Getúlio Vargas e a manipulação do samba
História do Brasil e do Mundo

Getúlio Vargas e a manipulação do samba


A relação entre o desenvolvimento da música popular urbana e a vida política do país é muito maior do que se pensa. Prova disso é o que aconteceu durante o Estado Novo no Brasil, quando o samba, ritmo até então marginal, tornou-se a música ofical do país.
Nesse período, o repertório da música popular se ampliava com o nascimento e a fixação de gêneros urbanos como o choro, o maxixe, a marchinha e o samba. Mas o músico popular da época não desfrutava de grande prestígio e era muitas vezes tido como marginal. A presença de calos na mão esquerda (fruto da prática do violão) podia levar um cidadão para a cadeia, acusado de vagabundagem e boemia. Não havia espaço para sambistas no rádio, que privilegiava concertos e palestras educativas. Além disso, os aparelhos eram caros e a qualidade da transmissão muito ruim.
A situação começa a mudar a partir da década de 1930, quando o rádio se populariza. A partir de um decreto publicado durante o governo Vargas em 1932, as emissoras são autorizadas a veicular propaganda comercial em suas transmissões. A venda de aparelhos por meio de crediário também fica autorizada pelo governo.

Outro fato importante é a mudança do sistema de gravação, que passa de mecânico a elétrico. Altera-se significativamente a maneira de cantar. Ela passa a ter um tom mais coloquial e menos dramático, tornando-se possível a gravação de vozes de extensão mais curta e de menor projeção sonora. Além disso, o crack da Bolsa de Nova York em 1929 traz para o Brasil uma série de fábricas de discos (Parlophon, Columbia, Brunswick, Victor), que buscavam novos mercados para fugir da crise.
O filme falado, que no seu início foi responsável pelo desemprego de uma série de músicos que se apresentavam em cinemas (tanto no interior da sala de projeção quanto no hall de entrada), vai se "redimir" com a classe musical por meio de uma estreita relação que passará a existir a partir do sucesso do filme A Voz do Carnaval, de 1933.
Nos vinte anos seguintes, observa-se um ciclo conhecido como chanchada, no qual os roteiros dos filmes eram, muitas vezes, mero pretexto para a apresentação das músicas e dos artistas das rádios, até então conhecidos unicamente por suas vozes e fotos em jornais ou revistas. Tornam-se definitivamente celebridades.


Esse tipo de filme tem uma importância mercadológica muito grande, pois fazia a divulgação das músicas que seriam lançadas no carnaval seguinte. O músico popular, que tinha até então uma visibilidade restrita a festas, saraus e gravações de péssima qualidade, passa a ter nos discos, no rádio e no cinema excelentes veículos para divulgar a sua produção. Com isso começa uma mudança de status significativa na sua vida, o que lhe permite enxergar a música como uma atividade profissional.

AGORA O SAMBA É ASSIMA partir de 1937, o Brasil passa a viver sob a ditadura do Estado Novo, comandada por Getúlio Vargas. Um dos instrumentos de manutenção dessa ditadura é o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), criado em 1939, órgão que cuida da imagem do governo por meio da propaganda e da censura. Outra estratégia do governo será a incorporação da Rádio Nacional ao patrimônio da União.

Grandes investimentos são feitos na Rádio Nacional de forma a torná-la, na época, uma das cinco maiores rádios do mundo em termos de alcance. Com isso, o governo tinha à sua disposição um veículo de comunicação de alcance nacional, que realmente "integrava" o país.
Naturalmente, o músico popular (principalmente cantores e cantoras) desfrutava de um novo papel na sociedade, amplamente reconhecido. No entanto, a sua produção musical passa a ser claramente influenciada pela ideologia do Estado Novo. A valorização do trabalho e da figura do operário, tão caras à ditadura Vargas, passa a fazer parte dos sambas deste período, e o malandro, figura freqüente dos sambas do período anterior, aparece regenerado, numa clara concordância com a ideologia do governo.
De gênero de fundo de quintal das casas das tias baianas, o samba passa para o primeiro plano da propaganda do governo. Com letras que descrevem o País como uma ilha da felicidade e orquestrações grandiosas, surge o samba exaltação, possivelmente um dos exemplos mais bem acabados da influência da política no trabalho musical.

Eduardo Fernandes é regente dos corais Unifesp, Belas Artes e Coralusp XI de Agosto, professor da FAAM e Belas Artes e mestre pelo Prolam/USP.


Revista Desvendando a História




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