História do Brasil e do Mundo
Crise de 1929 começa com quebra da Bolsa de NY e espalha pânico
imagem: Nova York no dia do crash da bolsa, em 1929. Família desempregada, vivendo em condições miseráveis, em Elm Grove, Califórnia, Estados Unidos. Desempregados fazem fila para tomar a sopa gratuita em Chicago (EUA), durante a crise econômica da década de 1930.
Crise de 1929 começa com quebra da Bolsa de NY e espalha pânico
VINICIUS ALBUQUERQUE
John Kenneth Galbraith, um dos principais economistas do século 20, escreveu que o dia 24 de outubro de 1929 foi o primeiro dos que ficaram associados ao que veio se tornar conhecido como a Grande Depressão: nesse dia, a Bolsa de Valores de Nova York sofreu uma forte queda durante o pregão (que chegou a quase 11%), com o movimento de pouco menos de 13 milhões de ações, indicando o pânico dos investidores --um dia antes o movimento havia sido de pouco mais de seis milhões.
No fim do dia, no entanto, houve uma recuperação, fechando com queda de apenas 2%; o pior ainda estava por vir. O dia 29, uma terça-feira, foi, segundo Galbraith, "o dia mais devastador da história do mercado de ações de Nova York, e possivelmente o dia mais devastador da história de todos os mercados". No fim daquele dia a Bolsa de Valores de Nova York teve perda de 11,7% --depois de cair cerca de 16% durante o dia, entre a abertura dos negócios e o pior momento.
Quando atingiu o ponto mais baixo, em 1932, a Bolsa estava 89% abaixo do momento de pico, em setembro de 1929.
A Grande Depressão que se seguiu foi um período de forte retração na economia que prosseguiu ao menos até 1939. O "New York Times" descreveu da seguinte forma o que aconteceu na Bolsa há 80 anos:
"Os preços das ações virtualmente desabaram, jogados para baixo com perdas gigantescas no dia de negócios mais desastroso na história dos mercados (...) As operações na Bolsa totalizaram 16,410 milhões de ações (...) o total excede de longe o de qualquer dia anterior [em março de 1928 o volume era de 3,8 milhões, um recorde até então]. De todos os pontos de vista, na extensão das perdas, na movimentação total, no número de especuladores tirados de cena, o dia foi o mais desastroso na história de Wall Street. A histeria varreu o país."
Mesmo o abalo que o mundo sofreu desde 2008 com a crise financeira e econômica atual --e os milhões de desempregados que deixou no mundo todo atestam a força desse abalo--, 1929 e a Grande Depressão que se seguiu ainda permanecem como a referência do tipo de catástrofe que a especulação financeira pode causar.
As imagens deixadas pela Grande Depressão não são bonitas. Filas de muitas centenas de pessoas esperando para se servir de um pedaço de pão e um prato de sopa, vestidas em trapos. Famílias vagando pelas ruas de grandes cidades, principalmente Nova York, com pais que não tinham ocupação e filhos que não tinham comida. Pessoas que não tinham nada.
Milhares de pequenos agricultores venderam o que puderam, por qualquer preço, juntando suas últimas posses e partindo para o que pensavam ser a única esperança, a Califórnia --o que, no fim, se provou apenas uma miragem. Essa parte da história pode ser encontrada em livros didáticos e em trabalhos de cunho mais analítico e científico, mas o drama dessas pessoas é melhor percebido no romance de John Steinbeck, "As Vinhas da Ira".
Ainda segundo Galbraith, no entanto, ninguém foi responsável pela quebra da Bolsa e ninguém criou o sistema de especulação que inflou o mercado e levou ao "crash". "As duas coisas resultaram da livre escolha e decisão de centenas de milhares de indivíduos. Estes não foram levados para o matadouro. Foram impelidos a ele pela loucura contagiosa que sempre atacou as pessoas que já estão atacadas pela ideia de que podem tornar-se muito ricas."
A quebra da Bolsa, no entanto, apenas marcou definitivamente na história um período que, no entanto, já era de fraqueza nos EUA. O Nber (Escritório Nacional de Pesquisa Econômica, na sigla em inglês), que avalia quando recessões começam e acabam nos EUA, aponta que na década de 20 do século passado a economia americana passou por quatro recessões (o instituto registra a duração das recessões em meses, e não em trimestres, como é mais comum).
A que começou pouco antes do "crash" da Bolsa foi a maior do século passado, com 43 meses --entre agosto de 1929 e março de 1933. E em maio de 1937 teve início outra, que duraria 13 meses.
Sinais
O que houve naquele dia de outubro foi que os americanos foram trazidos à realidade por um choque, com a quebra da Bolsa, mas já havia avisos e alertas. Em novembro de 1925, pouco menos de quatro anos antes da crise, o "New York Times" já apontava semelhanças entre a agitação no mercado financeiro em 1929 e outras manias, e afirmava a necessidade de se manter um olhar cético sobre o ritmo de alta do mercado.
