Império Romano - O ESCRAVO É UM SER HUMANO
História do Brasil e do Mundo

Império Romano - O ESCRAVO É UM SER HUMANO



O ESCRAVO É UM SER HUMANO

De todos os lados, diz Sêneca, a morte pode te surpreender: um naufrágio, bandidos, "e, para não falar de um poder mais alto, o último de teus escravos tem um direito de vida e morte sobre ti". Plínio, inquieto, alerta a um de seus correspondentes: seu amigo, o cavaleiro Robusto, viajou acompanhado de alguns escravos e desapareceu; ninguém mais o viu; "foi vítima de uma agressão por parte de sua gente?". Em Mogúncia, um epitáfio imortaliza o trágico fim de um amo de trinta anos que o escravo assassinou antes de se jogar no Main para encontrar a morte. Os romanos viviam num medo surdo dos escravos, como nossos contemporâneos que têm dobermanns. Pois o escravo, esse ser naturalmente inferior, é um familiar, a quem se "ama" e pune paternalmente e pelo qual cada um se faz obedecer e "amar". Tanto que sua relação com o senhor é perigosa, pois ambivalente: o amor de repente pode se transformar em ódio; os anais da criminologia moderna relatam vários casos de bruscos furores sanguinários por parte de criadas que até então apresentaram toda a aparência de dedicação. A escravidão antiga é um tema para Jean Genet.
Por mais que se diga algumas vezes, o escravo não era uma coisa: consideravam-no um ser humano. Até os "maus senhores", que os tratavam desumanamente, impunham-lhes o dever moral de serem bons escravos, de servir com dedicação e fidelidade. Ora, não se impõe moral a um animal ou a uma máquina. Só que esse ser humano é igualmente um bem, cuja propriedade seu amo detém; nessa época, duas espécies de seres podiam ser assim apropriados: as coisas, os homens. "Meu pai", escreve Galeno, "sempre me ensinou a não encarar tragicamen- [pág. 57]
te as perdas materiais; se me morre um boi, um cavalo ou um escravo, não faço disso um drama." Platão, Aristóteles e Catão não se expressaram de forma diferente; hoje em dia um oficial diria que perdeu uma metralhadora e vinte homens.
Sendo um bem que se possui, um escravo é um inferior. E como essa inferioridade de um homem faz de outro homem seu proprietário, um chefe, esse amo, seguro de tal grandeza, a consagrará considerando natural a inferioridade do escravo: um escravo é um sub-homem por destino, e não por acidente; a escravidão antiga tem por analogia psicológica menos remota o racismo. Enfim, como o poder do amo sobre esse instrumento humano não é regulamentar, e sim total e direto, o escravo não será um assalariado pontual, mas um homem dedicado que obedece do fundo da alma, e não em virtude de regulamentos e horários definidos. A relação entre escravo e senhor é ao mesmo tempo desigual e inter-humana; portanto, o senhor "amará" seu escravo, pois qual senhor não ama também seu cão, qual patrão não ama seus bons operários, qual colono não ama seus fiéis indígenas? O oficial que perdeu vinte homens os amava e se fazia amar. A escravidão antiga foi uma estranha relação jurídica, induzindo banais sentimentos de dependência e de autoridade pessoal, relações afetivas e pouco anônimas.
Não foi, ou não foi somente, uma relação de produção. Os diferentes escravos, em sua inferioridade comum, desempenhavam os mais diversos papéis na economia, na sociedade, até na política e na cultura; um punhado deles é infinitamente mais rico ou poderoso que a maioria dos homens livres. Não é por causa de sua origem étnica; a escravização dos povos vencidos e o tráfico nas fronteiras do Império proporcionavam apenas uma pequena fração da mão-de-obra servil: os escravos provinham principalmente do rebanho servil, do abandono de crianças e da venda de homens livres em condição de cativeiro. Os filhos de escravas, quem quer que fosse seu pai, eram propriedade do senhor, assim como a cria de seus rebanhos; o amo decide criá-los ou, ao contrário, enjeitá-los ou até afogá-los como fazemos com os gatinhos. Um romance grego relata as [pág. 58]
preocupações de uma escrava que estremece à ideia de que seu senhor amante talvez venha a matar o recém-nascido que ela traz no ventre; numa coletânea de blagues, o Philogelôs, lemos uma muito boa que é a seguinte: "O Distraído teve um filho de uma de suas escravas e o pai do Distraído o aconselhou a matar a criança; o Distraído retorquiu: 'Começa por matar os teus e depois poderás me aconselhar a matar os meus!'". Quanto ao enjeitamento, constituía uma prática usual, e não só entre os pobres; os mercadores de escravos iam recolher os enjeitados nos santuários ou nos monturos públicos. Enfim, a pobreza impelia os sem-recursos a venderem seus recém-nascidos a traficantes (que os compravam ainda "sanguinolentos", mal saídos do ventre da mãe, que assim não teria tempo de vê-los e de amá-los); muitos adultos se vendiam para não morrer de fome. Alguns ambiciosos faziam isso para se tornarem administradores de algum nobre ou tesoureiros imperiais: essa foi, em minha opinião, a história do todo-poderoso e riquíssimo Pallas, descendente de uma nobre família da Arcádia, que se vendeu como escravo para ser administrador de uma dama da família imperial e acabou como ministro das Finanças e eminência parda do imperador Cláudio.
História da vida privada, 1: do Império Romano ao ano mil / organização Paul Veyne ; tradução Hildegard Feist; consultoria editorial Jonatas Batista Neto. ? São Paulo: Companhia das Letras, 2009.




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