Os cavaleiros não matavam durante a Idade Média apenas porque lhes apetecia, mas porque eram obrigados ou porque era esse muitas vezes esse o seu trabalho, exactamente como se passa actualmente com os soldados de hoje. O homem não foi nem mais, nem menos, violento na Idade Média do que o é hoje, apesar da existência de uma concepção medieval de violência diferente da que temos actualmente.
A "Psicologia militar moderna permite-nos ler os textos medievais de uma nova maneira, dando-nos pistas para interpretar a violência durante a Idade Média na população em geral, e o uso extremo de violência letal por parte dos cavaleiros medievais", diz Thomas Heebøll-Holm que pesquisa temas relacionados com a violência no final da Idade Média.
"Antigamente, os textos medievais eram lidos vendo nos antigos cavaleiros autênticos heróis que adoravam e glorificando a violência. Mas, à luz da psicologia militar moderna, podemos perceber o custo mental que seria para os cavaleiros a sua participação nas guerras terríveis e extremamente violentas que se realizavam na Idade Média.
Violento por natureza ou violento devido à cultura?
Seriam os cavaleiros violentos por natureza, desfrutando e cultivando com gosto o acto de matar? Ou matavam por algo que lhes foi incutido como sendo o mal apontado por uma sociedade marcada por uma cultura de violência?
Alguns psicólogos acreditam que a violência está latente nos genes humanos, enquanto outros acreditam que é algo que aprendemos através da formação. A pesquisa histórica de Heebøll-Holm enquadra a percepção medieval da violência através destas duas categorias de análise.
"A partir de estatísticas criminais e cartas de perdão, os historiadores podem ver que as pessoas na Idade Média não eram mais violentas do que somos hoje", diz o investigador."Mas elas tinham uma percepção diferente do uso da violência, incluindo a violência letal ", sublinha.
Naquela época, as pessoas tinham as mesmas preocupações sobre a violência que temos hoje, e muitos opuseram-se ao uso da violência. Em algumas situações culturais é que foram forçados a usar essa violência.
O investigador relata uma história de Paris passada no século XIV para exemplificar o conceito cultural da violência medieval. Uma mulher foi espancada até à morte pelo seu marido. Os seus dois irmãos exigiram que o marido e agressor pagasse ou fosse punido pelos seus actos, mas ele recusou.
Embora os irmãos não sentissem qualquer prazer em matar o cunhado, e até tentaram evitar tal acto, eles foram forçados a fazê-lo para restabelecer a sua honra. Quando julgados pelas instâncias legais da época , em vez de punição os irmãos obtiveram absolvição, porque, como era publicamente sabido, o marido havia violado a honra deles ao matar a sua irmã.
No que diz respeito à classe dos guerreiros o que se verificava era que os nobres cavaleiros começavam as suas carreiras bastante jovens durante o período medieval. Desde muito tenra idade eram treinados em batalhas e instigados a participarem em jogos extremamente violentos, onde numerosos participantes morriam.
Para evitar que os jovens se transformassem em psicopatas incontroláveis, eles também foram ensinados a usar a violência apenas quando ela servia para limpar a sua honra, ou num conceito mais actual, a usá-la em prol de uma justa causa.
Mas esses mesmos cavaleiros medievais também aprenderam a ter comportamentos corteses e galantes, nomeadamente com as mulheres. ?No fundo a violência era apenas um instrumento que permitia assegurar a honra dos indivíduos, ou não permitir o abuso de terceiros. Isso significava que as pessoas comuns tinham muitas vezes que matar para mostrar ao mundo que as rodeava que estavam dispostas a garantir os seus direitos, nem que para tal tivessem que utilizar os meios mais drásticos", diz Heebøll-Holm.
Cavaleiros medievais sofriam de stress pós-traumático
Apesar de terem exercido a violência na sua forma mais extrema, como a participação em guerras, onde os seus companheiros foram cortados em pedaços pelas tropas do inimigo e onde eles mesmos usavam de uma violência brutal e horrível contra o inimigo, os cavaleiros medievais não eram violentos por natureza. As suas experiências de guerra poderiam deixá-los numa situação muito grave de stress pós- traumático, tal como acontece hoje, diz o investigador.
Durante os seus estudos sobre a violência na Idade Média, Heebøll-Holm deparou-se com um livro escrito por um cavaleiro que viveu na primeira metade do século XIV. " O seu nome era Geoffroi de Charny, e foi um dos cavaleiros mais respeitados na sua época. O livro, que descreve a vida de um cavaleiro, fala sobre as consequências psicológicas de se ser um "militar" na época medieval, e essas consequências assemelham-se fortemente aos sintomas de stress pós - traumático sentidos pelas tropas que fazem as guerras na actualidade".
"De Charny descreve os factores de stress dos cavaleiros medievais, e quando comparados com os descritos pela moderna ciência da psicologia militar, verifica-se que esses factores ou causas do stress pós - traumático são muito semelhantes aos dos veteranos da Guerra do Vietname, por exemplo. Este facto mostra que eles estão muito distantes da psicopatia violenta que a maior parte das pessoas atribui aos guerreiros medievais ", disse Heebøll-Holm.
Fontes: videnskab.dk e ScienceNordic
http://jornaldearqueologiamedieval.blogspot.com