Sem pretender diminuir a importância histórica de Martim Afonso de Sousa e da fundação da Vila de São Vicente como ato pioneiro na instalação do aparelho administrativo na colônia, podemos afirmar que a divisão do território em capitanias hereditárias foi o primeiro grande passo rumo à afirmação efetiva e definitiva da colonização do Brasil.
Para Portugal não bastava iniciar a colonização. Era preciso efetivá-la. Era necessário povoar, estimular o desenvolvimento e garantir a defesa da terra em face das incursões dos franceses.
Todavia, uma questão se levantava. Como era possível colonizar, ocupar, povoar, administrar e defender militarmente a terra, se para tanto eram necessários recursos que o Estado não possuía, já que passava por uma crise financeira?
A solução era dividir o Brasil em capitadas hereditárias e transferir aos donatários os custos da colonização. O sistema político já era conhecido de Portugal, que o havia aplicado com relativo sucesso nas ilhas atlânticas (Açores e Madeira), onde havia se desenvolvido o plantio da cana-de-açúcar.
Entusiasmados pelos lucrativos negócios no além-mar, pelas notícias da descoberta de metais preciosos na América espanhola e pelos direitos que os documentos reais lhes davam sobre vastas áreas brasileiras, alguns homens aceitaram as propostas de D. João III, o colonizador.
Isso garantiu ao rei a instalação do sistema no Brasil. Entre 1534 e 1536 as terras brasileiras foram divididas, do litoral à linha demarcatória de Tordesilhas, em quinze lotes doados a doze donatários.
As doações eram vistas como recompensa a alguns funcionários civis ou militares e a fidalgos que haviam enriquecido com o comércio oriental.
Direitos e deveres dos donatários
Apesar de hereditárias, as capitanias não eram propriedades privadas dos donatários, já que a legítima propriedade das terras era atributo do Estado. Hereditário era tão-somente o poder do donatário de administrar a capitania como província do Estado.
Isto quer dizer que a capitania não era um feudo, onde o senhor governava com poderes absolutos.
Pelo contrário, pois o sistema de Capitanias Hereditárias era regulamentado por dois instrumentos jurídicos que definiam os direitos e os deveres dos donatários: a Carta de Doação e o Foral.
A Carta de Doação era um documento pelo qual o governo português cedia ao donatário uma ou mais capitanias, a administração sobre ela e suas rendas e o poder legal para interpretar e ministrar a lei. A capitania doada era intransferível e indivisível.
Geralmente, só com a morte do donatário - também intitulado governador - a posse da capitania e os direitos sobre ela eram transferidos para o filho mais velho, que passava a ser o novo donatário, com direito aos títulos a que fazia jús. Pela Carta de Doação os atos do donatário só poderiam ser julgados pelo rei, e só em caso de traição à Coroa a capitania lhe seria tomada.
O Foral estabelecia os direitos e deveres dos donatários. Um dos deveres era o de promover a prosperidade da capitania em benefício próprio e, em especial, em benefício da Coroa.
Devia o donatário conceder sesmarias a colonos - portugueses ou não - que professassem a fé católica. A pessoa beneficiada com uma sesmaria, isto é, o sesmeiro, passava a ser o legítimo proprietário da área concedida. A sesmaria era, portanto, uma propriedade privada. Diferentemente do donatário da capitania, o sesmeiro podia dispor livremente de sua propriedade - inclusive vendê-la.
O donatário também tinha direito a uma sesmaria dentro de sua capitania. Esta sesmaria lhe era concedida pelo rei e possuía em média de l0 a 16 léguas de terra ao longo da costa e se estendia, ao fundo, até os limites extremos da capitania, definidos pela linha de Tordesilhas.
O donatário podia fundar vilas e povoações e criar instrumentos administrativos, jurídicos, civis e criminais para regê-las; podia julgar e condenar, inclusive à morte, exceto pessoas sob a proteção da Coroa, que só poderiam ser condenadas à pena máxima por crime de traição, heresia, cunhagem de moeda falsa e sodomia.
Pelo Foral os donatários ficavam obrigados a respeitar os direitos dos colonos, cujas regalias eram, teoricamente; comparáveis às dos portugueses na metrópole.
O Foral estabelecia que os impostos seriam pagos em espécie. À Coroa pertencia o monopólio das especiarias (drogas do sertão) e a ela deveria ser paga a quinta parte do ouro e das pedras preciosas extraídos. Ao donatário reservava-se o direito à redízima (1/10) das rendas da metrópole e à vintena (5%) da comercialização do pau-brasil e do pescado.
Como único recurso para atingir os objetivos mercantis, promover o desenvolvimento da colonização e criar condições efetivas de resistência às incursões estrangeiras em terras brasileiras, Portugal resolveu participar direta e efetivamente da vida colonial instalando no Brasil um sistema político centralizado: o sistema de Governo Geral.
Sucessos e fracassos do sistema de Capitanias Hereditárias no Brasil
O sistema de Capitanias Hereditárias no Brasil não obteve o mesmo sucesso que alcançara nas ilhas atlânticas.
