Na Comédia dos Erros, Shakespeare nos conta a história de dois irmãos gêmeos idênticos, ambos chamados Antífolo e acompanhados de seus servos, também gêmeos e, também, com mesmo nome: Drômio. Na história os irmãos, separados na juventude por um naufrágio, empreendem uma busca um pelo outro.
A peça trata de encontros e desencontros entre os dois personagens e seus servos. Shakespeare, como poucos, desenvolveu uma trama hilariante onde os personagens passam por várias situações de conflito quando os dois irmãos e seus servos estão na mesma cidade, Éfeso (Grécia), mas sem que um saiba da presença do outro. Com isso, os dois irmãos passam a ser confundidos pela população local causando uma série de problemas um para o outro.
O auge da confusão acontece quando a esposa do Atífolo de Éfeso briga com o cunhado acreditando tratar-se do marido. Em meio à confusão, a mulher questiona o cunhado sobre uma série de assuntos, o gêmeo, sem entender, responde acreditando se tratar de outro assunto, como as respostas estão desencontradas a esposa acredita que o marido esta louco. A confusão somente chega ao fim quando os irmãos finalmente se encontram.
Também durante minhas férias, me deparei com um artigo publicado no jornal Zero Hora (13/01/2011) assinado pelo advogado e jornalista Cleber Benvegnú. Neste artigo, cujo título é “Quando a culpa também é do professor”, o autor trata dos problemas da educação no Brasil. Segundo Benvegnú, os maiores culpados pela má qualidade do ensino em nosso país são os próprios professores. Para ele, os professores preferem reclamar da baixa remuneração, das péssimas condições das escolas e da má educação dos alunos ao invés de se aperfeiçoar e atualizar. Também segundo advogado-jornalista, se os professores reclamassem menos e trabalhassem mais, a educação no Brasil seria muito melhor do que é.
Mas o maior problema desta discussão é que cada vez mais os veículos de comunicação abrem espaço para manifestações sobre os problemas da educação no Brasil para pessoas que não possuem formação para isso. Cada vez mais estrangeiros da educação tratam do assunto como se fossem especialistas da área.
Ao invés de darem voz para profissionais com a devida formação pedagógica, os veículos de comunicação brasileiros preferem ouvir o discurso de pessoas que pouco ou nada sabem sobre a realidade pedagógica e estrutural das escolas em nosso país. O autor do referido artigo, um advogado-jornalista, profere um discurso simplório (sem conhecimento de causa) e recheado de preconceitos sobre a classe dos professores, da qual se diz “filho de um professor”, como se isso o credenciasse a escrever o artigo.
Apesar de não ser especialista na área, Benvegnú se comporta como um. O que diria este autor se um professor criticasse a classe dos advogados (credo!) ou dos jornalistas como se fosse uma autoridade da área?
Como professor, leciono tanto na rede privada quanto na pública, posso afirmar que o professor reclamão retratado no artigo de Benvegnú é uma minoria em nossas escolas. O que não é minoria são as péssimas condições em que as escolas públicas se encontram. Uma das escolas que leciono possui buracos no chão, problemas de iluminação, sala de informática defasada, ausência de cadeiras e mesas em condições de os alunos estudarem e ainda muitos outros problemas. Mas mesmo assim, nós, professores, trabalhamos e muito bem driblando as dificuldades. É claro que existem os reclamões, mas esses são minoria. A grande maioria dos professores esta na profissão por convicção, fato que não exime as autoridades politicas de seu dever de dar melhores condições de trabalho e remuneração aos professores.
Benvegnú também escreve que os professores devem buscar o aperfeiçoamento, para melhor desempenharem sua profissão, fato que concordo, porém, o que o autor parece desconhecer é que a especialização possui um custo e que muitos professores não podem fazê-la simplesmente por que não podem pagar por ela.
Como na Comédia dos Erros, onde a esposa questiona o cunhado achando que conversa com o marido, os veículos de comunicação estão dando voz ao Antífolo errado. Pois o Antífolo que ouvem é aquele que desconhece o assunto que aborda, portanto, não tem como apontar a solução para o problema.
Esse é o grande erro dos estrangeiros da educação que falam de problemas e situações que desconhecem e se desconhecem não podem apontar a solução adequada. Assim como o Antífolo errado, Benvegnú não pode responder corretamente sobre situações que desconhece pura e simplesmente porque não vive naquela realidade.
Portanto, a melhora da educação no Brasil passa necessariamente por dar voz àqueles que podem realmente apontar soluções para o problema, ou seja, os professores e os profissionais da área, aqueles que vivem da educação.
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