A grande colméia humana
História do Brasil e do Mundo

A grande colméia humana


Através da história, as sociedades vêem
a atividade das abelhas como espelho ? ou
utopia ? de si próprias

Okky de Souza

As abelhas sempre exerceram um enorme fascínio sobre a humanidade. Não tanto por produzirem o mel, uma das delícias da natureza, mas, principalmente, pela organização que rege a vida das colmeias. Nelas, a abelha rainha é alimentada por 50.000 abelhas operárias e voa uma única vez na vida para copular com uma dúzia de zangões, cujo esperma retém por várias semanas e que serve para fertilizar 15 000 ovos. As operárias, por sua vez, se dividem entre vários serviços ao longo da vida ? desde recolher o pólen nas flores até cobrir as larvas com cera para mantê-las aquecidas ? sem que ninguém lhes precise dizer que é hora de mudar de tarefa. Essas e muitas outras atividades que uma colmeia envolve se sucedem com tanta precisão que é inevitável comparar a faina das abelhas com a dos seres humanos. A historiadora inglesa Bee Wilson, da Universidade de Cambridge, nota que essa comparação tem sido feita exaustivamente através dos séculos. Todas as sociedades ocidentais desde a Grécia antiga enxergaram a colmeia como microcosmo de si próprias, como espelhos ? ou utopias ? de suas formas de governo, de sua política, de sua economia e das relações entre os sexos em suas organizações familiares.

As observações de Bee Wilson encontram-se em seu livro recém-lançado na Inglaterra, The Hive: the Story of the Honeybee and Us (A Colmeia: a História das Abelhas e de Nós), um passeio delicioso pelo fascínio da humanidade por aquilo que o poeta romano Virgílio definiu como "pequenas repúblicas de grandes líderes". Os romanos referiam-se à maior abelha da colônia como rex, dux, imperator ou ductor ? termos que significam chefe ou imperador. Desde então, através dos tempos, o sistema que rege a colmeia já foi definido como monarquia, oligarquia, aristocracia, império e ditadura comunista, entre outras tantas formas de governo. "Como acontece no mundo dos fenômenos políticos, cada um enxerga a colmeia da maneira que lhe convém", escreve a historiadora. Na Idade Média, a colmeia foi definida pelos apologistas do feudalismo como uma comunidade regida por um rei a que todos os trabalhadores admiravam, um rei tão misericordioso que, mesmo possuindo um ferrão, jamais o usava para subjugar seus súditos. Até então, pensava-se que a abelha rainha era um macho.

Na Europa do século XVIII não só se descobriu que o manda-chuva da colmeia era fêmea como a metáfora entre abelhas e seres humanos atingiu seu ápice. Depois que a Revolução Francesa enxotou a monarquia, instituiu-se a crença de que, se a colmeia era uma monarquia, era uma monarquia republicana, nunca absolutista. O trabalho incessante das abelhas operárias não mais significava obediência cega à rainha, mas demonstração de virtude republicana. Anos depois, quando Napoleão Bonaparte assumiu o poder, pediu sugestões para novos símbolos que representassem o império. O Conselho de Estado propôs que fossem escolhidas as abelhas, que simbolizariam "uma república com um chefe", dotadas de ferrões mas capazes de produzir mel.

Os conselheiros de Napoleão sabiam que esses insetos eram símbolos dos reis do Egito e que 300 abelhas de ouro foram encontradas na tumba do rei Childéric, precursor dos monarcas franceses. As abelhas, portanto, serviam para tornar mais crível a transformação do filho de um advogado da Córsega, cujo nome original era o italianíssimo Buonaparte, no mandatário supremo da França. As novas roupas do imperador foram cobertas de imagens de abelhas, assim como os panos decorativos que pendiam da Catedral de Notre Dame no dia de sua coroação. Posteriormente, a águia se tornaria o emblema do imperador francês, mas as abelhas continuaram a ter lugar de honra entre os símbolos da pátria ? assim como no imaginário humano em todas as épocas.
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