A história e a evolução do alfabeto na linguagem
História do Brasil e do Mundo

A história e a evolução do alfabeto na linguagem


Uma das maiores contribuições dos romanos para o mundo ocidental foi o alfabeto latino. Ainda que adaptado para as várias e diferentes línguas do mundo, o alfabeto latino conquistou um território nunca antes imaginado pelos romanos e hoje é utilizado até por idiomas que não possuem nenhuma ligação com o latim, como o turco e o chinês. Mas de onde ele veio? Como surgiu? Conheça um pouco mais sobre
Francisco Edmar Cialdine Arruda*


Uma das maiores contribuições dos romanos para o mundo ocidental foi o alfabeto latino. Ainda que adaptado para as várias e diferentes línguas do mundo, o alfabeto latino conquistou um território nunca antes imaginado pelos romanos e hoje é utilizado até por idiomas que não possuem nenhuma ligação com o latim, como o turco e o chinês. Mas de onde ele veio? Como surgiu? Conheça um pouco mais sobre
Francisco Edmar Cialdine Arruda*

O alfabeto é uma forma de registrar uma língua cujos caracteres (as letras) procuram corresponder a um respectivo fonema. Mas essa correspondência não é perfeita. Em português, por exemplo, temos letras que podem representar fonemas diferentes, como a letra "x" (exemplo, enxame, próximo); letras que representam mais de um fonema ao mesmo tempo: novamente o "x" (táxi - "táksi"); fonemas que são representados por várias letras: rosa ("z"), zebra ("z"), exame ("z"); isso sem falar dos dígrafos.
A escrita alfabética se opõe a outras formas de escrita, como a ideográfica (saiba mais no quadro Outras formas de escrita), usada em vários países do extremo oriente, e a outras formas menos comuns. Ademais, existem outros alfabetos além do alfabeto latino como, por exemplo, o alfabeto grego e o cirílico latino como, por exemplo, o alfabeto grego e o cirílico .

cirílico
O alfabeto cirílico foi criado no século IX por missionários cristãos (em especial São Cirilo), a partir da combinação de letras gregas e hebraicas, dentre outras. É utilizado principalmente nas línguas eslavas, como o russo. Originalmente, possuía 43 letras, mas muitas foram re- tiradas por serem consideradas supérfluas - o russo moderno, por exemplo, tem 32 letras. A Romênia, apesar de ser um país de língua neolatina, usou o alfabeto cirílico por muito tempo - apenas no século XVIII adotou o modelo latino.

ORIGENS DISTANTES
A história de nosso alfabeto remonta à metade do segundo milênio antes de Cristo e a um povo de origem semita, os fenícios. Esse povo se caracterizava por uma cultura comercial marítima muito forte e chegou a formar colônias por todo Mediterrâneo, inclusive na península Ibérica, o ponto mais ocidental da Europa. Com o objetivo de facilitar a comunicação e, consequentemente, o comércio, surgiram, na cidade fenícia de Biblos, as primeiras manifestações escritas que acabariam por formar o alfabeto fenício, que se espalhou Mediterrâneo afora. A língua fenícia era representada por 22 sinais gráficos - apenas consoantes, já que a língua era de origem semita e, portanto, as vogais eram inferidas pelo contexto. Seria como se escrevêssemos "Brsl" no lugar de "Brasil".
Com a divulgação desse alfabeto, os gregos se apropriaram dele e o adaptaram para sua língua. Tal processo foi lento. Acredita-se que, no final do século V a.C., a cidade de Atenas, grande centro cultural da civilização grega, oficializou a adoção da escrita alfabética. A grande mudança que os gregos fizeram foi a inserção das vogais. Para isso, eles excluíram alguns caracteres usados para sons guturais (produzidos no fundo da garganta), que não existiam na língua grega, e aproveitaram para representar os fonemas vocálicos. De igual modo, os gregos criaram símbolos para representarem os fonemas aspirados que não existiam na língua dos fenícios. Com isso, chegamos ao alfabeto grego tal o conhecemos ainda hoje - a única diferença de lá para cá é a pronúncia de algumas letras.
etruscos
A Etrúria era uma região que ficava ao norte do Lácio, onde hoje está localizada a Toscana. Pouco se sabe sobre o povo que viveu lá (os etruscos) e sua língua não foi decifrada, apesar de fazer uso de um alfabeto próximo do adotado nas colônias gregas ocidentais (que era um pouco diferente do grego clássico de Atenas). Durante a Monarquia (período que antecedeu a República), eles chegaram a dominar os romanos, os quais influenciaram em inúmeros aspectos.