A rigor, apenas duas capitanias prosperaram: a de Pernambuco e a de São Vicente, onde seus donatários iniciaram o cultivo da cana-de-açúcar com capital próprio ou com empréstimos estrangeiros, notadamente holandeses.
Deve-se frisar, contudo, que a produção açucararia vicentina tornou-se secundária ainda no século XVI, devido ao sucesso da empresa açucararia nordestina, especialmente nas capitanias de Pernambuco e Bahia.
Apesar do declínio da produção açucararia, São Vicente tornou-se, com o tempo, pólo irradiador da caça e escravização do índio e ponto de penetração para o interior em busca de pedras e metais preciosos.
Vários fatores contribuíram para o fracasso do sistema de Capitanias Hereditárias: os constantes ataques dos índios, a grande quantidade de terras inférteis em algumas capitanias, o desinteresse de alguns donatários que não chegaram sequer a vir ao Brasil e, fundamentalmente, a falta de capital. A necessidade de altas somas de dinheiro para desbravar, ocupar e defender a terra, comprar escravos, instalar engenhos cujos equipamentos eram importados da Europa etc., tornava incompatível o desenvolvimento da colonização com capital particular. Somente ao Estado, com recursos próprios, competia um empreendimento desse porte.
Há que se considerar também a incompatibilidade do sistema, excessivamente descentralizado, com o poder rigidamente centralizado do Estado metropolitano, interessado no absoluto controle da exploração mercantil colonial.
Governo Geral - O Regimento de 1548
A tentativa de centralizar o poder e a administração pública no Brasil se insere nos quadros do fracasso do sistema de capitanias, da vulnerabilidade do Brasil às investidas estrangeiras e da inviabilidade de se promover a colonização com recursos particulares. Para o governo português o retraimento da economia metropolitana poderia ser superado com as possíveis riquezas que a nova terra podia gerar. Afinal, os espanhóis acabavam de descobrir (1545) as ricas minas de prata na região do Potosi (na atual Bolívia). Por outro lado, a autoridade do poder monárquico se chocava com o excesso de autonomia e soberania assumido pelos donatários em suas capitanias.
Em 1548 o governo português elaborou um novo instrumento jurídico - o Regimento de 1548 - pelo qual se instalava e se regulamentava o novo sistema político: o Governo Geral.
Conforme esse regimento, competia ao governador geral:
- fundar vilas e povoações;
- conceder sesmarias para a instalação de engenhos de açúcar ou qualquer outra atividade econômica;
- explorar e descobrir terras no sertão;
- promover a criação de feiras nas vilas e povoações;
- exterminar os corsários e destruir seus estabelecimentos nas costas do Brasil;
- edificar fortes e construir navios para a defesa da terra;
- garantir o monopólio real sobre a exploração do pau-brasil;
- fazer alianças com as tribos amigas e promover sua catequese; etc.
- No exercício de suas funções como chefe do governo, o governador-geral era assessorado por três auxiliares diretos
- Provedor-mor (tesoureiro) - responsável pelos negócios da Fazenda, como a cobrança dos impostos etc. ;
- Ouvidor-mor (juiz) - responsável pela justiça;
- Capitão-mor da costa - militar responsável pela defesa da terra.
Resta dizer que o sistema de Governo Geral não acabou com as capitanias nem conseguiu impor a centralização política em toda a colônia. As capitanias hereditárias continuaram existindo até a segunda metade do século XVIII, quando o marquês de Pombal transformou as então existentes em Capitanias Reais.
Na prática, o poder político continuou descentralizado em todo o período colonial, pois permaneceu concentrado nas mãos da elite latifundiária, classe dominante da qual faziam parte os próprios donatários. Em síntese, a centralização política existiu apenas formalmente.
Mesmo assim, o sistema de Governo Geral duraria até 1808, apesar de, a partir de 1720, os governadores passarem a ser chamados de vice-reis.
Tomé de Sousa (1549-1553)
O cargo de primeiro governador-geral do Brasil foi delegado a Tomé de Sousa. Com ele chegaram ao Brasil aproximadamente mil pessoas, entre as quais funcionários, artífices, soldados, degredados e seis jesuítas chefiados por Manuel da Nobreza.
Na Capitania da Baía de Todos os Santos o governador edificou a cidade de Salvador, a primeira capital do Brasil. Importou gado bovino da Ilha de Cabo Verde, introduziu a lavoura cavadeira nas proximidades de Salvador, fundou engenhos, concedeu sesmarias, construiu fortificações, edifícios públicos e a igreja matriz, além de incentivar a vinda de colonos e mulheres para aqui constituírem famílias.
Duarte da Costa (1553-1558)
Como segundo governador-geral chegaram mais colonos e jesuítas, entre os quais José de Anchieta, que, juntamente com Nobreza, fundou em 1554 o Colégio de São Paulo de Piratininga, origem da cidade de São Paulo. Administrador pouco habilitado e impo
pular, sua ineficiente administração foi marcada pela briga com o bispo D. Pero Fernandes Sardinha, pelas incursões contra os índios para lhes tomar as terras e doá-las aos moradores e pela invasão do Rio de Janeiro pelos franceses.
