A superação do Mundo Romano pelas incursões bárbaras marcou o início de um novo tempo para a história européia. O Velho Continente entrava no período medieval, denominado em sua primeira fase como Alta Idade Média (séculos V a XI). A partir desse momento registrou-se, por exemplo, a regressão da economia e da vida cotidiana ao estágio de mundo rural, com a substituição do comércio de longas rotas por produções de base local, firmando as áreas de convivência e trabalho, identificadas como feudos especificamente enquanto áreas em que se trabalhava para a obtenção de víveres que garantissem a subsistência.
A dieta básica dos servos, ou seja, dos camponeses responsáveis por praticamente toda a sobrevivência no período, já que os nobres não realizavam o trabalho produtivo diretamente relacionado à terra (a grande riqueza de então) e os clérigos, por sua vez, produziam apenas dentro de suas próprias possessões, era composta de pães, papas, mingaus, ervas e raízes.
O consumo de ervas, raízes e também de frutas silvestres (quando disponíveis) demonstra que ainda era necessária uma complementação da dieta com produtos que eram coletados nas florestas próximas aos feudos, ao menos no que tange a alimentação dos próprios servos. O consumo de pães entre os camponeses não era tão disseminado como muitos acreditam, a principal causa dessa situação refere-se ao fato de que os servos tinham que pagar a banalidade, taxa cobrada pelos senhores para a utilização dos fornos e moinhos existentes em seus domínios, direito que era exclusivo dos mesmos.
A produção nos campos para a subsistência e o pagamento de taxas como a Talha, a Corvéia e as Banalidades caracterizam o duro cotidiano dos Servos da Gleba da alta.Idade Média.
Nesse sentido, como as condições de vida eram rudimentares na maioria dos casos, o estabelecimento dos feudos e das vilas campesinas que realizavam o processo produtivo privilegiava a proximidade de rios e lagos que lhes permitiam a pesca e o acesso à água para uso nas atividades diversas que realizavam e sobrevivência, como a própria alimentação.
Havia ainda a preocupação de delimitar os espaços dentro dos feudos com a finalidade de demarcar as áreas de atuação e convívio das pessoas que neles residiam. Por esse motivo surgiram os mansos: senhorial (onde se estabelecia o castelo dos senhores), servil (que acomodava as terras e casas dos camponeses) e de reserva (constituídos pelas áreas de florestas, lagos, rios,...). Os ?mansos de reserva? legavam a possibilidade da caça, da pesca e da coleta que auxiliavam na complementação da dieta dos habitantes dos feudos.
Os servos criavam alguns animais, sempre em pequena escala, com especial destaque para os porcos, as ovelhas, os bodes e algumas vezes as aves (galinhas e patos). Além disso desenvolviam hortas, nas quais se plantavam cebolas, cenouras, alhos, ervas aromáticas e nabos. A produtividade de suas hortas e pequenas criações era baixa devido às técnicas rudimentares que utilizavam e aos equipamentos escassos que possuíam. Como eram iletrados, desconheciam os meios e práticas de trabalho agro-pastoris utilizadas pelas grandes civilizações que os antecederam, como os gregos e os romanos.
A mesa dos senhores caracterizava-se pela fartura que contrastava com a pobre alimentação dos camponeses. Essa riqueza ficava ainda mais evidente quando os feudos eram visitados por importantes membros do clero ou da hierarquia feudal.
O inverno rigoroso da Europa registrava muitas doenças em virtude da escassez de vegetais na dieta campesina já que durante essa estação do ano esses alimentos praticamente desapareciam das empobrecidas refeições dos servos. Se não bastasse essa situação já bastante comprometedora para a sua alimentação, a caça nem sempre era permitida pelos senhores e a Igreja cooperava com isso ao institucionalizar períodos em que restringia o consumo de carnes vermelhas.
Em geral, o único utensílio de cozinha dos servos era um caldeirão. Esse caldeirão ficava erguido sobre uma fogueira e fervia-se água em seu interior. Nele eram depositados vários alimentos que eram cozidos de uma só vez. Para que os alimentos não se misturassem colocavam-se os mesmos em saquinhos ou invólucros cerâmicos. O cozimento de todos esses alimentos ao mesmo tempo legava duas refeições aos servos.
A primeira eram os próprios alimentos cozidos que eram servidos como almoço, entre as 10 e as 11 horas da manhã. A outra era um caldo que surgia também desse cozimento e que tinha por base os sumos e sabores dos vegetais e carnes que ali haviam sido produzidos. Esse caldo, guisado ou sopa era utilizado como a refeição do final do dia, que acontecia entre as 5 e as 6 horas da tarde.