DO GREGO AO LATINO (VIA ETRUSCOS?
Aqui é que os latinos entram na história. No entanto, a grande polêmica é: sabemos que o alfabeto latino se desenvolveu a partir do grego - aliás, o latim arcaico era muito parecido com o grego antigo -, porém não se sabe se esse desenvolvimento foi direto ou se foi intermediado pelos etruscos. De fato, os etruscos deixaram muitas marcas culturais nos latinos, principalmente durante os primeiros séculos da civilização romana, razão pela qual não seria de estranhar que os romanos usassem um alfabeto baseado no etrusco. Os primeiros escritos revelavam que os romanos, inicialmente, escreviam utilizando apenas letras maiúsculas (chamadas de "Capitalis quadrata", ou escrita monumental). Essa escrita era mais utilizada em documentos oficiais. Também era comum não haver espaço entre as palavras nem pontuação e não possuir uma ordem certa: podia-se escrever da esquerda para a direita e vice-versa ou, ainda, alternando escrever da esquerda para a direita e viceversa ou, ainda, alternando . Com o tempo, a literatura se desenvolveu e, consequentemente, a escrita foi ganhando o formato que conhecemos hoje nas aulas de latim. Surgiram a escrita cursiva (utilizada no dia a dia) e a escrita uncial.
No período clássico (século I a.C.), o alfabeto já estava em vias de consolidar-se com suas 21 letras originais (A, B, C, D, E, F, G, H, I, J, L, M, N, O, P, Q, R, S, T, V, X) e as letras gregas (Y, Z) usadas em palavras dessa origem. Esse alfabeto chegou até nossos dias com pouquíssimas alterações (algumas para se adequar às necessidades fonético-fonológicas de cada língua).
alternando
A chamada escrita "bustrofédon" (do grego "bous", boi; "strophé", virar) tinha esse nome porque sua forma de escrever, alternando a ordem a cada linha, lembrava o ato de arar a terra com um boi: seguiase, por exemplo, da esquerda à direita e, ao final, quando seguia para a próxima linha, mudava-se, da direita para a esquerda e assim sucessivamente em ziguezague. Muitas línguas arcaicas utilizavam essa ordem ao escrever.

PARTICULARIDADES
Houve duas modificações no alfabeto dignas de nota. A primeira ocorreu no período do imperador Cláudio (41 a 54 d.C.). Conhecido por sua erudição, ele propôs o acréscimo de três letras: ? (para representar o som "u" consoante),? (para representar o som "ps") e (para representar um som intermediário entre "i" e "u"). Porém, após a morte do imperador, tais letras foram abolidas.
A outra reforma, datada da Renascença, veio do erudito Petrus Ramus e acrescentou as letras J e V. Vamos às explicações: os romanos não conheciam os fonemas "j" (de jato) nem "v" (de vida). Como consequência essas letras não existiam. Por outro lado, a letra I representava tanto uma vogal quando uma consoante, ambas pronunciadas da mesma forma, sendo que o I consoante equivale ao nosso "i" semivogal. De igual modo, a letra V, escrita cursivamente como u, representava tanto a vogal quanto a consoante (também equivalente ao nosso "u" semivogal). A partir de Ramus, o "u" vogal passou a ser representado por U/ u e o "u" consoante, V/v; assim como o "i" vogal, I/i e o "i" consoante, J/j. Apenas com o tempo foi que surgiram os fonemas "v" e "j".
Outras particularidades que podemos ressaltar: a letra K, usada sempre antes de A, e a letra Q, usada antes de O e U, foram caindo em desuso, sendo substituídas por C na maioria das palavras. Essa letra servia tanto para o fonema "c" (de carro) quanto para "g" (de gato). Com o tempo acrescentou-se um traço na parte inferior da letra para diferenciar os dois fonemas e assim surgiu a letra G. Já a letra S surgiu para representar um fonema surdo (o "s" de sapo), mas que, no século IV a. C., sonorizou-se entre vogais (tal qual o "s" de rosa), porém, posteriormente voltou a ser apenas surdo. No período pré-clássico, a letra F era escrita sempre FH, mas com tempo simplificou-se; Além disso, as letras gregas usadas para fonemas aspirados foram, por um tempo, usadas como números (saiba mais no quadro "Os números latinos"), já que esses fonemas não existiam em latim.

