Fósseis encontrados na América, na Europa e na Ásia provam que a rosa crescia em estado selvagem desde o período Paleolítico. Há uns 5 mil anos, os chineses começaram a cultivá-la e descobriram suas numerosas virtudes. Seu fruto, o cinórrodo, reputado por suas propriedades estimulantes, é guloseima muito procurada. Os poderes adstringentes de sua essência já eram conhecidos e apreciados pelas belas aristocratas. E ela se tornou um remédio indispensável na farmacopéia chinesa, como o testemunha uma das obras mais antigas sobre plantas medicinais até hoje encontradas, o Pen Tsao, de Shen Nung, datado de 2900 a.C. O próprio Confúcio possui vários tratados sobre as roseiras. Três mil anos antes da nossa era, os povos da Mesopotâmia, do Egito, da Pérsia e da Grécia também praticavam a cultura da rosa.
Seu nome vem do latim rosa, que por sua vez procede do grego rhodon numa referência a Rodes, ilha coberta de rosas. Qualificada como "a rainha das flores" pela poetisa Safo no século VI a.C., ela teria sido criada, segundo a mitologia grega, por Clóris, deusa das flores (Flora entre os romanos), com o corpo inanimado de uma ninfa. Foi consagrada a Afrodite, deusa do amor, e depois a Vênus, na época romana. Dioniso, segundo a tradição mais difundida, ofereceu-lhe seu perfume inebriante, e as Três Graças lhe concederam o encanto e o brilho que ela trazia aos que a contemplavam. Cupido, filho de Marte, deus da guerra, e de Vênus, usava uma coroa de rosas, assim como Príapo, deus dos jardins e da fecundidade. Mil anos antes da nossa era, a rosa-de-damasco, uma das mais antigas que se conhece, era cultivada na ilha de Samos, no Mediterrâneo, em honra de Afrodite.
As lendas que falam do nascimento da rosa vermelha, símbolo de regeneração, são muitas. Uma das versões da mitologia grega conta que ela teria sido tingida com o sangue de Adônis, mortalmente ferido, e o de sua amante, Afrodite, que, ao correr em seu socorro, teria se machucado num arbusto de rosas brancas. O branco, símbolo da pureza, e o vermelho, símbolo da paixão amorosa, evocam os dois aspectos do amor encarnado por Afrodite-Vênus. É por essa razão que a rosa era utilizada, na Antiguidade, nas cerimônias nupciais: coroas de rosas ornavam a fronte dos esposos. Como, aliás, a dos guerreiros, porque ela estava igualmente associada à morte e aos ritos funerários. Descobriram-se buquês intactos no sarcófago de Tutankhamon, e, sob o reinado de Ramsés II, sua essência se tornou um dos ingredientes de base dos rituais de mumificação.
Imagem de um modo de vida requintado e luxuoso, a rainha das flores é indissociável dos faustos orientais. Se Nabucodonosor II, rei de Babilônia (605 a.C.-562 a.C.), ornamentava seus palácios com rosas, o imperador romano Heliogábalo (204-222), que foi entronado com 14 anos, gostava de recobrir a cabeça de seus convidados com uma chuva de pétalas. A nobreza romana tinha o costume de adornar seus convidados com guirlandas de flores.
As elegantes romanas untavam o corpo com óleo e dispunham de pequenos frascos de perfume cuja base era constituída freqüentemente por extratos de rosa, de íris e de violeta. A rainha Cleópatra (69 a.C.-30 a.C.) teria exigido que uma das salas de seu palácio em Alexandria fosse enchido com pétalas até a altura dos joelhos com o fim de seduzir Marco Antônio. Indissociável da poesia persa, a rosa era também utilizada como metáfora para evocar a carnação da mulher amada. E uma taça de vinho costumava ser comparada a uma rosa sem espinhos por seu perfume capitoso e sua rica cor.
Provavelmente introduzida na Gália pelos romanos há uns 2 mil anos, a "rainha das flores" foi, numa primeira etapa, rejeitada pelo cristianismo, devido a sua vinculação com o paganismo. Mas, segundo a tradição, já no século VI, um bispo teria instaurado em sua aldeia natal um prêmio de virtude coroando de rosas a moça mais sábia da região, à qual teria atribuído o título de "roseira".