A abadia de Cluny notabilizou-se pelos excelentes queijos que produzia, tornando-se mundialmente conhecida com a consagração desse produto ali originado com o próprio nome da localidade religiosa que o concebeu.
Os caldeirões utilizados pelos servos não eram usualmente higienizados e isso ocasionava o acumulo de sobras em seu interior. Esses resíduos davam as sopas produzidas algum sabor, sendo utilizados como tempero ou condimento para as produções dos dias posteriores mas, também ocasionavam o risco de contaminação pelo surgimento de bactérias ou fungos que levavam os alimentos produzidos posteriormente a causar problemas intestinais e estomacais. Ademais vale destacar que a utilização de um único recipiente para cozinhar ajudava a quebrar o sal das carnes e peixes e dessa forma facilitava a condimentação dos outros alimentos ali contidos já que o sal era escasso e muito caro para ser adquirido pelos servos.
As cozinhas dos senhores, por outro lado, possuíam muitos utensílios como caldeirões, panelas, colheres, facas, espetos,... Nessas cozinhas eram encontrados fornos, grelhas e fogões a lenha e muitas eram as pessoas ali empregadas pelos senhores. Para esses serviçais, de origem humilde, empregados a partir da perene oferta de mão de obra dos servos, o trabalho nos domínios senhoriais garantia benefícios como uma alimentação diversificada e farta, mesmo em tempos de ?vacas magras?.
No cotidiano os senhores tinham uma alimentação mais frugal, em mesas simples nas quais se reuniam os familiares. Em nenhuma situação os serviçais podiam sentar-se à mesa com os senhores. Essa realidade sofria grande transformação a partir do momento em que chegavam visitantes ilustres.
Entre os servos medievais criavam-se alguns tipos de animais como os porcos, as ovelhas, os bodes, galinhas e patos. O consumo dessas carnes não era regular já que existiam as restrições alimentares impostas pela igreja (que chegavam a atingir mais de 150 dias por ano) e pela própria dimensão de suas criações, muito restrita, que legava o consumo de carnes apenas para as ocasiões especiais.
A partir de então as refeições transformavam-se em banquetes, com mesa farta, muitos serviçais e entretenimento (música, dança, malabarismos, mágica,...). Dependendo dos hóspedes a qualidade dos alimentos, serviços e entretenimento eram melhores ou piores, isso variava de acordo com a importância e relevância do visitante. O cardápio dos banquetes incluía aves, peixes, carnes vermelhas, cereais, frutas, legumes, cervejas e vinhos. Os banquetes tinham a intenção de demonstrar o poder e a influência dos senhores.
A vida dos religiosos da Alta Idade Média por sua vez era marcada pela fartura. As abadias, mosteiros e paróquias medievais recebiam grandes e freqüentes doações dos servos e dos senhores que eram pagas em produtos, o que mantinha os estoques alimentares sempre em alta.
Além disso as terras onde viviam os religiosos tinham áreas onde se plantavam verduras, legumes, cereais e também onde se criavam suínos, ovinos, caprinos, bovinos e aves. Consequentemente a dieta dos clérigos era farta e diversificada, devendo-se isso principalmente ao trabalho que esses religiosos realizavam em suas próprias terras.
Esse trabalho incluía a horticultura, a produção de vinhos e queijos, a apicultura, a piscicultura, as criações de animais e a semeadura dos campos. Cabe destacar que alguns dos queijos mais importantes e saborosos do mundo foram criados nas abadias e em mosteiros medievais, como o Cluny, o Citeaux, o Igny e o Maroilles.
O consumo de vinho na Idade Média foi herança legada pelos romanos e assumida pelo cristianismo que inclusive o ritualizou. Como na Antiguidade o consumo de vinho entre os padres do medievo previa a mistura de água para diluir os efeitos da bebida. Outra prática comum quanto ao vinho era a adição de elementos como ervas, frutas, sementes, especiarias ou cascas e resinas de árvores para dar aroma e paladar peculiares aos vinhos dos mosteiros.
As áreas controladas pelo Clero eram tão desenvolvidas e produtivas no tocante a obtenção de alimentos e outros recursos que eram como autênticas empresas agrícolas. Nesses locais podia-se conseguir manteiga, vinhos, verduras, mel, peixes, frutas, legumes, carnes variadas, sal, couro, alimentos salgados ou defumados,... A eficiência dos religiosos era tão grande que eles dominavam e executavam técnicas de irrigação ou drenagem em suas terras. A criação de peixes entre os religiosos era comum em virtude das várias restrições ao consumo de carne vermelha que tinham ao longo do ano (que chegavam a atingir mais de 150 dias por ano), como a quaresma.
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