Descortinando a era de chumbo
História do Brasil e do Mundo

Descortinando a era de chumbo



Descortinando a era de chumbo
Lucas Figueiredo fala sobre se u novo livro, Olho por Olho, que investiga o período da ditadura brasileira.

por Rafael Rodrigues ([email protected])


Todos os livros do jornalista mineiro Lucas Figueiredo abordam temas espinhosos. Em Morcegos Negros (2000), ele se dedicou a pesquisar um dos capítulos mais vergonhosos da história recente do Brasil, a Era Collor. Depois, escreveu sobre o serviço secreto brasileiro, em Ministério do Silêncio (2005). Pouco tempo passou e Lucas decidiu destrinchar mais um fato recente, o mensalão, no livro O Operador Como (e a mando de quem) Marcos Valério irrigou os cofres do PSDB e do PT (2006). Agora, em Olho por olho, o jornalista se debruçou sobre mais um período negro do nosso país: a ditadura.

Olho por olho conta a história de dois livros importantíssimos para o entendimento dos anos de chumbo: Brasil: Nunca Mais, escrito pelos adversários do regime; e O livro negro do terrorismo no Brasil, escrito pelos militares, mais conhecido pelo codinome Orvil, que é a palavra "livro" ao contrário. Mais que um apelido, Orvil revela a intenção real do livro: não apenas mostrar a ditadura segundo o Exército, mas também desconstruir e derrubar tudo que é contado em Brasil: Nunca Mais.

A maior parte das pessoas que leu o Brasil: Nunca Mais talvez não saiba que suas trezentas e doze páginas são o resultado de uma condensação de outras sete mil. Os responsáveis por essa tarefa foram o jornalista Ricardo Kotscho e o ex-preso político - torturado pelos militares - Frei Betto. O levantamento dessas sete mil páginas de documentos foi feito através de uma operação chamada Testemunhos Pró-Paz, digna dos melhores roteiros de filmes de espionagem. Como foi organizada a operação, quem participou dela, quem a bancou financeiramente, quais os perigos que passaram os integrantes do projeto, tudo isso é narrado por Lucas Figueiredo. A mesma análise é feita com o Orvil, que, em sua versão final, contava 919 páginas divididas em dois volumes. Quais foram os militares responsáveis por sua criação e execução? Que motivo o deixou engavetado por tantos anos? Quem vetou sua divulgação? Tudo isso é esclarecido pelo jornalista mineiro.

Na entrevista a seguir, Lucas Figueiredo, vencedor de três Prêmios Esso, fala sobre seu livro, sua inclinação para as reportagens de fôlego e sobre jornalismo e o fim dos jornais.

CP literatura Quais foram as dificuldades enfrentadas por você durante a escritura de Olho por olho?

A maior dificuldade, sem dúvida, foi conseguir uma das quinze cópias artesanais do Orvil, o livro secreto que o Exército produziu entre 1985 e 1988 e que nunca foi publicado. Comecei minhas buscas pelo Orvil em 1998 e só obtive uma das 15 cópias, por intermédio de uma fonte militar, em 2007.

CP literatura De onde vem sua predileção pelo jornalismo investigativo/ político?

Não gosto muito do termo "jornalismo investigativo"; prefiro "reportagem", que é algo que se faz há séculos. Acho que, no Brasil, nós, jornalistas, temos o papel imenso de revelar as mazelas que nos atravancam. Meu fascínio é mostrar o que dá errado, com a esperança de que isso ajude a fazer o certo.

CP literatura Nos últimos anos foram lançados muitos livros sobre os anos de chumbo no Brasil. Isso ocorre porque finalmente temos o distanciamento necessário para analisar friamente os fatos ou porque ainda há muito a ser dito sobre o assunto?

Nos últimos anos, tem vindo à luz muita informação nova sobre o período, por isso a grande produção. Como a ditadura ainda tem grandes mistérios, como o destino dos cento e trinta desaparecidos políticos, ainda temos campo para a publicação de centenas de obras. O interesse nunca irá se esgotar, porque esse foi um dos períodos mais trágicos do país.

CP literatura Durante o ensino médio, a História Contemporânea do Brasil não tem a atenção que merece. Fala-se muito sobre "Descobrimento" e pouco sobre a Ditadura. Isso resulta em jovens que mal sabem que durante anos nosso país foi governado por militares, por exemplo. Você concorda? Isso não prejudica o desenvolvimento da nação e o entendimento da nossa situação social e política?

O problema é que nas escolas, em geral, a História é ensinada de forma mecânica, sem atrativos. Por isso os jornalistas têm um papel importante nesse campo, ou seja, não apenas levar informação histórica de qualidade ao público, mas também tornar a própria História uma coisa atraente. Aposto que muitos brasileiros aprenderam muito sobre Getúlio Vargas lendo os livros de Fernando Morais, muito sobre a ditadura lendo Elio Gaspari, e sobre o Descobrimento lendo Eduardo Bueno.

" Acho que, no Brasil, nós, jornalistas, temos o papel imenso de revelar as mazelas que nos atravancam. Meu fascínio é mostrar o que dá errado, com a esperança de que isso ajude a fazer o certo."


CP literatura Mudando um pouco de assunto: recentemente o STF derrubou a exigência de diploma em jornalismo para atuar na área. Naturalmente, houve muita reclamação por parte dos estudantes de jornalismo e também de jornalistas. Na sua opinião as reclamações são justas ou o Supremo Tribunal Federal (STF) agiu corretamente ao colocar um fim na exigência do diploma? O jornalismo ganhou ou perdeu com isso?

Acho que o jornalismo ganha com o fim da exigência do diploma. Nunca entendi porque um filósofo, um advogado, um historiador não poderiam ser também bons jornalistas. Tenho um amigo formado em matemática que é um dos melhores e mais corretos repórteres que já conheci. O que o diploma escondia era uma reserva de mercado.

CP literatura Ainda sobre jornalismo: muito se fala sobre o fim dos jornais e do próprio jornalismo. O que você acha disso? Os jornais - e o jornalismo - vão mesmo acabar? O destino de reportagens como as suas será, mesmo, os livros?

Muitos jornais vão acabar e os que sobreviverem terão de fazer grandes mudanças por questões financeiras, ou seja, terão de "encolher". O que é uma pena, porque os jornais, com as reportagens, têm tido grande importância na história recente do país. Se a reportagem migrar para outro suporte, não vejo problema. Mas até agora a internet não tem rendido o suficiente para os portais terem jornalistas de qualidade fazendo reportagens. Nenhum portal brasileiro tem, por exemplo, um correspondente na Venezuela, na China, em Buenos Aires ou em Washington, como os jornais. Acho que passaremos por um período nebuloso, no qual teremos menos reportagens, ou seja, menos informação de qualidade. Mas acho que isso pode ser corrigido no futuro.

CP literatura Você já está pensando (ou trabalhando) num próximo livro? Se sim, pode revelar qual o assunto e quando pretende publicar?

Neste momento, estou lançando Olho por olho. Mas também estou trabalhando em outro livro, que deve ser publicado no segundo semestre do ano que vem. O assunto, por enquanto, é segredo...


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