Na Idade Média, a literatura se apoderou da rosa, símbolo do amor, com o alegórico Romance da rosa, de Guillaume de Lorris, um best-seller do século XIII, verdadeiro manual de amor cortês, no qual a flor representa a amante. Mas as Cruzadas é que iriam desempenhar um papel determinante na expansão da cultura das roseiras na França. O conde de Champagne trouxe da Terra Santa, em 1240, uma variedade de um púrpura violáceo que se converteu na célebre rosa de Provins. Batizada Rosa gallica officinalis pelos botânicos, essa flor soberba, de aroma inebriante, também era conhecida pelo nome de "rosa dos boticários", em razão de suas múltiplas propriedades medicinais. Desde então, Provins, uma das três capitais do condado de Champagne, se entregou à cultura e ao comércio da "sua rosa". Na época, ela fornecia aos mercados e feiras de Champagne os produtos ou os remédios que dela se extraíam sob a forma de conservas secas e líquidas. Essas especialidades eram muito procuradas pelos mercadores estrangeiros, que, transportando-as para as regiões vizinhas ou distantes, não raro até para o Oriente, contribuíram para aumentar o renome da cidade francesa.
A cidade fabricava também almofadas e sachês com pétalas secas que, desde o começo do século XIV, eram oferecidos aos hóspedes de grande distinção. Carlos VII e Joana d\\'Arc, Francisco I, Henrique II e Catarina de Médici, Luís XIV e Napoleão I figuram, entre outros, na lista dos beneficiados ao longo dos séculos. A tradição hortícola e culinária perdura, com sucesso, neste século XXI, sob a forma de roseirais renomados e de compotas e outras guloseimas.
A rosa se tornaria também um emblema político, como ocorreu, na Inglaterra do século XV, na implacável Guerra das Duas Rosas. Cada um dos dois ramos da família dos Plantagenetas que disputavam a coroa tinha uma rosa por insígnia: branca para os York, vermelha para os Lancaster. O conflito, que eclodiu em 1450 sob o reinado de Henrique VI de Lancaster, só terminaria em 1485, com a subida ao trono de Henrique Tudor, futuro Henrique VII. Descendente dos Lancaster por sua mãe, ele desposou Elisabete de York, filha de Eduardo IV. As duas rosas se reuniriam sob o brasão dos Tudor e dariam origem à rosa do mesmo nome, vermelha com um coração branco. Note-se que na linguagem das flores a associação das rosas brancas e vermelhas é símbolo de união e harmonia.
O Renascimento associava à flor o amor eterno. Foram pétalas de rosa esvoaçantes que Sandro Botticelli pintou em 1485 em seu quadro O nascimento de Vênus. A primavera, do mesmo artista, punha no primeiro plano a deusa Flora espalhando flores pelo mundo e usando uma trança de rosas. Os pintores flamengos e holandeses do século XVII lhe concederam lugar importante em suas opulentas composições florais.
Um pouco desprezada no fim do século XVII, a rosa retornou à moda na segunda metade do século XVIII. Adornava delicadamente as porcelanas e as marchetarias de madeira, florescia nos papéis de parede e nas colchas, era ostentada nas tapeçarias da fábrica dos Gobelins ou escorria em cascata nos vestidos delicadamente bordados, como o mostra o Retrato de Mme. de Pompadour, em que ela foi pintada em pé por François Boucher. Os namorados, de Jean Honoré Fragonard, brincam num roseiral, que aparece numa série de telas consagrada às idades do amor. Já Louise-Elisabeth Vigée-Lebrun faz dela o acessório essencial de seu encantador retrato de Maria Antonieta com a rosa. Os especialistas chegaram a identificar a espécie representada, a preferida dos pintores. Tratar-se-ia da flor cor-de-rosa nacarada da roseira Centifolia (cem pétalas), nascida provavelmente nos Países Baixos por volta de 1600 e cuja forma generosa lhe valeu o cognome de "rosa-couve".
No século XIX, a imperatriz Josefina, esposa de Napoleão I, teve um papel determinante na criação de novas variedades de roseiras na França. Ela constituiu a mais importante coleção da época, cerca de 250 variedades, em seu jardim da Malmaison. Nessa época de conflito com a Inglaterra, a Marinha recebeu a ordem de revistar os navios inimigos com o fim de encontrar as plantas vindas da China. Para imortalizar essas maravilhas, Josefina, cujo terceiro prenome era Rosa, as fez pintar por Pierre Joseph Redouté (1759-1840). Os três volumes dessas Rosas assinalaram o apogeu de sua arte.
