A historiografia entre o nacionalismo e a pós-modernidade
História do Brasil e do Mundo

A historiografia entre o nacionalismo e a pós-modernidade


É consenso entre os historiadores de hoje que a história deve ser constantemente reescrita, pois, como nos ensinou Marc Bloch, o objeto de estudo da História são os homens e as diferentes sociedades humanas no tempo. Além disso, De acordo com José Carlos Reis, a história deve ser reescrita, seus temas sempre revisitados, seus interpretes sempre questionados, pois o próprio conhecimento histórico muda na sucessão temporal. A cada época, novos métodos, novos objetos, novos olhares, novas questões, novos campos, novas tipologias de fontes, novas experiências. Na concepção de Koselleck, a cada presente, a história atualiza a relação entre futuro/passado. Seria exatamente no entendimento desta complexa relação que se encontra a concepção de tempo histórico. Portanto, temas que podem não tomar muito sentido em outras épocas, abordagens que foram desconsideradas por outros historiadores, fontes que não eram visitadas anteriormente podem ser foco privilegiado da história hoje. Frente a estas questões podemos nos indagar: quais “histórias” estamos escrevendo nos dias atuais? O que é objeto do historiador atualmente? Como o interesse por certos temas do passado expressam nossa preocupação com o agora?

Estas não são questões para as quais conseguimos respostas rápidas e satisfatórias, mas o fato é que nitidamente observamos a multiplicação dos campos da pesquisa histórica nos últimos anos bem como o reaquecimento de debates sobre temas específicos outrora menos privilegiados pela historiografia. O nacionalismo é uma destas temáticas que tem ocupado um bom número de páginas das revistas, teses e dissertações especializadas em história tanto no Brasil quanto em outras partes do mundo. Para Hobsbawn, “a partir da década de 1980 o debate acadêmico a respeito da natureza e da história das nações e do nacionalismo tem sido contínuo”. Quais seriam os motivos para esta preponderância dos estudos sobre o nacional? Para este autor esta presença marcante é fruto de uma era de instabilidade internacional iniciada em 1989 que segundo suas convicções não se pode prever o fim. O fato é que esta era de instabilidade nos mostra que vivemos uma crise das identidades nacionais. Ainda de acordo com o Hobsbawn, a Guerra Fria era uma força estabilizadora do nacionalismo. As grandes potências que não são mais detentoras do monopólio bélico mundial deixaram de ser o centro, provocando um processo de globalização da violência armada a partir de uma nova articulação entre local e global que rearmou pequenos grupos militares pelo mundo e provocou ainda mais a instabilidade pelos quatro cantos do planeta. Governos centrais testemunharam o esfacelamento de seus territórios em dois, três ou mais Estados, como é o caso da Iugoslávia. A Europa que “inventou” o nacionalismo no século XIX, pátria original das nações modernas, assiste a desconstrução da sua maior invenção: a nação. Esta desintegração do poder central em alguns países do globo é um termômetro da relação entre nacionalismo e identidade cultural no mundo pós-moderno.

Para Jenkins, assim como para outros teóricos como Lyotard e Jameson, o pós-moderno é algo difícil de se definir, pois os apologistas do pós-modernismo defendem a idéia de que nada é sólido ou fixo neste mundo. Na definição de Lyotard, o contexto pós-moderno pode ser caracterizado pela “morte dos centros”, “incredulidade ante as metanarrativas”, “anglocentrismos”, “eurocentrismos”, “etnocentrismos”, “logocentrismos”, “sexismos” que já não são considerados legítimos, naturais, reais, mas sim, construções temporais, ficcionais que são úteis para formular interesses que não são universais.
A crise da idéia de um projeto iluminista, de emancipação do homem expressas por meio do humanismo, do marxismo e do liberalismo é resultado da descrença nas metanarrativas que estabeleceram um sentido para a humanidade, fundado na noção de progresso e de civilização. Segundo Jenkins, “o final do século XIX e o início do século XX assistiram a um solapamento da razão e da ciência”.

Retomando o tema levantado no início deste texto, sobre a necessidade de reescrita da história, revisitar o nacionalismo como tema frente a este contexto dito pos-moderno é uma exigência. De acordo com José Carlos Reis, a questão da nacionalidade pode ser encarada a partir de dois pólos destacados por Stuart Hall: essencialismo e nao-essencialismo. Hoje, a visão essencialista do nacionalismo cede lugar às análises construcionistas frutos deste presente descrente na existência de um “ser nacional”. Descrença esta que está conectada ao que se convencionou chamar de pós-modernidade e ao cenário descrito por Hobsbawn. A utopia de “uma” identidade nacional foi colocada à prova por um contexto globalizado que trouxe outra problemática levantada por Canclini: globalizar-se ou defender a identidade? Sobre a pós-modernidade, Jenkins não oferece opções aos historiadores e pondera: o que a história deve fazer para não negar, mas trabalhar e conviver com o pós-moderno? Quais os impactos para a natureza da história e para o trabalho do historiador?
A historiografia brasileira sofre diretamente o impacto deste cenário pós-nacionalista que se redesenha a todo instante, a predominância do regionalismo nos temas das pesquisas é um exemplo disso. Da mesma forma, diversos estudos se concentram em temas que espelham o aparecimento de identidades fragmentadas pelo processo descrito acima. Ecologistas, militantes homossexuais, minorias étnicas, artísticas, religiosas, sociais constroem estratégias de resistência ao processo de globalização, mas são ao mesmo tempo fruto desta.
Esta fragmentação identitária redesenhou de forma marcante o mapa da produção historiográfica brasileira e do mundo, tornou os temas mais pontuais e fez desaparecer as grandes interpretações do Brasil. A nação não é mais vista como uma unidade totalizante. Nasce nos textos de História um Brasil diversificado. Na verdade, nascem a cada dissertação e a cada tese, novos brasis atualizados com o presente também fragmentado pelo encurtamento das distancias e, fundamentalmente pelas reações a ela.

No caso dos estudos sobre o nacionalismo, este presente pós-moderno, no qual a nação se apresenta como uma verdade caindo pelas tabelas, os diferentes projetos identitários para a cultura brasileira são objetos constantemente revisitados. Segundo Koselleck, “ao constatarmos que ao refletir sobre os fatos estamos relacionando com conceitos, (...) tornou-se impossível, embora ainda se tente com freqüência, tratar a história sem que se tenha uma idéia precisa das categorias pelas quais ela se expressa”. É na distancia temporal que se percebe a historicidade das diferentes concepções do conceito de nação defendidos no Brasil. Debate que se mostrou e ainda se mostra tão caro a nossos pensadores, seja no campo da historiografia, da literatura e da pouco explorada musicologia.
Loque Arcanjo




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