Poder privado, poder público - Partir das palavras
O que era a vida privada nos tempos feudais? Para construir uma problemática eficaz - pois, repito-o, é disso que se trata - o melhor método, creio, é partir das palavras, explorar um campo semântico, isto é, o nicho onde se acha refugiado o conceito. Ao tomar este caminho, tenho além disso a impressão de ser fiel ao espírito daqueles eruditos que, à época que escolhi observar, cumpriam uma função análoga à que cumpro, e que em primeiro lugar eram gramáticos, começavam por estudar um vocabulário para aproximar-se do incognoscível, progredindo do mais conhecido ao menos conhecido.
Nos dicionários da língua francesa compostos no século XIX, ou seja, no momento em que a noção de vida privada adquiria seu pleno vigor, descubro de início um verbo, o verbo privar, significando domar, domesticar, e o exemplo dado por Littré, "um pássaro privado", revela o sentido: extrair do domínio selvagem e transportar para o espaço familiar da casa. Descubro em seguida que o adjetivo privado, considerado de maneira mais geral, também conduz à ideia de familiaridade, agrega-se a um conjunto constituído em torno da ideia de família, de casa, de
interior. Entre os exemplos que escolheu, Littré cita a expressão que se impunha em seu tempo: "A vida privada deve ser murada", e propõe esta glosa, em minha opinião bastante expressiva: "Não é permitido procurar e dar a conhecer o que se passa na casa de um particular".
Todavia, e é isso que marca bem o termo particular, em seu sentido primeiro, mais direto, mais comum, o privado se opõe ao público. Assim, no Littré, estas duas citações, uma de Vauvenargues: "Aqueles que governam cometem mais faltas que os homens privados"; e outra de Massillon: "Nada é privado na vida dos grandes, tudo pertence ao público". Eis-me então remetido à palavra público. Definição, de Littré: "O que pertence a todo um povo, o que concerne a todo um povo, o que emana do povo". Portanto, a autoridade e as instituições que sustentam essa autoridade, o Estado. Esse primeiro sentido evolui para uma significação paralela: diz-se público o que é comum, para o uso de todos, o que, não constituindo objeto de apropriação particular, está aberto, distribuído, resultando a derivação no substantivo o público, que designa o conjunto daqueles que se beneficiam dessa abertura e dessa distribuição. Muito naturalmente, o deslocamento do sentido prossegue: é dito público o ostensivo, o manifesto. Assim, o termo vem opor-se, de um lado, a próprio (o que pertence a tal ou qual), do outro, a oculto, secreto, reservado (o que é subtraído).
Deve-se ficar surpreso de que um nó de significações apareça de tal maneira organizado no seio da língua latina clássica, em torno de duas palavras opostas, publicus e privatus? Na linguagem de Cícero, por exemplo, agir privatim (opondo-se esse advérbio a publice) é agir não enquanto magistratus, investido de um poder emanado do povo, mas como simples particular, em outro território jurídico, e igualmente não é agir fora, aos olhos de todos, no fórum, mas em seu domicílio, no interior de sua casa, isoladamente, separadamente. Quanto ao substantivo
privatum, designa os recursos próprios (novamente, a ideia de propriedade), o uso próprio e, finalmente, ainda, o em-casa (in privato, ex privato: em ou fora da casa).
Quanto a privus, designa também ao mesmo tempo o que é singular e o que é pessoal. Em consequência, no francês do século xix e no latim clássico, a organização do sentido é a mesma; uma raiz, a noção de comunidade popular, da qual procedem dois ramos, um crescendo na direção do que é isento, afastado do uso comum, o outro na direção do que é doméstico, que toca ao indivíduo, mas cercado de seus próximos. Portanto, aquilo que juridicamente escapa, de um lado, a esse poder cuja natureza é especificada pela palavra publicus, poder do povo, e, do outro, à intrusão da multidão.