O país já tinha visto uma bolha em passado recente, no setor imobiliário da Flórida. A expectativa de que o Estado se tornasse já naquela época um recanto de férias e lazer levou especuladores a explorarem o mercado --embora muitos dos lotes ficassem a quilômetros das praias e não houvesse infraestrutura urbana quase nenhuma. Em 1926 a demanda começou a diminuir e a euforia passou. Embora não causasse perdas catastróficas, o "boom" seguiu uma espécie de "roteiro das bolhas": euforia inicial, saturação e em seguida queda de demanda e preços.
O Fed (Federal Reserve, o BC americano) chegou a advertir em fevereiro de 1929, em duas ocasiões, que não permitiria que fossem tomados recursos do banco para alimentar o financiamento de compras especulativas de ações --naquele mês informou que restringiria o uso do dinheiro do banco para esse fim, deixando poucos recursos para o comércio e outros setores da economia. Fevereiro foi um mês fraco, mas o mercado se recuperou.
Mas os avisos não chegaram aos ouvidos que mais deviam ter escutado os alertas. Em fins de março, Charles Mitchell --um dos diretores do Fed e presidente do National City Bank, instituição que viria a se tornar o Citibank, já então um dos maiores bancos americanos--, disse que a instituição que comandava liberaria os recursos de que o mercado necessitasse para que o mercado se mantivesse em alta, o que minou a autoridade do Fed.
Otimismo
O otimismo, assim, invadiu a percepção de todos, inclusive de especialistas. A Sociedade de Economia da Universidade Harvard chegou a prever que, no verão (inverno no hemisfério Norte) de 1929, o mercado sofreria um declínio; como o declínio não veio, manteve a opinião positiva para os negócios. Em novembro, já após o "crash", a sociedade descartou o risco de uma depressão grave.
Herbert Hoover disse em 1928, quando foi nomeado para disputar a Casa Branca pelo Partido Republicano (e que assumiu a presidência em março de 1929): "Nós, nos Estados Unidos, estamos hoje mais perto do triunfo final sobre a pobreza do que nunca antes na história, em qualquer lugar".
Outro que acabou desacreditado por suas declarações dias antes da quebra foi o economista Irving Fisher, que disse que "os preços das ações atingiram o que parece um patamar permanentemente alto". Fisher se destacou por suas contribuições intelectuais, como sua teoria do juro e do capital, mas essa declaração --e outras, como: "Espero ver o mercado de valores bem mais alto do que está hoje, dentro de poucos meses"-- tirou um pouco de seu brilho.
Desemprego
Com a quebra da Bolsa, o número de falências pessoais (nos EUA é possível uma pessoa se declarar falida) passou a crescer. Desse modo, o consumo registrou um declínio acentuado e que só se aprofundou ao longo dos anos seguintes. Com o consumo em baixa, empresas começaram a quebrar, demitindo funcionários.
A perda de empregos em grande número, por sua vez, reduziu mais ainda o consumo, que levou mais empresas à falência e mais demissões, gerando uma espiral que, à época, parecia que não teria fim.
A situação do desemprego foi crítica para que os efeitos da quebra da Bolsa se tornassem cada vez mais graves. Em abril de 1929, 1,6 milhão de pessoas estavam sem emprego -o que representava 3,2% da força de trabalho. Em abril de 1932, perto de 13 milhões de pessoas estava sem trabalho -ou quase 25% da força de trabalho do país. Em algumas cidades do país, o número de desempregados chegava a 50% da força de trabalho local, e em outras essa proporção era muito maior.
A situação em que o país caiu também se alimentou de outros detalhes, que já vinham despontando mesmo antes da quebra da Bolsa --a agricultura, por exemplo, se encontrava em situação crítica: a produção dos fazendeiros americanos ficou sem mercado. Estimulada em anos anteriores para abastecer o mercado europeu, ainda se recuperando da guerra, a produção excedente se tornou um problema, por não ter para onde escoar depois que a Europa conseguiu se reerguer. Os preços desabaram.
Depressão
A ligação entre a quebra da Bolsa e a Grande Depressão ainda é objeto de controvérsia na história econômica. Como se viu acima, os EUA já estavam no início de uma recessão --que poderia talvez não ter sido tão longa--; o "crash" da Bolsa, portanto, não poderia tê-la causado.
Uma resposta possível é a sugerida pelo historiador Edward Chancellor, em seu livro "Salve-se Quem Puder - Uma História da Especulação Financeira": as expectativas dos americanos quanto ao futuro, depois da prosperidade vista nos anos antes, sofreram um choque. "Quando os valores dos ativos declinaram, devastando o sistema bancário, uma psicologia do medo substituiu o otimismo da década anterior", disse.
Os anos 20 do século passado, escreve Chancellor, "foram um período em que as pessoas mostraram capacidade para sonhar, fé no futuro, um apetite empreendedor pelo risco e a crença na liberdade individual". Esse espírito --ou pelo menos no grau de intensidade em que era percebido-- se desfez após o "crash".
A crise financeira e econômica pela qual o mundo passa hoje --e que, segundo as avaliações de especialistas e de órgãos como o FMI (Fundo Monetário Internacional), já está perto do fim-- mostra que esse mesmo espírito, embora tenha se desfeito, não desapareceu, e já há quem procure prever quando surgirá de novo --e se trará uma nova crise.
Folha de São Paulo
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