França Antártica
Desde que foi descoberta a existência do pau-brasil ao longo do litoral brasileiro, a presença francesa se fez constante.
Sabemos que oficialmente os franceses não reconheciam as determinações do Tratado de Tordesilhas, que dividia a América entre Portugal e Espanha, e que, por isso mesmo, reservavam para si o direito de explorar a madeira brasileira e até fundar uma colônia no Brasil, se possível fosse.
Finalmente os franceses alcançaram seus objetivos conquistando o Rio de Janeiro, em 1555, e ali fundando uma colônia chamada França Antártica.
Ressalte-se também que, além de estarem interessados na exploração do pau-brasil, os franceses que invadiram o Rio de Janeiro eram - na maioria huguenotes.
Esses protestantes calvinistas fugiam das tensões e perseguições da Igreja e de católicos fanáticos e buscavam um refúgio onde pudessem defender suas convicções religiosas e praticar seu culto livremente.
É claro que a fundação de uma colônia no Brasil vinha ao encontro dos interesses mercantilistas da Coroa francesa e, por isso mesmo, os invasores, chefiados por Villegaignon, foram protegidos por figuras importantes na política da França como o almirante Coligny e o próprio rei Henrique II. A invasão foi coroada de êxito e os franceses se instalaram na Baía da Guanabara, com apoio dos índios tamoios.
Mem de Sá (1558-1572)
Hábil político e dotado de uma capacidade administrativa superior à de seu antecessor, Mem de Sá procurou sanear a administração dos problemas deixados por Duarte da Costa. Buscou moralizar os costumes combatendo os vícios, a vadiagem e o jogo. Buscou a conciliação entre colonos e jesuítas, fez as pazes com o bispado, combateu os indígenas e obrigou os submetidos a se organizarem nas missões jesuíticas para serem catequizados.
Expulsão dos franceses do Rio de Janeiro
Em 1560 Mem de Sá dirigiu-se ao Rio de Janeiro com o objetivo de expulsar os franceses. Contava o governador com o apoio dos jesuítas e sua expedição era composta por uma armada e índios aliados. Contando ainda com a ajuda de homens e armas de São Vicente, Mem de Sá atacou os franceses e os obrigou a abandonar a ilha onde estavam refugiados, juntamente com os tamoios, seus aliados.
Com a retirada de Mem de Sá, os franceses, que haviam se escondido nas matas, voltaram a dominar algumas ilhas da Baía da Guanabara. Novos navios franceses vieram para reforçar a resistência.
O governador mandou vir de Portugal uma nova esquadra. que chegou à Baía da Guanabara em 1565, chefiada por seu sobrinho Estácio de Sá, o fundador da cidade do Rio de Janeiro.
A expulsão definitiva dos franceses só aconteceu em 1567, ano em que Mem de Sá voltou ao Rio de Janeiro com reforços para ajudar o sobrinho. Nesse mesmo ano Estácio de Sá morreu em consequência de uma flechada no rosto.
Divisão do Brasil em dois governos
O sucessor de Mem de Sá foi nomeado em 1570, mas não chegou ao Brasil, pois foi morto por piratas franceses durante a viagem.
Por essa época o monarca português estava firmemente empenhado em conquistar o norte do Brasil e em organizar a administração do sul.
Em 1572, ano da morte de Mem de Sá, o governo português resolveu pôr em prática suas pretensões políticas e dividiu o Brasil em Governo do Norte, com capital em Salvador, e Governo do Sul, com capital no Rio de Janeiro.
Nas palavras do próprio rei D. Sebastião, estavam implícitas suas pretensões:
"Sendo as terras da costa do Brasil tão grandes e distantes umas das outras e haver já agora nelas muitas povoações e esperanças de se fazerem muitas mais pelo tempo em diante, não podiam ser tão inteiramente governadas como cumpria, por um só governador, como até aqui nelas houve".
Em 1580, o Brasil caiu sob o domínio espanhol.
Câmaras Municipais
Em toda a história do Brasil Colônia o poder estava concentrado nas mãos dos grandes proprietários de terra - a classe senhorial latifundiária dominante -, apesar da existência do governador-geral e mais tarde do vice-rei.
A classe senhorial dominava a vida política, econômica, social e cultural da colônia e seus interesses eram representados e defendidos pelas Câmaras Municipais. As Câmaras decidiam sobre a administração dos municípios, impostos, salários, abastecimentos, guerra e paz com os índios etc.
Assumindo o controle dos órgãos políticos locais, a elite colonial escolhia os vereadores entre os homens-bons do lugar, isto é, membros dela própria, pois "homem-bom" era todo aquele que possuía projeção social e cuja riqueza se originava da exploração do trabalho escravo negro ou indígena.
"Formados nos grandes domínios, opulentos senhores de terras e de escravos, estes caudilhos é que davam vitalidade às Câmaras do período colonial, como foram eles que deram animação às do período imperial. Não o povo-massa.
Este, ou não partilhava, como no período colonial, da administração nem do governo das câmaras; ou, quando partilhava (como no período imperial), ali comparecia sempre como caudatário apenas destes grandes potentados."
Bandeiras das Capitanias Hereditárias
Fonte: www.achetudoeregiao.com.br