A manipulação da fotografia, a parcialidade na sua escolha e os múltiplos fatores que influem na percepção que dela se tem jogam por terra o ditado de que a imagem vale mais que mil palavras.
por Boris Kossoy
Qualquer que seja o tema representado numa fotografia é a lembrança que ela traz de uma época desaparecida o aspecto simbólico sempre recorrente. É a fotografia, dentre as demais fontes de informação histórica não convencionais, uma das que têm atraído o interesse de um número maior de pesquisadores; um eficaz instrumento de descoberta e análise dos cenários e fatos do passado.
No trabalho histórico a imagem não vale por mil palavras. A gênese e a história dos documentos fotográficos, assim como os fragmentos do mundo visível passado que esses mesmos documentos preservam congelados, requerem, para sua devida compreensão, uma ampla gama de informações advindas de diferentes áreas do conhecimento.
A fotografia se refere a um micro-aspecto do mundo, a uma determinada realidade que ela registra. No entanto, queremos sempre saber mais a respeito daquilo que se acha gravado na fotografia. Porque temos a consciência que o que vemos se conecta a inúmeros fatos sobre os quais nada sabemos; e que podem contextualizar a imagem: um registro de aparências, composto de múltiplas realidades.
Quaisquer que sejam os conteúdos das imagens devemos considerá-las sempre como fontes históricas de abrangência multidisciplinar, decisivas para seu emprego nas diferentes vertentes de investigação histórica. As imagens fotográficas, entretanto, são apenas o ponto de partida, a pista para tentarmos desvendar o passado. Elas nos mostram um fragmento selecionado da aparência das coisas, das pessoas, dos fatos, tal como foram esteticamente congelados num dado momento de sua existência/ocorrência.
A realidade da fotografia não corresponde (necessariamente) à verdade histórica, apenas ao registro expressivo da aparência. Seu potencial informativo poderá ser alcançado na medida em que esses fragmentos forem contextualizados na trama histórica em seus múltiplos desdobramentos sociais, políticos, culturais, que circunscreveram no tempo e no espaço o ato da tomada do registro. Caso contrário essas imagens permanecerão estagnadas em seu silêncio: fragmentos desconectados da memória.
Assim como as demais fontes de informação históricas, as fotografias não podem ser aceitas imediatamente como espelhos fiéis dos fatos. A imagem de qualquer objeto ou situação documentada pode ser dramatizada ou estetizada, de acordo com a ênfase (intenção) pretendida pelo fotógrafo.
A manipulação é inerente à construção da imagem fotográfica. A foto é sempre manipulada posto que se trata de uma representação segundo um filtro cultural são as interpretações culturais, estéticas/ideológicas e de outras naturezas que se acham codificadas nas imagens.
A decifração das imagens vai além das aparências. Sua realidade interior deve ser desvendada segundo metodologias adequadas de análise e interpretação, caso contrário permaneceremos na superfície das imagens, iconografias ilustrativas sem densidade histórica.
Boris Kossoy é professor-titular do depto. de Jornalismo e Editoração da ECA/USP, pesquisador, historiador e autor de Realidades e ficções na trama fotográfica (Ateliê Editorial, 2001) e Dicionário histórico fotográfico brasileiro (Instituto Moreira Salles, 2002), entre outros.
Revista Historia Viva
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