Queda inesperada: com a esposa, Clementine, Churchill se prepara para deixar o governo
Nos últimos seis anos, período em que a Europa se viu engajada no conflito mais devastador de sua história, Winston Churchill ofereceu aos ingleses seu sangue, suor, labuta e lágrimas. Primeiro como Lorde do Almirantado e depois como primeiro-ministro, o rotundo britânico foi o alicerce sobre o qual empilharam-se as esperanças de toda a nação. No mês passado, porém, os súditos da Casa de Windsor retribuíram de forma pouco gratulatória toda essa devoção durante as eleições gerais na Grã-Bretanha. Sem pestanejar, defenestraram Churchill de Downing Street, enxotando assim o homem que venceu o duelo contra Adolf Hitler - a partir de agora, o notável estadista só poderá despachar com Nelson, seu gato persa de estimação, presença permanente em seu escritório.
A esmagadora vitória do Partido Trabalhista contra os Conservador e seus aliados (393 cadeiras contra 213), que tirou do poder o "Devorador de Alemães" - conforme o epíteto cunhado pelo próprio líder germânico -, foi uma surpresa. Durante a campanha, Winnie era ovacionado por onde passava, e seus pares mantiveram a certeza do triunfo até a data da divulgação do resultado oficial, em 26 de julho, três semanas após o sufrágio. No mesmo dia, Churchill entregou sua renúncia ao rei George. No dia seguinte, desocupou a residência oficial de Downing Street ao lado da mulher, Clementine, e da filha, Mary.
Analistas políticos afirmam que o resultado está longe de significar uma derrota pessoal de Churchill - seria, na verdade, a forma encontrada pela população para punir a miséria econômica dos tempos do pré-guerra, fomentada pelos conservadores. De acordo com os especialistas, os britânicos optaram por votar em um partido dedicado à reforma social. De qualquer forma, não adianta explicar isso a Churchill. Acostumado aos galardões, ficou visivelmente atarantado com o revés. O veterano só não deixou de lado a tradicional elegância em relação aos conterrâneos: "Agradeço ao povo britânico pela gentileza". Preocupada com a carga de trabalho extenuante do marido durante os anos de guerra, Clementine ainda tentou animar o inconsolável Churchill, apelando às possíveis vantagens da derrota. "Winston, isso pode ser uma bênção disfarçada", disse, lembrando que o esposo terá tempo livre para voltar a escrever e pintar. "Querida, então ela está muito bem disfarçada", respondeu ele, para quem bênção mesmo é estar no poder....
De charuto a cachimbo - O novo inquilino do número 10 de Downing Street é Clement Attlee, convocado pelo rei George para formar o novo governo - pelo atual sistema eleitoral britânico, a população escolhe só o partido, enquanto o monarca define seu representante máximo. Aos 62 anos, o socialista carequinha é visto por seus colegas como um homem calmo e taciturno, que, ao contrário de Churchill, não deverá se dedicar a longos sermões para os membros de seu estafe. Attlee já afirmou que pretende conduzir o governo como um moderno diretor de empresa, valorizando o diálogo e acatando sugestões de subordinados. Sua primeira missão oficial foi comparecer à conferência de Potsdam, ao lado do presidente dos EUA, Harry Truman, e do líder soviético Josef Stalin.
O novo primeiro-ministro participou do gabinete de guerra do governo de coalizão, desempenhando funções importantes na organização britânica no período dos combates. Mesmo tendo mantido um relacionamento cordial e harmônico durante todo esse tempo, os dois líderes têm suas diferenças - e elas não são pequenas. Além de Churchill fascinar-se pelos charutos e Attlee pelos cachimbos (como, aliás, denunciam seus dentes rotos), o primeiro tem ojeriza ao socialismo, enquanto o segundo repele o estilo centralizador e para alguns ditatorial do predecessor. Churchill não comenta as críticas, mas dá o troco numa alfinetada de mestre: "Attlee é um homem modesto", diz, com sorriso maroto. "E tem muito do que ser modesto mesmo". Touché. O velho Winnie pode até perder nas urnas - mas nas palavras, jamais.
VEJA, Agosto de 1945
Revista Veja na História