Chichén Itzá, a meca do povo maia
História do Brasil e do Mundo

Chichén Itzá, a meca do povo maia


MAPA: ERIKA ONODERA

A arquitetura da cidade privilegia o movimento e a reunião de multidões. O mais notável não é o tamanho dos edifícios, mas o dos espaços que os separam
por Claude- François Baudez

A primeira impressão e a última lembrança de quem conhece Chichén Itzá costumam coincidir e se resumem numa palavra: monumentalidade. De fato, mesmo imponentes cidades do período maia clássico (300 a 900 d.C.), como Tikal, Copan, Palenque e Uxmal, perdem o viço em uma eventual comparação.

O mais notável não é o tamanho dos edifícios, mas o dos espaços que os separam. Turistas chegam a ficar perdidos na grande praça, no imenso campo de jogo de bola ou na ampla via que leva ao cenote sagrado, o poço natural no qual era atirado o corpo das vítimas de sacrifícios humanos e que atraía peregrinos maias de toda parte.

Espaços livres e edificados são testemunhos da preocupação dos homens que construíram Chichén Itzá, 1.100 anos atrás, de propiciar a reunião e a circulação de multidões, incluindo os visitantes.

Também a escultura se diferencia. Em vez da exaltação de reis e dinastias, as obras de Chichén focalizam cenas de grupos, de desfiles e de procissões. Distinguem-se nelas personagens que ocupam posições diferentes na hierarquia social. Há reis, sacerdotes, guerreiros de elite e de linhagem inferior, assim como vítimas de sacrifícios.


Teocale em Chichén Itzá, litografia, Frederick Catherwood, 1844, Biblioteca Beinecke de Livros Raros e Manuscritos da Universidade Yale

A pirâmide na visão do artista do século XIX

A construção do templo dos Guerreiros tem duas partes: uma vasta sala, precedida de três fi leiras de colunas, e uma pirâmide. À direita da escadaria de acesso, encontra-se uma banqueta e uma pedra de sacrifício de 40 cm de altura. Todos os pilares de sustentação do teto mostram, nas quatro faces, esculturas de um personagem em pé. Na sua imensa maioria, são guerreiros, mas há também cativos de mãos amarradas, membros da alta hierarquia, sacerdotes e personagens mascarados, imitando animais.

Esse conjunto arquitetônico reúne os dois momentos do sacrifício: a execução, na sala principal, e a oferenda, no templo. A prevalência de guerreiros denota a importância deles no ritual. Os homens armados são os que capturam e oferecem o sacrifício. Eles são assistentes qualificados dos sacerdotes. O ritual é ostensivo. As cenas de sacrifício humano encontram-se representadas em toda a parte na cidade.

Chichén Itzá se destaca das demais cidades maias da época pelo abandono de práticas vigentes durante séculos, como a de erguer monólitos periodicamente, e também pela adoção de traços culturais exógenos, manifestados, sobretudo, na arquitetura.

As ruínas de Chichén revelam mais. Uma organização política e social totalmente inovadora aparece, com o enfraquecimento do poder real, em proveito de uma elite de guerreiros e sacerdotes. Essa mudança profunda ainda não está bem explicada. Depende de mais estudos da história dos maias entre os séculos IX e X.



© BUFFLERUMP/SHUTTERSTOCK

Imagem atual da mesma construção; no detalhe, um relevo maia

Ao fim do século IX, Chichén foi uma cidade de perfil cosmopolita. Por mais de dois séculos, a única importante do Yucatán. Essa hegemonia não dependeu de autoridade e força do governo. Ao contrário, abertura e partilha com habitantes de cidades vizinhas foram marcas da cidade.

Nas províncias, os chefes locais eram convidados por Chichén a participar de festas, cerimônias diversas e atividades religiosas da cidade. Essa comunhão no ritual parece ter assegurado a estabilidade política local, ainda que houvesse guerras, até mesmo para capturar futuras vítimas de sacrifícios. O papel federativo da cidade foi ainda favorecido pelo cenote sagrado, visitado por milhares de peregrinos que lançavam aí suas oferendas.

O povo maia tem um histórico de abandono de suas cidades-Estado. Ao longo do século IX, as das
Baixas Terras centrais foram esvaziadas, depois de viverem o apogeu do período clássico, iniciado em 300 d.C. Nelas, o rei maia governava de maneira absoluta. Ele era assunto quase exclusivo dos textos dos hieróglifos e da arte monumental.

No século seguinte, foi a vez das cidades do Yucatán, com exceção de Chichén Itzá que, na virada do milênio, permaneceu influente na região. Acabou também abandonada em meados do século XIII.

Até a conquista espanhola, contudo, Chichén Itzá, mesmo sem a agitação e o poder de outrora, continuou a ser visitada por peregrinos, graças a seu cenote sagrado.

Claude- François Baudez antropólogo e etnólogo, é diretor de pesquisas do Centro Nacional de Pesquisa Científica (França).

Revista Historia Viva





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