POR FIM (FIM)
É claro que muito há que ser dito ainda sobre o tema. Nada mencionamos sobre a polêmica existente entre as várias pronúncias latinas; também mereciam algumas linhas as adaptações como o surgimento do Ç, Ñ, dentre outras letras. Mas deixaremos essas questões a cargo da curiosidade do leitor em pesquisar sobre o tema. Recomendamos a leitura de História concisa da escrita, de Charles Higounet (editora Parábola), como pontapé inicial , bem como História da escrita de Steven Roger Fischer (editora da Unesp) - e, claro, sempre estaremos disponíveis a ajudar os curiosos a descobrir respostas...

ALFABETOS ANTIGOS
A título de ilustração, abaixo um quadro comparativo entre alguns alfabetos antigos. Na sequência temos hieróglifos egípcios, fenício antigo, hebraico antigo, moabita, grego antigo, grego oriental, grego ocidental, grego clássico, etrusco antigo, etrusco clássico, latim antigo, latim antigo monumental e latim clássico.
OUTRAS FORMAS DE ESCRITA
É interessante saber que o homem sempre possuiu formas diferentes para registrar uma língua - algumas desapareceram com tempo, outras per- manecem. Não é adequado dizer que a escrita "evoluiu", sob pena de afirmar que as formas de escrita hoje são melhores que as antigas. As línguas do Oriente Médio, por exemplo, possuem a forma de escrever muito mais antiga que o alfabeto latino - e nem por isso são inferiores (ou superiores). O fato é que a forma de escrita de um povo sempre será suficiente para suas ne- cessidades linguísticas; caso contrário, o próprio povo, às vezes consciente, outras inconscientemente, adapta a escrita para as necessidades existentes. Dentre as outras formas de escrita podemos destacar:


ABJAD: um tipo de alfabeto só de consoantes. Nessa forma de escrita, as vogais são inferidas pelo contexto ou sinais diacríticos. As línguas semíticas (do Oriente Médio), como o hebrai- co, o árabe e o próprio fenício, são exemplos de línguas que usam abjad. Acima exemplos de letras do alfabeto hebraico.


ABUGIDA: uma forma de escrita em que o caractere representa uma consoante e uma vogal previamen- te unida a ela, de modo que as de- mais vogais são representadas por sinais diacríticos. A língua hindu e seu alfabeto devanagári, acima, é um exemplo:

IDEOGRAMA: é um tipo de escrita antiga e que existe ainda hoje. Os hieróglifos egípcios, os kanji do japonês e chinês são exemplos desse tipo de escrita. Abaixo alguns hieróglifos:


PICTOGRAMAS: os pictogramas foram as primeiras tentativas de manifestação escrita do homem. Na verdade, os pictogramas estão entre a escrita e o desenho. As primeiras inscrições nas cavernas foram pictográficas:

NÚMEROS LATINOS
Existe uma crença sobre os números latinos serem derivados da inicial do nome do número (C para centum, "cem"; M para mille, "mil"). No entanto, como explicar V (5), X (10), L (50) e D (500)?
O fato era que os antigos pastores marcavam com um traço para contar cada cabeça do rebanho. Mas, como a percepção humana não ultrapassa quatro unidades diferentes, a quinta marca foi concebida de forma diferente (V) e a décima, seu dobro (X não passaria de dois V, um sobre o outro). Já L, C, D, M são originados a partir de letras gre- gas que foram se modificando com o uso: psi (?) para L, teta (?) para C e phi (?) para M. Acredita-se que D seria, na verdade, a metade direita de phi (?). É importante dizer que os romanos não conheciam o numeral zero e que os números, inicialmente, se faziam repetindo as letras. Com o tempo passou-se a utilizar um sistema de subtração que tornou a numeração mais prática, isto é, em vez de LXXXX para 90, usa-se XC (100-10). Ainda hoje é possível ver essa numeração romana utilizada em inscrições de monumentos, principalmente religiosos.

*Professor da Universidade Regional do Cariri, mestre em Linguística aplicada pela Universidade Estadual do Ceará e pesquisador do Grupo de Pesquisa em Lexicografia, Terminologia e Ensino (LETENS), atuando principalmente com os temas Terminologia, Lexicografia, Surdez, Multimodalidade e Estudos clássicos. Contato: [email protected]

Revista Língua Portuguesa




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