição. Prisioneiros do Brasil (Séculos XVI a XIX)

Antonio Paim *

A Editora Perspectiva vem de promover uma segunda edição, magnificamente ilustrada e muito bem cuidada, da obra capital representada pelo texto clássico de Anita Novinsky, que intitulou de Inquisição: Prisioneiros do Brasil.

Ainda em 1973, na Revista de História (editada pela USP, nº 94) deu notícia de haver localizado, na Torre do Tombo (denominação do Arquivo Nacional hoje sob a responsabilidade da Universidade de Lisboa) o que indicava ser ?uma fonte inédita para a história do Brasil?. Tratava-se de uma relação de ?culpados? (processados pela Inquisição de Lisboa, que se ocupava, simultaneamente, da sede do Império e do Brasil) com algumas indicações preciosas. Além da proveniência, atividade que exercia e natureza do processo. A partir dessa documentação fundamental, nas três décadas subseqüentes valeu-se de diversas outras fontes.

Em conformidade com o levantamento concluído em 1994 (e presumivelmente mais completo), efetivado pelo prof. Francisco Bethencourt (Universidade Nova de Lisboa), o número total de processados pela Inquisição ascendeu a 44.817, sendo 9.726 a cargo da Inquisição de Lisboa (os outros tribunais situavam-se em Évora, Coimbra e Goa), dentre os quais os prisioneiros do Brasil corresponderiam à metade, cerca de cinco mil, portanto.

Em minucioso e paciente trabalho de anos, Anita Novinsky conseguiu identificar como provenientes do Brasil 1.076 prisioneiros, com variada gama de detalhes (local do nascimento; moradia; origens étnicas; ocupações; crimes e sentenças). O conjunto é da maior relevância. Assim, embora não consista numa (impossível) pesquisa exaustiva, trata-se, sem sombra de dúvida, de amostra definitiva.

Não sendo esta uma oportunidade para situar a relevância de cada uma das partes integrantes desse conjunto, não poderia deixar de destacar duas contribuições que me pareceram básicas. A primeira deu lugar a uma cronologia absolutamente consistente. Embora haja durado cerca de três séculos, metade dos processos identificados teve lugar na primeira metade do século dezoito. Assim, os efeitos da ação do Tribunal do Santo Ofício variaram no tempo.

A segunda reside na demonstração de que pessoas pertencentes às classes abastadas da sociedade correspondem a cerca de 70% do total nas mencionadas décadas do século XVIII. E, mais, contingente expressivo destas ligadas ao empreendimento açucareiro, incluindo numerosos senhores de engenho.
A primeira metade do século XVIII registra, paralelamente, o auge da Contra Reforma no país. Estão identificados os principais autores da pregação contra o lucro e a riqueza. A conclusão se impõe: a Inquisição coroa o processo de opção pela pobreza instaurada entre nós.

O empreendimento açucareiro representa uma espécie de ante-sala da Revolução Industrial. Na consideração desse processo tem-se perdido de vista, no país, que é precisamente nessa fase (colonial) que se estabelecem as distinções básicas entre o Brasil e os Estados Unidos, ambos incorporados à civilização ocidental em consequência dos Descobrimentos. Com este agravante: no século XVI, segundo a reconstituição da renda per-capita, efetivada por Mircea Buescu, o Brasil podia ser considerado um país rico. Enquanto os Estados Unidos sequer existiam porquanto ainda fragmentado nas colônias, cujo território somente seria ocupado, com maior intensidade, depois da década de sessenta daquela centúria.

Do que precede, deve-se considerar a obra de Anita Novinsky como de permanente atualidade.

Anita Novinsky, licenciada em filosofia em 1956 e livre-docente em história, em 1992, pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, teve sua carreira universitária ligada não apenas à USP mas a diversas instituições estrangeiras como a École dés Hautes Études em Sciences Sociales de Paris e centros universitários dos Estados Unidos. Publicou diversos livros que muito têm contribuído para uma visão renovada da Inquisição no Brasil e em Portugal, notadamente a partir de Cristãos novos na Bahia (1992).

Antonio Paim
Concluiu sua formação acadêmica na antiga Universidade do Brasil, atual UFRJ, iniciando carreira acadêmica na década de sessenta, na então denominada Faculdade Nacional de Filosofia, tendo pertencido igualmente a outras universidades. Aposentou-se em 1989, como professor titular e livre docente. Desde então, integra a assessoria do Instituto Tancredo Neves, que passou a denominar-se Fundação Liberdade e Cidadania. É autor de diversas obras relacionadas à filosofia geral, à filosofia brasileira e à filosofia política.
Revista Liberdade e Cidadania




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