Existem hoje cerca de 150 espécies recenseadas de roseiras botânicas (ou espontâneas) e milhares de híbridos e cultivares (variedades cultivadas) criados pelos roseiristas. O reinado da "rainha das flores" não está prestes a terminar. Mas é preciso ter cuidado com as falsificações. Como todo inventor, o grupo francês Meilland, um dos primeiros produtores de roseiras do mundo, detém hoje mais de 600 marcas de rosas que são objeto de proteção e de investimento de royalties. Para combater as falsificações - na maioria chinesas -, o grupo se cerca de um bom número de advogados que não hesitam perseguir os falsários muito além das fronteiras.
A rosa da piedade
No século XI, a Igreja instaurou um novo ritual em que a flor era o elemento principal: todos os anos, no quarto domingo de Quaresma, o papa benzia uma rosa de ouro que ele conduzia em procissão após a missa e oferecia em seguida a uma personalidade, não raro escolhida entre os príncipes católicos, cuja piedade ele queria honrar. Uma das mais antigas rosas de ouro conservadas no mundo - restam apenas três - provém do tesouro da catedral de Basiléia.
No século XII, São Bernardo fez da rosa o símbolo da Virgem. Em 1216, o papa Inocêncio III oficializou o rito do rosário. O termo rosário designava originalmente um rosarium, ou jardim de rosas, e depois se aplicou às guirlandas trançadas para coroar as estátuas da Virgem. Por extensão, a palavra iria definir o grande rosário que representa os mistérios da vida de Maria, cujas contas eram fabricadas na primavera com pétalas de rosa moídas, secas e perfumadas. A flor tornou-se o emblema da fidelidade à Igreja. Está presente na arte gótica das catedrais sob a forma de rosáceas. A mística cristã medieval, retomando a simbólica antiga, considerava a rosa branca como o símbolo da pureza e, por conseqüência, da sabedoria monástica, enquanto a rosa vermelha evocava a Paixão de Cristo e o sangue dos mártires.
Cultivada como ornamento nos canteiros régios e como planta medicinal nos jardins dos mosteiros, a rosa foi introduzida, no curso dos séculos XII e XIII, no desenvolvimento de várias festas religiosas cristãs, notadamente o Pentecostes. Essa celebração sempre foi conhecida nos campos sob o nome de Páscoa das Rosas, em razão de um costume medieval encantador. Durante a missa, no momento do Veni Sancte Spiritus, rosas caem da abóbada, ou antes, do alçapão chamado passagem do Espírito Santo, montado em certas igrejas.
A febre da tulipa
rosa não foi a única flor a ter feito história. A tulipa, uma espécie exótica originária do Oriente, foi protagonista de um episódio que se tornou um clássico da literatura econômica. Trata-se da tulipamania, ou febre da tulipa.
No século XVII, a transformação de uma simples tulipa em objeto de desejo por status social fez com que os em geral racionais cidadãos de Amsterdã agissem como arrojados especuladores.
Tudo começou em 1633. Na mesma época em que os holandeses ocupavam parte do Nordeste brasileiro, seus conterrâneos na Europa se entregavam à atividade de comprar e vender tulipas. Seria um comércio corriqueiro não fossem os preços que passaram a ser praticados.
De uma hora para outra, um bulbo de tulipa passou a ser vendido pelo equivalente a 24 toneladas de trigo, para citar uma comparação de Mike Dash, autor britânico que publicou Tulipomania na década de 90. No livro, ainda não traduzido para o português, Dash cita outros produtos com preços equiparáveis ao bulbo: 12 ovelhas, ou quatro barris de cerveja, ou duas toneladas de manteiga. Os bulbos mais procurados podiam valer muito mais, algo como um dote de casamento.
O fato é que todos faziam o possível e o impossível para comprar bulbos de tulipa. A demanda era tão intensa que provocou o surgimento do primeiro mercado futuro - daí o interesse que despertou entre historiadores da cena econômica. Os consumidores compravam um título dos produtores para ser trocado por um bulbo na época apropriada. Mas podiam também comercializar o papel antes disso.
A especulação tornou-se desenfreada e, em 1637, quando a frágil base do investimento se tornou evidente, os preços despencaram de forma tão rápida quanto haviam subido.
Véronique Dumas é doutora em história da arte contemporânea e escritora.
Revista Hitória Viva